Ser um cidadão global. O que isso significa?
Hugh Evans deu inicio a um movimento que mobiliza "cidadãos globais", pessoas que se identificam primeiramente não como membros de um Estado, de uma nação ou de uma tribo, mas como membros da humanidade. Nesta palestra aprendemos que esse novo entendimento de nosso lugar do mundo potencializa a tomada de ação por parte de indivíduos para enfrentar questões como pobreza extrema, mudanças climáticas, desigualdade de gênero, entre outras. "Essas são questões, em última instância, globais", diz Evans, "e só podem ser solucionadas, em última instância, por cidadãos globais exigindo soluções globais de seus líderes".
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Vídeo: TED – Ideas Worth Spreading
Tradução: Thais Leo. Revisão: Custódio Marcelino
Através da The Global Citizen platform (Plataforma da Cidadania Global), o humanista Hugh Evans criou uma comunidade online da qual fazem parte milhões de pessoas. Todas elas interessadas na erradicação mundial da extrema pobreza até o ano de 2030.
Aos14 anos, Hugh Evans passou a noite em uma favela de Manila, Filipinas. A vida dura dos seus hospedeiros motivou Evans a desafiar o status quo da pobreza extrema. Anos depois, durante uma visita à África doSul na condição de Embaixador da Juventude, Evans trabalhou na campanha Make Poverty . Em 2012, sob a égide do Global Poverty Project (lançado em 2008), Evans co-fundou a Global Citizen Platform.
Vídeo: Palestra de Hugh Evans no TED
Tradução integral da palestra de Hugh Evans:
Quero apresentar-lhes uma mulher incrível. O nome dela é Davinia. Davinia nasceu na Jamaica, aos 18 anos emigrou para os EUA e agora vive pertinho de Washington. Ela não tem um cargo político no alto escalão, nem é uma lobista. Ela diria que é uma pessoa comum. Mas ela está causando um impacto fora do comum. O incrível sobre a Davinia é que ela está disposta a gastar tempo a cada semana concentrada em outras pessoas: pessoas que não moram no seu bairro, no seu estado, nem mesmo no seu país. Pessoas que ela provavelmente nunca vai conhecer.
O impacto da Davinia começou há alguns anos, quando ela entrou em contato com seus amigos pelo Facebook e pediu que doassem suas moedas para conseguir fundos para a educação de meninas. Ela não esperava uma grande resposta, mas 700 mil moedas depois, ela mandou mais de 120 meninas à escola. Quando nos falamos semana passada, ela disse que era meio malvista no banco sempre que chegava com um carrinho de compras cheio de moedas.
Davinia não trabalha sozinha. Longe disso. Ela faz parte de um movimento crescente. Tem um nome para pessoas como a Davinia: cidadãos globais. Cidadão global é alguém que se identifica primeiramente não como membro de um Estado, uma tribo ou uma nação, mas como membro da humanidade, e como alguém que está preparado para agir segundo essa crença, para enfrentar os maiores desafios do mundo. Nosso trabalho é dedicado a encontrar, apoiar e acionar cidadãos globais. Eles existem em todos os países e em todos os grupos sociais.
Quero convencê-los hoje de que o futuro do mundo depende dos cidadãos globais. Estou convencido de que se tivéssemos mais cidadãos globais ativos no mundo, cada um dos maiores desafios que enfrentamos, seja pobreza, mudanças climáticas ou desigualdade de gênero, essas questões poderiam ser resolvidas. Problemas, em última instância, globais, e só podem ser resolvidos, em última instância, por cidadãos globais exigindo soluções globais de seus líderes.
A reação de algumas pessoas a essa ideia é considerar como utópica ou ameaçadora. Quero compartilhar um pouco da minha história. Sobre como cheguei aqui, como se conecta com a Davinia, e, espero, com vocês.
Eu cresci em Melbourne, na Austrália. Eu era uma daquelas crianças irritantes que nunca parava de perguntar: "Por quê?" Talvez vocês tenham sido também. Perguntava à minha mãe as perguntas mais irritantes. Perguntava coisas como: "Mãe, por que não posso me fantasiar e brincar com fantoches o dia todo?" "Por que você quer batatas com o pedido?" "O que é um camarão? E por que sempre os jogamos na churrasqueira?"
