Vídeo: TED Ideas Worth Spreading
Tradução: Gustavo Rocha. Revisão: Maricene Crus
Quando Andrés Ruzo era um garoto no Peru, seu avô lhe contou uma história que continha um detalhe muito instigante: Existe um rio, no coração da selva amazônica peruana, que ferve como se tivesse uma fogueira queimando embaixo dele. Doze anos mais tarde, depois de formado em geociências, Andrés partiu para uma viagem às profundezas da selva em busca desse rio fervente. Em um tempo como o nosso, quando tudo na superfície da Terra parece mapeado e medido, Acompanhar Ruzo em sua viagem de aventura para encontrar esse rio é coisa que nos força a questionar a respeito das fronteiras entre o conhecido e o desconhecido. Nos lembrando também que, sobre nosso planeta, ainda existem grandes maravilhas a serem descobertas.
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Tradução integral da palestra de Andrés Ruzo no TED:
Quando eu era menino, em Lima, meu avô me contou uma lenda da conquista espanhola do Peru. Atahualpa, imperador dos Incas, tinha sido capturado e morto. Pizarro e seus conquistadores ficaram ricos, e histórias de suas conquistas e glória chegaram à Espanha e traziam novas levas de espanhóis, sedentos por ouro e glória. Eles iam até as aldeias e perguntavam aos Incas “Onde tem outra civilização que podemos conquistar? Onde tem mais ouro?” E os Incas, por vingança, lhes disseram: “Vão à Amazônia. Vão encontrar todo o ouro que querem. De fato, há uma cidade chamada Paititi, ‘El Dorado’, em espanhol, feita totalmente de ouro”.
Os espanhóis partiram para a selva, mas os poucos que retornavam, voltavam com histórias. Histórias de xamãs poderosos, de guerreiros com flechas envenenadas, de árvores tão altas que tapavam o sol, aranhas que devoravam pássaros, serpentes que engoliam homens inteiros e um rio que fervia.
Tudo isso se tornou uma memória de infância. E anos se passaram. Estava trabalhando no meu PhD na SMU, tentando entender o potencial de energia geotérmica do Peru, quando me lembrei dessa lenda, e comecei a pensar naquela questão. Será que o rio fervente existe?
Perguntei aos colegas de universidades, ao governo, empresas de petróleo, gás e mineração, e a resposta foi um “não” unânime. E faz sentido. Vejam, rios ferventes realmente existem no mundo, mas geralmente estão associados a vulcões. Você precisa de uma fonte de calor poderosa para produzir uma manifestação geotérmica tão grande. E como podem ver nos pontos vermelhos aqui, onde estão os vulcões, não há vulcões na Amazônia, nem na maior parte do Peru. Conclusão: não deveríamos esperar ver um rio fervente.
Contando essa mesma história num jantar de família, minha tia me diz: “Mas não, Andrés, eu estive lá. Eu já nadei nesse rio”.
E meu tio entra na conversa. “Não, Andrés, não é brincadeira. Veja, só dá para nadar nele depois de uma chuva bem forte, e protegido por um xamã poderoso. Sua tia é amiga da esposa dele.”
“Como?”
Sabem, apesar de todo meu ceticismo científico, eu me encontrei numa trilha pela selva, guiado pela minha tia, a mais de 700 quilômetros do centro vulcânico mais próximo, e bem, honestamente, me preparando mentalmente para observar a lendária “corrente aquecida da Amazônia”.
Foi aí… que escutei algo, um barulho de água que ficava cada vez mais alto à medida que nos aproximávamos. Parecia ondas do mar quebrando constantemente, e à medida que nos aproximávamos, eu via fumaça, vapor, subindo entre as árvores. E então, eu vi isto.
Imediatamente peguei meu termômetro, e a temperatura média no rio era de 86 graus centígrados. Não são exatamente os 100 graus centígrados ferventes, mas definitivamente próximo o bastante. O rio corria quente e rápido. Eu o acompanhei corrente acima, guiado pelo aprendiz do xamã até o lugar mais sagrado no rio. E isso é que é bizarro: ele começa como uma corrente fria, e aqui, nesse local, é o lar de Yacumama, mãe das águas, um espírito serpente gigante que traz água quente e fria. E aqui encontramos uma fonte termal, se misturando com água de corrente fria sob suas protetoras mandíbulas maternas e assim trazendo suas lendas à vida.
