Retorno à vida selvagem

Em uma ousada experiência de pensamento, o jornalista britânico George Monbiot imagina um mundo mais selvagem onde os seres humanos trabalham para restaurar as cadeias alimentares complexas perdidas que um dia estavam ao nosso redor

Em uma ousada experiência de pensamento, o jornalista britânico George Monbiot imagina um mundo mais selvagem onde os seres humanos trabalham para restaurar as cadeias alimentares complexas perdidas que um dia estavam ao nosso redor
Em uma ousada experiência de pensamento, o jornalista britânico George Monbiot imagina um mundo mais selvagem onde os seres humanos trabalham para restaurar as cadeias alimentares complexas perdidas que um dia estavam ao nosso redor (Foto: Gisele Federicce)


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Vídeo: TED – Ideas Worth Spreading

Tradução: Gustavo Rocha. Revisão: Jayme Santangelo

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Um dia os lobos foram nativos do Parque Nacional Yellowstone, nos Estados Unidos, até que a caça acabou com eles. Ignorantes do papel crucial que esses animais representavam na cadeia alimentar do ecossistema local, caçadores decidiram dizimar todas as matilhas. O argumento era que os lobos, para viver, matavam e comiam os mesmos animais que os humanos caçavam. Eram concorrentes. Mas em 1995, quando os lobos começaram a voltar (graças a um severo programa de repovoamento levado a cabo pela administração do parque), algo interessante aconteceu: o resto daquela reserva natural começou a encontrar um novo equilíbrio, ainda mais pujante e cheio de saúde. Em uma ousada experiência de pensamento, George Monbiot imagina um mundo mais selvagem onde seres humanos trabalham para restaurar as cadeias alimentares complexas perdidas que um dia estavam ao nosso redor.

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No verão de 2013, o britânico George Monbiot, jornalista e ativista da proteção ao mundo natural, publicou Feral: Rewilding the Land, the Sea and Human Life . Em parte diário pessoal, em parte ensaio de ciências naturais e vida selvagem, o livro conhece um vivo sucesso e se transformou em importante apoio para o engajamento de George Monbiot para a proteção da natureza. No livro – e também na conferência que reproduzimos abaixo – ele mostra como, ao restaurar o caráter selvagem de ecossistemas danificados, tanto terrestres quanto aquáticos, podemos trazer de novo aos n ossos olhos o maravilhoso espetáculo que é o da natureza encontrando e assumindo os seus próprios caminhos de sobrevivência e desenvolvimento.

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Após estudar zoologia em Oxford, Monbiot trabalhou para a BBC no departamento de história natural, dirigindo programas ligados à ecologia e ao meio ambiente, pelos quais recebeu um prêmio Sony. Após deixar a BBC, Monbiot passou seis anos em países tropicais, Em Papua-Nova Guiné, na Indonésia e no Brasil. Em nosso país, ao investigar a invasão de terras por fazendeiros e posseiros, e o desmatamento das nossas florestas tropicais, foi preso, torturado e quase morto por membros da polícia militar. O programa de rádio que ele produziu a respeito do seu encontro com um policial torturador no Maranhão foi usado durante muitos anos pela BBC nos seus cursos de treinamento na área da saúde – como um exemplo daquilo que não deve ser feito.

Vídeo da conferência de George Monbiot ao TED:

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http://www.ted.com/talks/lang/pt-br/george_monbiot_for_more_wonder_rewild_the_world.html

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Tradução integral da conferência de George Monbiot:

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Quando eu era jovem, passei seis anos de uma aventura tropical selvagem trabalhando como jornalista investigativo em algumas das partes mais fascinantes do mundo. Eu era tão imprudente e insensato como só os jovens podem ser. É por isso que começam as guerras. Mas também me senti mais vivo do que nunca desde então. Quando voltei para casa, descobri que o âmbito da minha existência estava diminuindo gradualmente; até carregar a máquina de lavar louça parecia um desafio interessante. Eu me encontrei meio que arranhando as paredes da vida, como se estivesse tentando encontrar uma saída para um espaço maior além. Eu estava, acredito, ecologicamente entediado.