"Mãe, e esse corte de cabelo. Por quê?"
O pior corte de cabelo, acho. Ainda é horrível.
Enquanto criança questionadora, eu achava que poderia mudar o mundo e era impossível me convencer do contrário. Quando fiz 12 anos, no primeiro ano do ensino médio, comecei a juntar dinheiro para comunidades nos países em desenvolvimento. Éramos um grupo animado de crianças e juntamos mais dinheiro que todas as outras escolas da Austrália. Então ganhei a oportunidade de ir às Filipinas aprender mais. Era 1998. Fomos a uma favela na periferia de Manila. Foi lá que fiquei amigo do Sonny Boy, que morava, literalmente, numa pilha fumegante de lixo. "Montanha Fumegante", era como a chamavam. Não se deixem enganar pela poesia do nome, porque era nada menos que um lixão grotesco em que crianças como Sonny Boy passavam horas, todos os dias, procurando por algo de valor.
Aquela noite com Sonny Boy e sua família mudou a minha vida para sempre. Quando chegou a hora de dormir, deitamos na laje de concreto, que media metade do meu quarto, eu, Sonny Boy e o resto da sua família. Sete pessoas numa linha, com o cheiro de lixo ao nosso redor e baratas por todos os lugares. Não preguei os olhos. Fiquei pensando comigo mesmo: "Por que alguém tem que viver assim enquanto eu tenho tanto? Por que a capacidade do Sonny Boy de viver os sonhos dele deve ser determinada por onde ele nasceu, ou o que Warren Buffet chamou de 'loteria dos ovários'"? Eu não conseguia entender. Eu precisava entender o porquê.
Só depois compreendi que a pobreza que eu tinha visto nas Filipinas era resultado de decisões tomadas ou não por pessoas. Por uma sucessão de poderes coloniais e governos corruptos que tinham tudo, menos os interesses do Sonny Boy, como prioridade. Eles não criaram a Montanha Fumegante, mas era como se o tivessem feito. Se quisermos ajudar crianças como Sonny Boy, não adiantaria só enviar alguns dólares ou tentar limpar o aterro em que ele vive, porque o coração do problema está em outro lugar. Trabalhei em projetos de desenvolvimento comunitário nos anos seguintes, tentando construir escolas, treinar professores, enfrentar o HIV e a AIDS, e entendi que desenvolvimento comunitário deve ser conduzido pelas próprias comunidades. E embora caridade seja necessária, não é o suficiente. Precisamos confrontar esses desafios numa escala global e de forma sistêmica. O melhor que eu poderia fazer era tentar mobilizar um grande grupo de pessoas no meu país e insistir que nossos líderes se engajassem nessa mudança sistemática.
É por isso que, anos depois, me juntei a um grupo de colegas da faculdade para trazer a campanha "Make Poverty History" para a Austrália. Sonhávamos em organizar um show, na mesma época do encontro do G20, com alguns artistas australianos e, um belo dia, a coisa explodiu. Recebemos ligações do Bono, do The Edge e Pearl Jam que concordaram em ser o evento principal. Fiquei um pouquinho animado, como podem ver.
Para nossa surpresa, o governo australiano ouviu nossa voz coletiva e concordaram em duplicar o investimento em saúde e desenvolvimento globais. Um aumento de US$ 6,2 bilhões. Parecia...
Pareceu uma legitimação incrível. Ao juntar cidadãos, convencemos nosso governo a fazer o impensável: agir para resolver um problema muito além de nossas fronteiras.
Aí está o problema: não durou muito tempo. Houve uma mudança de governo e, seis anos depois, todo aquele dinheiro adicional desapareceu. O que aprendemos? Aprendemos que aumentos pontuais não são suficientes. Precisávamos de um movimento sustentável, não suscetível a flutuações no humor de um político ou a suspeitas de crise econômica. E isso precisava acontecer no mundo todo. Caso contrário, cada governo individual teria esse mecanismo interno de desculpa de que não poderiam carregar o peso da ação global sozinhos.
