Sonho de gelo: Água de iceberg, dos polos ao equador
Levar um iceberg para abastecer regiões áridas da Terra já não é um sonho impossível. Um engenheiro francês e a tecnologia 3D mostram como isso pode ser feito
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Por: Equipe Oásis
O aquecimento global tem levado um número cada vez maior de icebergs a desprender-se da Groenlândia e da Antártida e rumar para águas mais quentes, atrapalhando a navegação até desfazer-se no oceano. Enquanto isso, mais de 1,1 bilhão de pessoas sofrem com a escassez de água potável no mundo e 2,5 bilhões não têm acesso a sistemas de purificação de água. A ideia parece inevitável: não seria possível conduzir icebergs, com sua água puríssima, às regiões áridas do planeta? Até alguns anos atrás, quase ninguém levaria a proposta a sério. Mas a moderníssima tecnologia 3D pode ter mudado essa avaliação.
O principal responsável por essa revisão de conceito é um engenheiro francês, Georges Mougin, autor do Project Iceberg, o qual já executou todos os cálculos teóricos necessários à concretização da façanha. Ainda nos anos 1970, ele fazia parte de uma equipe convocada pelo príncipe Mohammad al-Faisal, da Arábia Saudita, para tornar realidade o projeto “Iceberg Transport International” – um plano de envolver um iceberg de 100 milhões de toneladas em lona e plástico e levá-lo das regiões árticas ao Mar Vermelho. As imensas dificuldades previstas para a execução do trabalho e o custo mínimo de US$ 100 milhões assustaram até mesmo os megamilionários sauditas e o projeto não foi adiante, mas Mougin não descartou a ideia e continuou em contato com glaciologistas, oceanógrafos e meteorologistas. Agora, cerca de três décadas e meia depois, o engenheiro – aos 88 anos de idade – já tem meios de provar que a empreitada pode ser realizada.
Simulação virtual
Um programa de tevê mostrou o novo caminho a Mougin. Nele, um arquiteto explicava uma teoria sobre a construção das pirâmides egípcias com o auxílio de um programa da empresa de design francesa Dassault Systémes, especializada na elaboração de sofisticadas simulações em 3D. Mougin procurou então a companhia e fez contato com o diretor de projetos Cédric Simard. Conquistado pela ideia, Simard pôs sua equipe a reunir dados e a preparar uma simulação virtual solidamente fincada no mundo real.
Havia diversos fatores a considerar: o abastecimento do barco encarregado do trabalho, a taxa de derretimento do iceberg, as condições específicas do oceano – ventos, correntes marinhas, ondas, redemoinhos e por aí afora. Esses complicadores exigiram cerca de dois anos de Mougin e da equipe da Dassault Systèmes, mas o sucesso veio, enfim, no primeiro semestre deste ano. A partir de seus estudos para preparar as simulações tridimensionais, eles estabeleceram um roteiro para rebocar icebergs:
1) Há uma estação do ano mais adequada para capturar icebergs. Um glaciologista pode ajudar o interessado a identificá-la.
2) O iceberg não pode ser muito grande nem muito pequeno. Também deve ser do tipo tabular (plano na parte de cima), que apresenta risco mínimo de fratura e é mais fácil de rebocar.
3) O iceberg escolhido deve receber ao seu redor uma espécie de cinto de geotêxtil (manta não tecida de filamentos de polipropileno), tensionado com o auxílio de uma série de estacas fixadas no gelo. Estendendo-se por seis metros acima do nível da água e por outros seis metros abaixo dela, o cinto defende o iceberg de ondas que podem corroê-lo.
4) Ainda buscando preservar ao máximo o iceberg, ele deve ser envolvido por uma “saia” de geotêxtil. Mougin e a equipe da Dassault Systèmes calcularam que o ideal é que essa saia tenha 160 metros de altura, “vestindo” basicamente a parte submersa do iceberg. (Como a parte emersa representa apenas cerca de 10% do iceberg e tem grande capacidade de reflexão da luz solar, sua perda de gelo é pequena.) As correntes oceânicas aplainam a superfície do iceberg, o que torna pouco provável que a saia seja rasgada.
5) Sozinho, um rebocador nunca conseguiria puxar um iceberg. A estratégia de Mougin e seus colegas é facilitar a tarefa com o auxílio das correntes marinhas, de dados coletados por satélite e de previsões meteorológicas. Como lembrou Simard em uma entrevista, vistos pelas câmeras de um satélite, os oceanos parecem um “grande mapa de saliências e buracos”. Para ser bem-sucedido, o rebocador, tal qual um esquiador, teria de escolher bem sua trajetória diante desses obstáculos.
Na primeira tentativa de simulação com os dados básicos reunidos – um iceberg capturado na costa da Terra Nova (leste do Canadá) e destinado às Ilhas Canárias, na costa noroeste da África –, o rebocador ficou semanas num redemoinho e sua carga derreteu por completo. Mougin e seus colegas decidiram experimentar mudar em algumas semanas a data de início do transporte, e bastou essa alteração para tudo dar certo.
O sucesso fez a experiência ser transformada em um documentário, levado ao ar pela tevê francesa em maio de 2011. Animado com a repercussão obtida, Mougin pôs-se a trabalhar para concretizar esse sonho. O preço comentado – o transporte de um iceberg de 7 milhões de toneladas custaria cerca de US$ 10 milhões – pode viabilizar comercialmente a operação, sobretudo em regiões ricas e secas.
Os preparativos para rebocar um mini-iceberg por uma pequena distância já estão sendo tomados, e uma jornada completa de transporte poderá ocorrer ainda nos próximos anos.
Vídeo Sonho de Gelo:
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