Agora, nós evoluímos para tempos mais desafiadores que esse, para um mundo de chifres e dentes e presas e garras. E ainda possuímos o medo e a coragem e a agressão necessária para viver nesses tempos. Mas em nossas terras superlotadas, seguras e confortáveis, temos poucas oportunidades de colocá-los em prática sem ferir outras pessoas. E foi esse o tipo de restrição contra a qual me vi lutando. Conquistar a incerteza,saber o que está por vir, isso tem sido quase o principal objetivo de sociedades industrializadas. Tendo chegado lá, acabamos de encontrar um novo conjunto de necessidades desconhecidas. Temos dado preferência à segurança contra a experiência e ganhamos muito ao fazer isso. Mas acho que perdemos algo também.

Agora, eu não romantizo os tempos revolucionários. Já passei do tempo de vida da maioria dos caçadores de tesouro, e o resultado de um combate mortal entre eu, um míope, esbarrando por aí, com uma lança com ponta de pedra, e um bisão gigante e enfurecido, não é tão difícil de prever. Nem era sua autenticidade que eu estava procurando. Não acho que seja um conceito útil ou mesmo compreensível. Eu só queria uma vida mais rica e mais rude do que a que eu tinha na Inglaterra, ou, de fato, a que vivemos na maior parte do mundo industrializado.

Foi só quando me deparei com uma expressão estranha que comecei a entender o que procurava. E assim que encontrei essa expressão, percebi que queria dedicar muito do resto da minha vida a ela.

A expressão é "retorno à vida selvagem", e mesmo que essa expressão seja recente, já tem várias definições. Mas há duas que particularmente me fascinam. A primeira é a restauração em massa de ecossistemas.

Uma das descobertas científicas mais animadoras dos últimos 500 anos foi a descoberta de cascatas tróficas generalizadas. Uma cascata trófica é um processo ecológico que começa no topo da cadeia alimentar e vai descendo até a base, e o exemplo clássico é o que aconteceu no Parque Nacional de Yellowstone nos Estados Unidos quando lobos foram recolocados nele em 1995. Bem, todos sabemos que lobos matam várias espécies de animais, mas talvez não saibamos tão bem que eles dão vida a muitas outras. Parece estranho, mas me acompanhem por um momento. Antes de os lobos aparecerem, eles estavam ausentes por 70 anos, a quantidade de cervos, porque não havia ninguém para caçá-los, só aumentou e aumentou no Parque Yellowstone, e apesar dos esforços humanos para controlá-los, eles conseguiram reduzir bastante a vegetação lá até não sobrar quase nada, eles pastaram tudo. Mas assim que os lobos chegaram, mesmo estando em menor número, eles começaram a causar os efeitos mais notáveis. Primeiro, claro, eles mataram alguns dos cervos, mas isso não foi o principal. Muito mais significativamente, eles radicalmente mudaram o comportamento dos cervos.

Os cervos começaram a evitar certas partes do parque, os lugares onde poderiam ser pegos mais facilmente, particularmente os vales e os desfiladeiros, e imediatamente esses lugares começaram a se regenerar. Em algumas áreas a altura das árvores aumentou em cinco vezes em somente seis anos. Encostas desmatadas de vales rapidamente se tornaram florestas de faias e salgueiros e choupos. E assim que isso aconteceu, as aves começaram a chegar. O número de aves canoras, aves migratórias, começou a aumentar grandemente. O número de castores começou a aumentar, porque castores gostam de se alimentar das árvores. E castores, como os lobos, são engenheiros de ecossistema. Eles criam nichos para outras espécies. E os diques que construíram nos rios serviram de habitat para lontras e ratos-almiscarados e patos e peixes e répteis e anfíbios. Os lobos mataram coiotes, e como um resultado disso, o número de coelhos e ratos começou a crescer, o que significou mais falcões, mais doninhas, mais raposas, mais texugos. Corvos e águias americanas desciam para se alimentar da carniça que os lobos deixavam. Ursos se alimentavam dela também, e sua população começou a aumentar, parcialmente também porque havia mais frutas silvestres crescendo nos arbustos regenerados, e os ursos reforçaram o impacto dos lobos matando alguns dos filhotes dos cervos.