E foi nisso que embarcamos. Quando embarcamos nesse desafio, perguntamos a nós mesmos: "Como podemos conseguir pressão suficiente e um exército grande para vencer essas lutas no longo prazo?" Só conseguimos pensar numa forma. Precisávamos transformar a animação de curto prazo das pessoas envolvidas com a campanha "Make Poverty History" em dedicação de longo prazo. Precisava fazer parte da identidade delas. Em 2012, fundamos uma organização cujo objetivo é exatamente esse. E só poderia ter um nome: Cidadão Global.
Mas isso não se trata de uma organização apenas. Trata-se de cidadãos decidindo agir. E dados de pesquisas nos dizem que da população total que se preocupa com problemas globais, só 18% decidiu fazer algo. Não que as pessoas não queiram agir. Normalmente, elas não sabem como agir. Ou acreditam que suas ações não terão efeitos. Então tínhamos que recrutar e ativar milhões de cidadãos, em dezenas de países, para pressionar seus líderes a se comportar de forma altruísta.
Enquanto fazíamos isso, descobrimos algo emocionante. Quando você faz da cidadania global sua missão, você se encontra, de repente, com alguns aliados extraordinários. Pobreza extrema não é a única questão que é fundamentalmente global. As mudanças climáticas também são. Direitos humanos, igualdade de gênero, até mesmo conflitos. Estávamos lado a lado com pessoas dedicadas a todas essas questões relacionadas.
Mas como conseguimos recrutar e engajar esses cidadãos globais? Bem, usamos a linguagem universal: música. Lançamos o "Global Citizen Festival" no coração de Nova York, no Central Park, e convencemos alguns dos maiores artistas do mundo a participar. Fizemos com que os festivais coincidissem com reuniões da Assembleia Geral da ONU. Então os líderes que precisavam ouvir nossas vozes não poderiam nos ignorar.
Mas tinha uma pegadinha: você não podia comprar um ingresso. Você tinha que merecer. Tinha que agir em benefício de uma causa global e só quando tivesse feito isso, poderia ganhar pontos para se qualificar. O ativismo é a moeda. Não me interessava na cidadania como algo apenas para se sentir bem. Para mim, cidadania significa agir e foi isso que exigimos. Surpreendentemente, funcionou. Ano passado, mais de 155 mil cidadãos, só na área de Nova York, conseguiram pontos suficientes. Globalmente, temos cidadãos cadastrados de mais de 150 países ao redor do mundo. Ano passado, cadastramos mais de 100 mil membros novos toda semana, o ano inteiro.
Não precisamos criar cidadãos globais do nada. Nós já estamos em toda parte. Só precisamos nos organizar e sermos motivados a começar a agir. Nisso podemos aprender muito com Davinia, que começou a agir como cidadã global em 2012. O que ela fez foi isso. Não foi nada complicado. Ela começou a escrever cartas e enviar e-mail para gabinetes de políticos. Ela foi voluntária na sua comunidade local. Foi aí que ela ficou ativa nas mídias sociais e começou a juntar as moedas. Muitas moedas.
Talvez não pareça muita coisa para você. Como isso vai mudar alguma coisa? Mudou muita coisa porque ela não estava sozinha. As ações dela, junto de outros 142 mil cidadãos globais, fez o governo dos EUA dobrar o investimento em parcerias globais pela educação. E esse é o Dr. Raj Shah, chefe da USAID fazendo este anúncio. Quando milhares de cidadãos globais inspiram-se mutuamente, é incrível ver o seu poder coletivo. Cidadãos globais como a Davinia ajudaram a convencer o Banco Mundial a aumentar os investimentos em água e saneamento básico. O presidente do Banco, Jim Kim, anunciou US$ 15 bilhões no palco do Cidadão Global, e o Primeiro Ministro da Índia, Modi, se comprometeu a colocar um banheiro em toda casa e escola na Índia até 2019. Cidadãos globais, encorajados pelo apresentador Stephen Colbert, lançaram um tuitaço na Noruega. Erna Solberg, a primeira ministra, recebeu a mensagem e se comprometeu a dobrar o investimento em educação para meninas. Cidadãos globais, junto com o Rotary, apelaram aos governos do Canadá, Reino Unido e Austrália para aumentar os investimentos na erradicação da poliomielite. Eles se juntaram e alocaram US$ 665 milhões.