Na manhã seguinte, eu acordei e… e pedi um chá. Me deram uma caneca, uma sachê de chá e, bem, me indicaram o rio. Para minha surpresa, a água era limpa e tinha um gosto agradável, o que é um pouco estranho para sistemas geotérmicos.
O incrível é que os moradores sempre souberam desse lugar, e de maneira nenhuma eu era o primeiro forasteiro a vê-lo. Era simplesmente parte do dia a dia deles. Eles bebem sua água. Eles aproveitam o seu vapor. Eles cozinham com ele, limpam com ele, até fazem seus medicamentos com ele.
Eu conheci o xamã, e ele parecia uma extensão do rio e da selva. Ele perguntou sobre minhas intenções e escutou com atenção. Então, para meu enorme alívio, eu estava ficando doido, honestamente, um sorriso começou a se formar em seu rosto e ele deu uma risada.
Eu havia recebido a benção do xamã para estudar o rio, com a condição de que depois de levar as amostras de água e analisá-las no laboratório, onde quer que eu estivesse no mundo, eu jogasse as águas de volta ao solo para que, como dizia o xamã, as águas pudessem retornar para casa.
Eu voltei todos os anos desde a primeira visita em 2011, e o trabalho de campo sempre foi emocionante, exigente e, às vezes, perigoso. Uma história até apareceu na revista National Geographic. Eu estava preso numa pequena rocha de cerca do tamanho de uma folha de papel, de chinelos e bermuda, no meio de um rio de 80 graus C, e uma fonte termal que, bem, estava a um triz de ferver. E além do mais, era a floresta tropical Amazônica. Caiu uma chuva torrencial, não conseguia ver nada. O diferencial de temperatura deixava tudo branco. Era uma névoa cerrada. Intensa.
Agora, depois de anos de trabalho, em breve vou enviar meus estudos geofísicos e geotérmicos para publicação. E eu gostaria de compartilhar hoje com todos vocês, no palco do TED, pela primeira vez, algumas dessas descobertas.
Bem, primeiro, não é uma lenda. Surpresa!
Quando eu comecei a pesquisa, as imagens do satélite tinham resolução muito ruim para serem significativas. Não existiam bons mapas. Graças ao suporte da equipe do Google Earth, hoje eu tenho isto. Não só isso, o nome indígena do rio, Shanay-timpishka, “fervido com o calor do sol”, indicando que eu não sou o primeiro a me perguntar por que o rio ferve, e mostrando que a humanidade sempre buscou explicar o mundo ao nosso redor.
Então por que o rio ferve?
Eu demorei três anos para conseguir essa gravação.
Fontes termais de falhas geológicas. Como nós temos sangue quente correndo em nossas veias e artérias, a terra também tem água quente correndo através de suas fendas e falhas. Onde essas artérias vêm à superfície, essas artérias da terra, nós temos manifestações geotérmicas: fumarolas, fontes termais e, em nosso caso, o rio fervente.
Porém, a coisa realmente incrível, é o tamanho desse lugar. Da próxima vez que atravessarem a rua, pensem nisso. O rio é mais largo do que uma estrada de duas pistas na maioria de seu trajeto. Ele corre quente por 6,24 quilômetros. Bem impressionante. Há piscinas termais maiores do que esse palco do TED, e aquela cascata que vocês veem ali tem seis metros de altura… E tudo com água ao ponto de ferver.
Nós mapeamos as temperaturas ao longo do rio, e essa foi de longe a parte mais exigente do trabalho de campo. E os resultados foram incríveis. Desculpem, o geocientista em mim está aflorando. E mostrou uma impressionante tendência. Vejam, o rio começa frio. Ele então esquenta, esfria de novo, esquenta, esfria de novo, esquenta mais uma vez, e logo tem uma bela curva de declínio até que ele deságua nesse rio frio.