Mas é aqui que as coisas ficam realmente interessantes. Os lobos mudaram o comportamento dos rios. Eles começaram a serpentear menos. Havia menos erosão. Os canais se estreitaram. Mais lagoas formadas, mais seções de cascatas, tudo isso foi ótimo para os habitats selvagens. Os rios mudaram em resposta aos lobos, e a razão é que as florestas regeneradas estabilizaram as margens de maneira que elas sucumbiam menos, assim os rios ficavam mais fixados no percurso. De maneira semelhante, ao afastar os cervos de alguns lugares e a vegetação se recuperando nas encostas dos vales, havia menos erosão do solo, porque a vegetação também o estabilizou. Então os lobos, pequenos em quantidade, transformaram não somente o ecossistema do Parque Nacional de Yellowstone, essa área enorme de terra, mas também sua geografia física.

Baleias nos oceanos ao sul têm efeitos similares amplamente abrangentes. Uma das muitas desculpas pós-racionais feitas pelo governo japonês para matar baleias é que eles dizem, "Bem, o número de peixes e krills vai aumentar e assim haverá mais para as pessoas comerem". Bem, é uma desculpa estúpida, mas meio que faz sentido, não faz? Porque daria para pensar que as baleias comem grandes quantidades de peixes e krills, então obviamente retirando as baleias, haverá mais peixes e krills. Mas o oposto acontece. Se as baleias forem retiradas, o número de krills desaba. Como isso pode ter acontecido? Bem, agora parece que as baleias são cruciais para sustentar todo o ecossistema, e uma das razões disso é que elas normalmente se alimentam em águas profundas e então vêm para a superfície e produzem o que os biólogos educadamente chamam de grandes plumas fecais, enormes explosões de cocô bem nas águas de superfície, até a zona fótica, onde há luz suficiente para que a fotossíntese aconteça, e essas grandes plumas de fertilizante estimulam o crescimento do fitoplâncton, o plâncton vegetal na base da cadeia alimentar, que estimula o crescimento do zooplâncton, que alimenta os peixes e os krills e todo o resto. A outra coisa que as baleias fazem é que, enquanto mergulham para cima e para baixo na coluna de água, elas empurram o fitoplâncton de volta para a superfície onde ele pode continuar sobrevivendo e se reproduzindo. E interessantemente, bem, sabemos que o plâncton vegetal nos oceanos absorve carbono da atmosfera - quanto mais plâncton vegetal houver, mais carbono ele absorve - e até que enfim eles o filtram para o abismo e removem o carbono do sistema atmosférico. Bem, parece que quando as baleias estavam com sua população histórica, elas eram provavelmente responsáveis por sequestrar algumas dezenas de milhões de toneladas de carbono todo ano da atmosfera.

E quando encaramos isso assim, pensamos, espera um pouco, aqui estão os lobos mudando a geografia física do Parque Nacional de Yellowstone. Aqui estão as baleias mudando a composição da atmosfera. Começamos a perceber que possivelmente, a evidência a favor da hipótese de Gaia de James Lovelock que concebe o mundo como um organismo coerente e autorregulado, está começando, no nível ecossistêmico, a acumular.

Cascatas tróficas nos mostram que o mundo natural é ainda mais fascinante e complexo do que imaginávamos. Elas nos mostram que quando retiramos os animais de grande porte, ficamos com um ecossistema radicalmente diferente do que aquele que mantém seus animais de grande porte. E eles fornecem, na minha opinião, um bom argumento para a reintrodução de espécies desaparecidas. O retorno à vida selvagem, para mim, significa trazer de volta alguns dos animais e plantas desaparecidos. Significa derrubar cercas, significa bloquear fossos de drenagem, significa proibir a pesca comercial em algumas áreas vastas do oceano, mas além disso dar um passo atrás. Não apresenta qualquer exemplo de como um ecossistema correto ou como uma montagem correta de espécies deve ser. Não tenta produzir um charco ou uma pradaria ou uma floresta tropical ou um jardim de algas ou um recife de corais. Deixa a natureza decidir, e a natureza, em geral, é muito boa em decisões.