Mas, apesar desse momentum, enfrentamos desafios gigantescos. Vocês devem estar se perguntando: "Como poderíamos convencer os líderes mundiais a manter o foco em questões globais?" Realmente, o poderoso político norte-americano Tip O'Neill disse: "Toda política é local". É isso que sempre elege políticos: procurar, conseguir e manter o poder por meio de medidas locais, no máximo nacionais.
Tive essa experiência pela primeira vez aos 21 anos. Tive uma reunião com o ministro das Relações Exteriores de então, não citarei nomes.[Alexander Downer]
A portas fechadas, dividi com ele minha paixão por erradicar a pobreza extrema. Eu disse: "Ministro, a Austrália tem essa oportunidade única de ajudar a atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Nós podemos fazer isso". Ele hesitou, olhou para mim de cima embaixo, com olhos frios e desdenhosos, e disse: "Hugh, que se exploda a ajuda internacional". Só que ele não disse "exploda". Não foi só isso. Ele disse que precisávamos cuidar primeiro de nosso quintal.
Acredito que isso é um pensamento antiquado e até perigoso. Ou, como diria meu falecido avô, uma verdadeira balela. O bairrismo nos dá uma falsa dicotomia, porque coloca os pobres de um país contra os de outro país. Finge que podemos isolar a nós, e nossos países, uns dos outros. O mundo todo é o nosso quintal e desconsiderar isso é uma temeridade. Veja o que aconteceu quando ignoramos Ruanda, quando ignoramos a Síria, quando ignoramos as mudanças climáticas. Políticos não deveriam querer que "se exploda" porque o impacto das mudanças climáticas e da pobreza extrema bate à nossa porta.
Cidadãos globais compreendem isso. Vivemos numa época que favorece o cidadão global, numa era em que toda voz pode ser ouvida. Lembram-se de quando os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio foram assinados em 2000? O máximo que podíamos fazer era enviar uma carta e esperar pela próxima eleição. Não tínhamos mídias sociais. Hoje, bilhões de cidadãos têm mais ferramentas, mais acesso à informação, mais capacidade para influenciar do que nunca. Ambos os problemas e as ferramentas para solucioná-los estão na nossa frente. O mundo mudou e aqueles que olham para além de nossas fronteiras estão no lado certo da história.
Então onde nós estamos? Temos esse festival incrível, temos algumas vitórias políticas grandes, e cidadãos se registrando em todo o mundo. Conseguimos realizar nossa missão? Não. Ainda temos muito pela frente.
Mas essa é a oportunidade que vejo. O conceito de cidadão global, evidente na sua lógica, mas até agora impraticável de várias formas, coincidiu com esse momento específico em que temos o privilégio de viver. Nós, enquanto cidadãos globais, temos a oportunidade única de acelerar mudanças positivas de grande escala ao redor do mundo. Então nos próximos meses e anos, cidadãos globais vão responsabilizar líderes mundiais para que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável sejam seguidos e implementados. Cidadãos globais vão se juntar às maiores ONGs globais para erradicar doenças como pólio e malária. Cidadãos globais vão se registrar, em todos os cantos do mundo, e aumentar a frequência, a qualidade e o impacto de suas ações. Esses sonhos são possíveis. Imaginem um exército de milhões, transformando-se em dezenas de milhões, conectados, informados, engajados e que não aceitarão "não" como resposta.
Ao longo dos anos, tentei entrar em contato com Sonny Boy. Infelizmente, não consegui. Nos conhecemos muito antes das mídias sociais e o seu endereço foi removido pelas autoridades, como acontece frequentemente com favelas. Adoraria encontrar com ele, onde quer que esteja, e falar como o tempo que fiquei na Montanha Fumegante me inspirou. Graças a ele e muitos outros, compreendi a importância de fazer parte de um movimento de pessoas, jovens dispostos a tirar o olhos da tela e voltarem-se para o mundo, os cidadãos globais. Cidadãos globais que resistem juntos, que se perguntam "por quê"?, que rejeitam os pessimistas, que abraçam as possibilidades incríveis do mundo que compartilhamos.
Eu sou um cidadão global.
E você?
Obrigado.
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