Bem, eu sei que nem todos vocês são cientistas geotérmicos, então, colocando em termos mais cotidianos: todos gostam de café. Certo? Ótimo. A sua xícara de café comum, 54 graus C, uma extra quente, bem, 60. Então, em termos de cafeteria, o rio fervente ficaria assim. Aí você tem seu café quente. Aqui está o seu café extra quente, e vocês podem ver que há um pequeno ponto ali no qual o rio é até mais quente do que o café extra quente. e essas são as temperaturas médias da água. São medidas na estação seca para garantir as temperaturas puramente geotérmicas.
Mas há um número mágico aqui que não está aparecendo, e esse número é 47 graus C, porque é aí que as coisas começam a doer, e eu sei bem por experiência própria. Acima dessa temperatura, você não ia querer entrar na água. Você tem que ter cuidado. Pode ser fatal.
Vi vários tipos de animais caírem no rio, e a coisa chocante, é que o processo é basicamente igual. Eles caem e a primeira coisa que vai são os olhos. Olhos, aparentemente, cozinham rápido. Eles ficam com uma cor branca leitosa. A corrente os leva. Eles tentam nadar para fora, mas sua carne vai cozinhando até o osso com o calor. E eles vão perdendo força, até que chega a um ponto em que a água quente entra pela boca e eles cozinham de dentro para fora.
Um pouco sádico, né? Credo. Deixe marinar um pouco mais. O que é incrível, de novo, são as temperaturas. São similares ao que eu vejo em vulcões no mundo todo e até mesmo supervulcões como Yellowstone.
Mas é aí que está: os dados mostram que o rio fervente existe independente de vulcanismo. Não é nem magmático ou de origem vulcânica, e novamente, está a mais de 700 km do centro vulcânico mais próximo.
Como um rio fervente pode existir assim? Eu pergunto a especialistas geotérmicos e vulcanólogos há anos, e ainda não consigo encontrar outro sistema geotérmico não-vulcânico com essa magnitude. É único. É especial em escala global. Mas então… como ele funciona? Onde conseguimos esse calor?Ainda há mais para ser pesquisado para melhor definir o problema e melhor entender o sistema, mas pelo que vemos nos dados agora, parece ser o resultado de um grande sistema hidrotérmico.
Basicamente, funciona assim: quanto mais fundo na terra, mais quente fica. Nós chamamos isso de gradiente geotérmico. As águas poderiam estar vindo até mesmo de geleiras nos Andes e infiltrando-se na terra e saindo para formar o rio fervente depois de serem aquecidas pelo gradiente geotérmico, tudo graças a esse cenário geológico único.
E nós descobrimos que no rio e ao redor dele, e isso foi trabalhando com colegas da National Geographic, Dr. Spencer Wells, e Dr. Jon Eisen, da UC Davis, nós sequenciamos geneticamente os seres vivos extremófilos vivendo no rio e ao redor dele, e descobrimos novos seres, espécies únicas vivendo no rio fervente.
Mas também, apesar de todos esses estudos, todas essas descobertas e lendas, ainda fica uma pergunta: Qual é a importância do rio fervente? Qual é a importância dessa nuvem estacionária que está sempre flutuando sobre esse trecho de selva? E qual é a importância de um detalhe numa lenda de infância?
Para o xamã e sua comunidade, é um local sagrado. Para mim, como geocientista, é um fenômeno geotérmico único. Mas para os madeireiros ilegais a criadores de gado, é só mais um recurso para explorar. E para o governo peruano, é só mais uma extensão de terra desprotegida pronta para o desenvolvimento.
Meu objetivo é garantir que quem for controlar essa terra entenda a singularidade e importância do rio fervente. Porque essa é a questão, uma questão de importância. E a coisa é, nós definimos importância. Somos nós. Nós temos o poder. Somos nós que definimos o limite entre o sagrado e o trivial. E nessa era, na qual tudo parece já mapeado, medido e estudado, nessa era da informação, eu lembro a vocês que as descobertas não são feitas somente no vácuo escuro do desconhecido, mas no ruído branco da enorme quantidade de dados.
Ainda há muito para explorar. Nós vivemos num mundo incrível. Então saiam. Sejam curiosos. Porque nós vivemos num mundo onde xamãs ainda cantam para os espíritos da selva, onde rios fervem e lendas ganham vida.
Muito obrigado.
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