SOS Democracia. O grande retrocesso democrático global
Após três décadas de avanços importantes, a democracia deixou de progredir no mundo. Trata-se de uma pausa ou de um retrocesso da História? Alguns inquietam-se com a afirmação de regimes autoritários e com malogros como o da Primavera Árabe. Até Francis Fukuyama, não renegando a ideia do "fim da História", alerta que a vitória do modelo democrático não está garantida e que tudo depende dos valores pelos quais os cidadãos queiram se bater.
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Por: Thomas L. Friedman (excertos)
Fonte: The New York Times
Desde 2006, o número de regimes democráticos no mundo estagnou. Vários grandes países recuaram em matéria de liberdades. E mesmo alguns regimes democráticos ocidentais começam a apresentar bloqueios e a evidenciar problemas. Numa tendência global, a democracia parece estar em recessão.
Num ensaio intitulado “Facing Up to the Democratic Recession” (Encarar a recessão democrática), publicado no Journal of Democracy, o especialista da Universidade de Stanford, Larry Diamond explica: “Por volta de 2006, a expansão da liberdade e da democracia no mundo entrou numa fase de impasse. Desde então, não houve aumento do número de democracias eleitorais, que tem oscilado entre as 114 e as 119 (cerca de 60% dos países do mundo).
O número de democracias, tanto eleitorais como liberais, começou a diminuir a partir de 2006 para depois estabilizar. Desde 2006, o nível médio da liberdade no mundo também se deteriorou ligeiramente.”
“Desde 2000”, diz Diamond, “25 democracias entraram em colapso – não só devido a golpes militares ou dirigentes autoritários, mas também devido a degradações sutis e progressivas dos direitos e procedimentos democráticos.
Alguns desses fenômenos ocorreram em sistemas políticos de fraca qualidade. Mas em todos estes casos, a concorrência eleitoral multipartidária razoavelmente livre e justa, ou foi eliminada, ou foi degradada muito abaixo dos padrões mínimos de um regime democrático."
A Rússia de Vladimir Putin e a Turquia de Erdogan são apenas dois exemplos mais visíveis desta tendência, partilhada pela Venezuela, Tailândia, Botswana, Bangladesh e Quênia. Na Turquia, escreve Diamond, o AKP (partido de Erdogan) está aumentando o “controle partidário sobre o sistema judiciário e a administração pública. Prende jornalistas e intimida dissidentes na imprensa ou no mundo acadêmico. Ameaça as empresas que financiam partidos da oposição. A pretexto de supostas tentativas de golpes de Estado, multiplica prisões e processos judiciais cujo verdadeiro objetivo é retirar da vida pública pessoas incômodas. Isso coincide com uma concentração impressionante e cada vez mais descarada de poder pessoal nas mãos de Erdogan". Não há como negar: As bases do Estado de direito na Turquia estão sendo corroídas.
Nova geração de autocratas
Por seu turno, a Freedom House, grupo que avalia o grau de respeito pelos valores democráticos, constatou que, entre 2006 e 2014, foram muito mais os países em que a liberdade diminuiu do que aqueles em que foi reforçada. Esta tendência acentuou-se em especial na África Subsaariana, incluindo a África do Sul, onde o declínio da transparência, o colapso do Estado de direito e o aumento da corrupção estão se tornando regra.
De onde vem essa tendência? Uma das razões, segundo Diamond, é que os autocratas têm um forte instinto de conservação. Aprendem depressa e adaptam- se com facilidade. Desenvolveram e partilham “novas técnicas de censura e estratégias legais para restringir o âmbito das associações de proteção da sociedade civil e impedi-las de receber apoio internacional”. Isso sem que lhes sejam contrapostas novas estratégias de contestação. Velhos hábitos de corrupção e abuso de poder estiveram camuflados durante as décadas de 90 e 2000, após a explosão democrática que se seguiu ao fim da Guerra Fria.
Contudo, “os autocratas corruptos sentiram que a pressão baixou e que tinham voltado a poder governar como queriam.”
Fator importante em tudo isso foi a ascensão da China a potência de primeiro plano. Não se norteando por padrões de democracia nem vendo a corrupção no estrangeiro como um mal, a China destronou os Estados Unidos como principal prestador de ajuda a grande parte da África. Isso enquanto a Rússia aumentava a sua agressividade, minando qualquer tendência democrática manifestada no interior de suas fronteiras.
Por último, mas não menos importante, depois do 11 de Setembro, os Estados Unidos deixaram a “guerra ao terrorismo” suplantar a promoção da democracia como principal prioridade de sua política externa. No limite, qualquer autocrata que prenda terroristas pode esperar ficar isento de retaliações por parte dos EUA.
Um sistema disfuncional
O lado mais inquietante do retrocesso democrático, acrescenta Diamond, “é o declínio da eficiência e da autoconfiança democrática”, nos EUA e no Ocidente em geral. Após anos de hiper polarização e de bloqueios parlamentares, de suspeitas de financiamentos eleitorais irregulares, os Estados Unidos, considerado a democracia mais importante do mundo, está cada vez mais disfuncional e mostra-se incapaz de aprovar uma coisa tão básica como um orçamento do Estado.
“O mundo percebe isso”, diz Diamond. “A propaganda dos regimes autoritários explora as dificuldades da democracia norte- americana, para desacreditar a democracia em geral e imunizar os governos autoritários contra as pressões dos EUA.”
Diamond apela a que os democratas não percam a confiança. A democracia, como dizia Churchill, é a pior forma de governo com exceção de todas as outras. Estimula a imaginação das pessoas como nenhum outro sistema. Mas isso só e verdadeiro quando as grandes democracias aparecem como um modelo que vale a pena seguir.
Estagnação ou declínio?
“Estará a democracia em declínio?” pergunta, numa edição especial, a Journal of Democracy. Esta revista é publicada pelo National Endowment for Democracy (Fundo Nacional para a Democracia), organização sem fins lucrativos que se dedica a promover a democracia no mundo e é financiada pelo Congresso norte-americano. Para celebrar seus 25 anos de existência, a revista abriu as suas páginas a colunistas de renome, entre os quais o politólogo Francis Fukuyama e o historiador Robert Kagan.
Larry Diamond, o chefe de redação, assina um artigo sobre a "recessão democrática", uma ideia que logo foi questionada pelos politólogos Steven Levitsky e Lucan Way, que são de opinião que “a expectativa em torno da rápida democratização do mundo, nos anos 90, era excessiva", resume a revista semanal canadense MacLean’s. "A verdadeira tendência da última década é a resistência da democracia, num contexto democrático mais sombrio", escrevem aqueles dois autores.
(*) Colunista famoso e ex-correspondente no Oriente Médio do jornal The New York Times, Thomas Friedman acompanhou a invasão do lraque, em 2003, promovida por George N. Bush. Ganhou três prêmios Pulitzer de jornalismo. Autor de várias obras, está traduzido, em Portugal, O mundo é plano - uma História breve do século 21. Em 2013 e 2014, colaborou numa série de documentários sobre alterações climáticas, a “Years of Living Dangerously”. Tinha já realizado - entre 2003 e 2007 – seis documentários para a parceria New York Times e Discovery Channel, sobre temas políticos e econômicos.
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