Se a moda pega... Na Itália, 4 novos senadores vitalícios. Nenhum deles é político
Giorgio Napolitano, presidente da República Italiana, deu uma bofetada – embora com luva de pelica – em toda a classe política do seu país: os quatro novos senadores vitalícios que acaba de nomear são todos avessos à vida política
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Por: Luis Pellegrini, de Paris
Um Nobel para a física, um diretor de orquestra, um arquiteto, uma cientista especializada em células-tronco. Todos os quatro de merecida fama mundial. Para dar brilho às instituições nacionais, Giorgio Napolitano, o presidente da República Italiana, não escolheu nem um único político para torná-lo senador vitalício. Agiu como se o único antídoto possível ao sentimento de depressão que no momento a Itália tem de si própria seja o de mudar radicalmente a perspectiva.
Os quatro novos senadores italianos com mandato perpétuo são: Claudio Abbado, diretor de orquestra; o arquiteto Renzo Piano; os cientistas Elena Cattaneo e Carlo Rubbia. "Minhas escolhas caíram sobre personalidades representativas do mundo da cultura e da ciência. Sinto-me aliviado, como quando se cumpre um dever", disse Napolitano.
Note-se que, do alto dos seus 88 anos, Giorgio Napolitano não é um político qualquer: é quase uma unanimidade nacional e internacional, considerado por muitos o último grande estadista europeu ainda em atividade. Uma estrela solitária num firmamento constelado quase sempre de mediocridades de direita, de centro e de esquerda. Longe, muito longe de ser anódino, seu ato reveste-se de importante significado político: levar ao parlamento, reduto histórico de políticos profissionais, as "mais elevadas intelectualidades" do país. As melhores cabeças pensantes, os maiores talentos, os grandes idealistas, os que realmente, cada um em seu domínio de especialidade, se entregam ao bem público.
Claro, as reações iradas de amplos setores da classe política, deixada fora do jogo por Napolitano, não tardaram. "A nomeação de quatro novos senadores vitalícios é um pé-na-bunda dos italianos que fazem sacrifícios", disse Matteo Salvini, com a costumeira deselegância de verbo que caracteriza o seu partido, a Lega Norte. A sua é posição comum a quase todos os políticos italianos de direita e de centro-direita. O pessoal da esquerda, por seu lado, apoia a decisão do presidente da República: "A escolha de Napolitano é uma mensagem muito forte, de esperança para o país", opina Enrico Letta, atual primeiro-ministro, político de centro-esquerda.
Os 4 novos senadores vitalícios da Itália
Claudio Abbado – Nasceu em 1953, diplomado pelo Conservatório de Milão. Responsável pela direção musical de algumas das mais prestigiosas instituições musicais do mundo, entre elas o Teatro alla Scala de Milão, e a Filarmônica de Berlim.
Elena Cattaneo – Nasceu em 1962. Depois de formada em farmacologia, se especializou no Massachusetts Institute of Technology. Distinguiu-se no âmbito acadêmico por causa dos seus importantes estudos sobre as doenças neurodegenerativas e as células-tronco.
Renzo Piano – Aos 76 anos, Renzo Piano é o mais importante e conhecido arquiteto italiano contemporâneo. Entre suas maiores realizações figura o Centro Cultural Georges Pompidou, de Paris. Foram-lhe atribuídos os mais importantes reconhecimentos mundiais no setor da arquitetura, como o Prêmio Pritzker em 1998.
Elena Cattaneo – Nasceu em 1962. Depois de formada em farmacologia, se especializou no Massachusetts Institute of Technology. Distinguiu-se no âmbito acadêmico por causa dos seus importantes estudos sobre as doenças neurodegenerativas e as células-tronco.
Carlo Rubbia – nascido em 1934, Carlo Rubbia foi diretor geral do CERN de Genebra de 1989 a 1993. Em 1984 ganhou o prêmio Nobel para a física, junto com Simon Van Der Meer, pela descoberta das partículas subatômicas responsáveis pelas interações fracas.
A decisão de Napolitano rendeu de imediato ibope favorável na Itália. As primeiras pesquisas mostram que a maioria do eleitorado vê com bons olhos a presença no parlamento de um maior número de nomes realmente representativos da ciência, da cultura e das artes. Na França, os comentários dos jornalistas também são abertamente favoráveis. "E se a moda pega?" perguntam alguns.
Em artigo recém publicado no jornal italiano La Repubblica, o comentarista Michele Serra – um dos melhores articulistas do país - procura por os pingos nos iis a respeito dos significados e da importância dessa última decisão de Giorgio Napolitano:
A BELLA ITÁLIA QUE TODOS DESEJAMOS
Por: Michele Serra, do La Repubblica
Dar as costas aos palácios do poder e buscar o valor nas aventuras individuais de italianos operosos e de excelência. Artistas e cientistas muitas vezes compreendidos e admirados primeiro no exterior e só depois na pátria.
