Segurança e liberdade. O direito fundamental de buscar o exílio
Melanie Nezer, advogada de direitos dos refugiados e de imigrantes, compartilha uma perspectiva histórica urgentemente necessária sobre a crise na fronteira sul dos EUA, mostrando como os cidadãos podem responsabilizar seus governos pela proteção dos vulneráveis. “Um país mostra poder através da compaixão e do pragmatismo, não pela força e pelo medo”, diz ela.
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Tradução: Maricene Crus. Revisão: Carolina Ragazzi de Aguirre
Vídeo: TED Ideas Worth Spreading
Melanie Nezer é uma líder norte-americana no âmbito dos movimentos nacionais que se esforça para informar e educar pessoas, instituições, autoridades do governo e cidadãos em geral a respeito dos refugiados e daqueles que buscam asilo no país. Ela é vice presidente da HIAS, a agência da comunidade judaica norte-americana para refugiados provenientes de todas as partes do mundo. Fundada em 1881, a HIAS é a agência para refugiados mais antiga do mundo e, desde a sua criação tem ajudado um número incontável de refugiados a encontrar segurança e liberdade.
Vídeo: Palestra de Melanie Nezer no TED:
Tradução integral da palestra de Melanie Nezer no TED:
No verão passado, recebi um telefonema de uma mulher chamada Ellie. Ela tinha ouvido falar sobre a separação de famílias na fronteira sul e queria saber como poderia ajudar. Ela me contou a história do seu avô e do irmão dele. Quando eles eram crianças na Polônia, o pai deles, temendo pela segurança do filho, deu a eles algum dinheiro e disse pra seguirem pro Oeste, que continuassem caminhando pela Europa Ocidental. E foi o que fizeram. Seguiram por toda a Europa rumo ao Ocidente, pegaram um navio e chegaram aos Estados Unidos. Ellie disse que quando ouviu as histórias dos adolescentes atravessando o México, tudo que ela conseguia pensar era em seu avô e no irmão dele. Ela disse que, para ela, as histórias eram exatamente as mesmas.
Aqueles eram os irmãos Hassenfeld, os “Has” “bros”, a empresa de brinquedos Hasbro, a qual, é claro, nos trouxe, entre tantos outros personagens, o Sr. Cabeça de Batata.
Não é por isso que estou contando essa história a vocês, mas porque ela me fez pensar se eu teria a fé e a coragem para enviar meus filhos adolescentes, e eu tenho três deles, numa jornada como essa. Sabendo que eles não estariam seguros onde estávamos, eu conseguiria vê-los partir?
Iniciei minha carreira décadas atrás na fronteira sul dos EUA, trabalhando com pedidos de asilo vindos da América Central. E nos últimos 16 anos, trabalho na HIAS, a organização judaica que luta pelos direitos dos refugiados no mundo todo, como advogada e defensora. E aprendi que, às vezes, coisas que dizem nos tornar mais seguros e mais fortes, na verdade não nos tornam.De fato, algumas dessas políticas têm resultados opostos aos pretendidos e acabam causando um sofrimento tremendo e desnecessário.
Então, por que as pessoas têm vindo para nossa fronteira sul? A maioria dos imigrantes e refugiados que chegam à nossa fronteira sul está fugindo de três países: Guatemala, Honduras e El Salvador, países consistentemente classificados entre os mais violentos do mundo. É muito difícil sentir-se seguro nesses países, que dirá construir um futuro para você e sua família. E violência contra mulheres e meninas é difundida. As pessoas vêm fugindo da América Central há gerações. Gerações de refugiados têm chegado às nossas costas, fugindo das guerras civis dos anos 1980, nas quais os Estados Unidos tiveram um profundo envolvimento. Isso não é novidade. A novidade é que recentemente tem havido um aumento nas famílias, crianças e famílias, aparecendo nos pontos de controle fronteiriços na busca de asilo.
Temos visto isso nos noticiários ultimamente, então quero que se lembrem de alguns fatos enquanto veem essas imagens. Um: esse não é um nível de interceptações historicamente alto na fronteira sul, e, de fato, as pessoas têm se apresentado em pontos de controle fronteiriço. Dois: as pessoas aparecem ali com nada além da roupa do corpo; algumas calçando chinelos. E três: somos o país mais poderoso do mundo. Não é hora de entrarmos em pânico. Fica fácil a partir da segurança do país de destino pensar em termos absolutos: É legal ou é ilegal? Mas pessoas que enfrentam essas questões e tomam as decisões sobre a família delas têm questões muito diferentes: “Como mantenho minha filha segura?” “Como protejo meu filho?” E se você quiser termos absolutos, é absolutamente legal buscar asilo. É um direito fundamental em nossas próprias leis e nas leis internacionais. E, na verdade, isso é proveniente da Convenção sobre Refugiados de 1951, que foi a resposta do mundo ao Holocausto e um modo de os países dizerem que nunca mais mandariam de volta pessoas a países onde elas seriam prejudicadas ou mortas.