Bem, eu mencionei que há duas definições do retorno à vida selvagem que me interessam. A outra é o retorno à vida selvagem das vidas humanas. E não vejo isso como uma alternativa à civilização. Acredito que podemos desfrutar dos benefícios da tecnologia avançada, como fazemos hoje, mas ao mesmo tempo, se escolhermos, ter acesso a uma vida mais rica e mais selvagem de aventuras quando quisermos porque seriam maravilhosos habitats retornados à vida selvagem.

E as oportunidades para isso estão se desenvolvendo mais rápido do que vocês podem achar possível. Há uma estimativa que sugere que nos Estados Unidos, dois terços das terras que um dia era florestada e foi desmatada se reflorestou quando lenhadores e fazendeiros recuaram, em particular da metade oriental do país. Há uma outra que sugere que 30 milhões de hectares de terras na Europa, uma área do tamanho da Polônia, se tornará vaga por fazendeiros entre 2000 e 2030.

Agora, vendo oportunidades como essas, não parece um pouco falta de ambição pensar somente em trazer de volta lobos, linces, ursos, castores, bisões, javalis, alces, e todas as outras espécies que já estão começando a se mover bem rapidamente pela Europa? Talvez devêssemos também começar a pensar no retorno de uma porção de nossa megafauna perdida.

Que megafauna, você diria? Bem, todo continente tinha uma, a não ser a Antártica. Quando a Trafalgar Square em Londres foi escavada, os cascalhos do rio foram encontrados presos junto aos ossos de hipopótamos, rinocerontes, elefantes, hienas, leões. Sim, senhoras e senhores, havia leões na Trafalgar Square muito antes da Coluna de Nelson ser construída. Todas essas espécies moravam aqui no último período interglacial, quando as temperaturas eram bem similares às nossas. Não foi o clima, em grande parte, que se livrou das megafaunas do mundo. Foi a pressão da população humana caçando e destruindo seus habitats que assim fez.

E mesmo assim, ainda dá pra ver as sombras dessas grandes feras em nossos ecossistemas atuais. Por que será que tantas árvores caducifólias são capazes de brotar de qualquer lugar onde o tronco se quebrar? Por que será que elas conseguem resistir a perda de tanta casca de seu tronco? Por que será que os sub-bosques, que são submetidos a simples forças do vento mais baixas e têm que carregar menos peso do que as grandes árvores de copa, por que eles são tão mais rígidos e difíceis de quebrar do que as árvores de copa? Elefantes. Eles se adaptaram aos Elefantes. Na Europa, por exemplo, eles evoluíram para resistir aos elefantes de presa reta, elephas antiquus, que era um grande animal. Era parente do elefante asiático, mas era um animal temperado, uma criatura de floresta temperada. Era muito maior do que o elefante asiático. Mas por que será que alguns dos nossos arbustos mais comuns têm espinhaços que parecem ser demasiado complexos para resistir ao pastar dos cervos? Talvez porque evoluíram para resistir ao pastar dos rinocerontes.

Não é uma ideia incrível que cada vez que vocês caminham por um parque ou uma avenida abaixo ou por uma rua arborizada, vocês podem ver as sombras dessas grandes feras? Paleoecologia, o estudo de ecossistemas passados, crucial para o entendimento do nosso próprio, se parece com um portal pelo qual podemos passar para um reino encantado. E se estivermos mesmo olhando áreas de terras das dimensões que eu mencionei que estarão disponíveis, porque não reintroduzir um pouco da nossa megafauna perdida, ou pelo menos espécies parentes próximas àquelas que se extinguiram em todo lugar? Por que todos nós não deveríamos ter um Serengetti às nossas portas?

E talvez essa seja a coisa mais importante que o retorno à vida selvagem nos oferece, a coisa mais importante que sumiu de nossas vidas: esperança. Ao motivar as pessoas a amar e defender o mundo natural, um grama de esperança vale uma tonelada de desespero. A história que o retorno à vida selvagem nos conta é que mudança ecológica nem sempre segue em uma direção. Nos oferece a esperança que nossa primavera silenciosa podia ser substituída por um verão áspero. Obrigado.

 

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