Para além dos nomes dos quatro senadores vitalícios (cujo calibre é, sem dúvida, cem vezes maior do de muitos expoentes políticos que comentam as nomeações), o que causa impacto na escolha de Napolitano é esse compacto e decidido "dirigir-se para um outro lado", para uma Itália cosmopolita e menos provinciana, que viveu, trabalhou, conquistou fama e sucesso a uma distância sideral das miseráveis rixas e disputas políticas que paralisam a vida nacional. Miseráveis rixas e disputas que, cem metros para além das nossas fronteiras, parecem insignificantes, penosos detalhes em relação à pulsação do mundo. Um mundo que sabe talvez o que acontece em Paris, Londres ou Tóquio, menos aquilo que acontece em Roma, sobretudo quando aquilo que acontece em Roma é tão pouco inteligível. A desproporção entre a fama e o peso cultural dos novos senadores e a média da representação parlamentar (também ela "nomeada", graças ao nosso sistema eleitoral, porém com quanto mérito a menos!) assume, indiretamente, quase o significado de uma denúncia. A denúncia da terrível crise da política, do travamento patológico dos mecanismos de seleção da classe dirigente através da via mais direta, que é, ou deveria ser, a via eleitoral.
Muitos dos comentários políticos destes dias remetem, infelizmente, a essa mediocridade. São quase inacreditáveis, na estreiteza do seu raciocínio rancoroso, as palavras do senador Alberto Airola, do partido 5 Estrelas, muito irritado porque os quatro recém nomeados senadores vitalícios "serão assalariados durante toda a vida sem nunca terem sido eleitos por ninguém, apenas para serem lacaios dos grandes acordos". Como se Renzo Piano e Claudio Abbado tivessem necessidade, para viver, de um salário público; e como se o trajeto que conduziu à eleição a quase totalidade dos grillini (membros do partido 5 Estrelas, de Beppe Grillo. N.R.), com frequência constituído de algumas poucas dezenas de votos clicados num site web bem controlado e filtrado, tivesse qualquer significado perceptível de democracia direta. Os cincoestrelados irão talvez exigir a nota fiscal do capuccino também a Renzo Piano, que além disso é bom amigo de Beppe Grillo...
Estendamos uma mortalha piedosa sobre as declarações da senhora Santanché (Daniela Santanché, deputada italiana de direita, aliada de Sílvio Berlusconi. N.R.), "O único que merecia ser nomeado senador vitalício é Berlusconi!": trata-se apenas de uma piada de mau gosto. Mas é impossível permanecer calado quando se ouve a conversa fiada mesquinha daquele político beco-sem-saída que foi capaz de ler naquelas quatro nomeações (e naqueles quatro perfis italianos) a tentativa de criação de "lacaios dos grandes acordos".
Seria necessário e urgente explicar aos vários parlamentares habituados à pequena cabotagem tática, e alguns deles infelizmente também habituados ao leilão do próprio voto, que existe um mundo normal. Um mundo onde os seus discursos, as suas suspeitas, os seus cálculos parecem apenas barro de lodaçal, sem nenhum valor ou significado. Imaginar um Rubbia ou uma Cattaneo que tramam a favor ou contra o governo Letta (ou a favor ou contra quem quer que seja) equivale a ter perdido o sentido de valor das coisas, a medida da realidade.
Claro, como já aconteceu no passado, é perceptível, nos perfis dos novos senadores vitalícios, especialmente Abbado e Piano, alguma "tintura de esquerda". Mas isso remete a uma antiga e penosa questão, que é a grande dificuldade encontrada pela direita, genericamente entendida como tal, para produzir os seus intelectuais, os seus artistas, os seus personagens ilustres. À espera de ouvir a costumeira lenga-lenga contra os "comunistas" Abbado e Piano, ou as venenosas insolências que golpearam uma gigante como Rita Montancini (outra importante cientista italiana, já falecida, prêmio Nobel e também elevada à condição de senadora vitalícia) é mais sério e profícuo registrar a enorme dificuldade que qualquer presidente italiano teria para descobrir e nomear senadores vitalícios abertamente de direita. Não é esse o espírito com o qual se procede a essas nomeações, mas pode-se compreender que um pouco de par condicio, de tratamento igualitário a mais, poderia tornar ainda mais límpida, ainda mais compartilhada a investidura dos senadores vitalícios. A piada da senhora Santanché nos faz compreender o quanto falta, em nosso país, uma direita de alto nível.
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