Refugiados chegam a este país de várias maneiras. Uma é através do Programa de Admissão de Refugiados nos EUA, com o qual os EUA identificam e selecionam refugiados no exterior e os trazem para cá. No ano passado, os EUA reassentaram menos refugiados do que em qualquer momento desde o início do programa em 1980. E este ano, provavelmente serão menos. E isso num momento em que temos mais refugiados no mundo que em qualquer outro momento registrado na História, mesmo desde a Segunda Guerra Mundial.
Outra maneira para refugiados virem para cá é buscando asilo. Solicitantes de asilo são pessoas que se apresentam numa fronteira e dizem que serão perseguidas se forem enviadas de volta pra casa. É simplesmente alguém que está passando pelo processo nos EUA para provar que se enquadra na definição de refugiado. E nunca foi tão difícil buscar asilo. Os guardas dizem às pessoas quando elas chegam aos pontos de controle que o país está cheio e que elas não podem se candidatar. Isso é sem precedentes e ilegal. Sob um novo programa, com um tipo de título orwelliano “Protocolos de Proteção aos Migrantes” os refugiados são informados que devem esperar no México enquanto o caso deles segue o processo nos tribunais norte-americanos, e isso pode levar meses ou anos. Enquanto isso, eles não estão seguros e não têm acesso a advogados.
Nosso país, nosso governo, já deteve mais de 3 mil crianças, separando-as dos braços de seus pais, como intimidação para evitar pedidos de asilo. Muitas eram crianças pequenas, e pelo menos uma era uma menina cega de seis anos. E isso ainda está acontecendo. Gastamos bilhões com o que se pode chamar de prisões para deter pessoas que não cometeram crime algum. A separação familiar tornou-se a marca do nosso sistema de imigração. Isso está longe de ser uma cidade linda, numa colina ou um farol de esperança ou qualquer outra coisa que gostamos de dizer sobre nós e nossos valores.
A migração sempre esteve conosco e sempre estará. As pessoas estão fugindo da guerra, da perseguição, da violência, das mudanças climáticas, e agora podem ver no celular delas como é a vida em outros lugares, e essas pressões estão apenas aumentando. Mas existem maneiras de ter políticas que refletem nossos valores e, na verdade, faz sentido, considerando-se a realidade mundial.
Primeiramente, precisamos reduzir a retórica tóxica que tem sido a base do nosso debate nacional sobre esta questão há muito tempo.
Eu não sou imigrante ou refugiada, mas me sinto atacada pessoalmente, porque meus avós eram. Minha bisavó Rose não viu seus filhos por sete anos, enquanto ela tentava trazê-los da Polônia para Nova York. Ela deixou meu avô quando ele tinha 7 anos e só o viu novamente quando ele tinha 14. Do outro lado da minha família minha avó Aliza deixou a Polônia na década de 1930 e procurou o que era então chamado de Mandato Britânico da Palestina, e nunca viu os familiares e amigos dela novamente. Cooperação global como resposta à migração global e ao deslocamento percorria um longo caminho para fazer da migração algo que não era uma crise mas algo que acontece, e com a qual lidamos como uma comunidade global. A ajuda humanitária também é crítica. O suporte que fornecemos a países da América Central que enviam refugiados e migrantes é uma pequena fração daquilo que gastamos com fiscalização e detenção. E nós podemos certamente ter um sistema de asilo que funcione. Por uma pequena fração do custo de um muro, poderíamos contratar mais juízes, garantir que os solicitantes de asilo tenham advogados e poderíamos nos comprometer com um sistema de asilo humanitário.
E poderíamos reassentar mais refugiados. Para lhes dar uma ideia do declínio no programa de apoio aos refugiados: há três anos, os EUA reassentaram 15 mil refugiados sírios em resposta a maior crise de refugiados do mundo. Um ano depois, esse número era de 3 mil. E no ano passado, foram 62 pessoas. Sessenta e duas pessoas.
Apesar da dura retórica e dos esforços para bloquear a imigração e manter os refugiados fora do país, o apoio a refugiados e imigrantes neste país, de acordo com pesquisas, nunca foi tão grande. Organizações como a HIAS, onde trabalho, e outras organizações humanitárias e baseadas na fé, facilitam para que tomemos uma posição quando há uma lei à qual vale a pena se opor, uma que merece apoio ou uma política que precisa ser supervisionada. Se você tem um telefone, pode fazer algo, e se quiser fazer mais, você pode. Se você vir um desses centros de detenção ao longo da fronteira com crianças neles, que são prisões, na verdade, você jamais será o mesmo.
O que gostei muito sobre a minha conversa telefônica com Ellie foi que ela sabia em seu âmago que as histórias dos avós dela não eram diferentes das histórias atuais, e ela queria fazer algo a respeito.
Se eu puder deixar vocês com uma coisa, além da história de fundo do Sr. Cabeça de Batata, que é, claro, uma boa história pra deixar, é que um país mostra força através da compaixão e do pragmatismo, não através da força e do medo.
Essas histórias dos Hassenfelds, dos meus familiares e dos de vocês ainda estão acontecendo hoje; e elas são todas iguais. Um país é forte não quando diz ao refugiado: “Vá embora”, mas quando diz: “Tudo bem, cuidaremos de você. Está seguro aqui”.
Obrigada.
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