Refugiados na Europa. Eles chegam aos milhares. São um problema, ou uma solução?
O número de pedidos de asilo nos países da União Europeia aumenta a cada dia, e se reflete inclusive no Brasil. Na opinião das forças da direita do Velho Continente, esse novo fluxo migratório é inaceitável e põe em risco o equilíbrio étnico das nações. Para a esquerda, ele representa a própria salvação de economias nacionais cada vez mais em crise devido ao envelhecimento da população e à falta de mão de obra. Para aquecer o debate, chegam os espiritualistas e dizem que tudo é devido à lei do carma. Quem tem razão?
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Por: Luis Pellegrini, de Roma, Itália
Na memória de todos nós ainda perdura a imagem terrível do corpo do garoto sírio Aylan Kurdi, com seu rostinho enterrado na areia da praia de Bodrum, na Turquia. Morto afogado, com a mãe e o irmão, ao tentar fugir da Síria num bote inflável com destino à ilha grega de Kós.
Mas, exatamente por ser terrível, a foto do pequeno Aylan foi capaz de galvanizar a opinião pública mundial e promover, nas últimas semanas, substanciais mudanças na política europeia que define a postura dos países da União face ao problema. Entendeu-se finalmente que algo precisa ser feito, e já.
Diante do quadro, as opiniões se dividem. Líderes da direita, como o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, mantêm a linha dura, afirmando que a Europa precisa “proteger suas fronteiras cristãs”. Os da esquerda, na outra ponta, defendem posições diametralmente opostas, dizendo que esse novo fluxo migratório é, para a maior parte dos países do Velho Continente, muito mais uma solução do que um problema.
Falando a Oásis, em Roma, o político ítalo-brasileiro José Luiz del Roio, ex-senador na Itália pelo Partido Refundação Comunista, sintetiza a visão esquerdista. Del Roio, que nasceu e viveu em São Paulo e foi para a Itália na época da ditadura militar, opina que “as vantagens da presença estrangeira em solo italiano são infinitamente superior às desvantagens. Mas o italiano não está habituado a isso. O sentimento de xenofobia na Península – como em toda a Europa - ainda é bastante forte. Esse sentimento impregna vastas áreas da direita, sobretudo as de tonalidade fascista, que não toleram os imigrantes”.
Oásis - A Cofindústria, máxima entidade italiana para as questões da indústria, grita continuamente que o país precisa de 350 mil novos imigrantes por ano para manter as fábricas italianas abertas.
Del Roio - “Cada vez mais, a Itália – bem como a maioria dos países europeus desenvolvidos -, se torna um país de velhos, de aposentados. Graças aos progressos da ciência e à excelente assistência social de que dispomos, os italianos hoje vivem muito mais tempo. Mas é inevitável que chegaremos a um momento de grande mortandade de idosos, com uma consequente queda brusca da população. Sou um daqueles políticos italianos que têm plena consciência disso tudo, e por isso defendo que um estrangeiro que trabalha honestamente e paga os seus impostos tenha o direito de adquirir a cidadania italiana no prazo de mais ou menos cinco anos.”
Dada a quantidade de imigrantes de pele escura e de olhos amendoados que pode ser vista hoje nas ruas italianas, e visto que os casamentos mistos já acontecem em larga escala, podemos supor que dentro em breve a Itália será um país mulato.
“Acho essa ideia simplesmente ótima.”
Uma questão velha quanto a própria Europa
À parte as posições adotadas pela direita e a esquerda, é preciso ressaltar que a questão migratória na Europa nada tem de nova. Na verdade, a própria história do continente foi forjada pelas migrações. Durante séculos, mercadores, artesãos, artistas e intelectuais abandonaram ou chegaram à Europa para praticar os seus ofícios ou para começar novas vidas. Centenas de milhares emigraram da Europa, primeiro para as colônias espalhadas ao redor do mundo, depois para os países das Américas, como os Estados Unidos, o Brasil e a Argentina, e para os grandes países emergentes do outro lado da Terra, a Austrália e a Nova Zelândia. Sem falar nas migrações forçadas, como a expulsão dos judeus da Espanha no final da Idade Média e, já nos séculos 19 e 20, os grandes deslocamentos de massas no Sudeste europeu devido às muitas guerras entre os impérios russo, austro-húngaro e otomano.
Resta a pergunta: Por que, ao longo de uma história multimilenar, não se consegue dissociar a Europa da questão migratória? Uma resposta instigante não é dada pelas ideologias políticas, e sim pelas grandes tradições espiritualistas e esotéricas. Antecipando-se aos tempos atuais, numa antiga entrevista à revista Planeta, concedida em 1974 no Rio de Janeiro, o então presidente da Sociedade Teosófica Mundial, o inglês John Coats explica que o que determina a relação Europa/migrações é nada mais nada menos que a Lei do Carma. “Carma não significa punição a falhas ou pecados. Trata-se simplesmente de uma lei física, a lei das ações que provocam reações, e ela atua tanto no plano do indivíduo quanto da família, da sociedade, do país, de um inteiro continente. Por exemplo, a questão das migrações. Nós agora, na Inglaterra, nos queixamos da ‘invasão’ de dezenas de milhares de pessoas provenientes das nossas ex-colônias. Mas, durante séculos, nós invadimos esses países e desfrutamos de suas riquezas. É natural, portanto, segundo a Lei do Carma, que agora o fluxo se inverta, e que agora seja a vez dos nossos ex-colonizados ‘invadir’ nossas cidades”.
ODISSEIA NOS BALCÃS
Os refugiados chegam à Europa aos milhares, desprovidos de tudo, exceto o indispensável smartphone. Para alcançar a Terra Prometida alemã, percorrem um caminho longo e cheio de arame farpado. O jornalista sérvio Nemanja Kujevic refez com eles a trajetória da fuga através da Grécia, Macedônia, Sérvia e Hungria.
Por: Nemanja Kujevic. Fonte: Jornal Vreme, Belgrado, Sérvia
Na estação ferroviária de Gevgelija, na Macedônia, uma meada de fios elétricos pende de uma janela ziguezagueando até uma pequena mesa instalada no cais. Todas as tomadas estão ocupadas por carregadores de bateria. Os refugiados pagam um euro para alimentar a bateria do seu celular. E um dos poucosobjetos que eles não podem e não querem dispensar.
A comunicação assume uma importância vital: onde estão a família e os amigos, quando será e onde será o encontro com os passadores, quem pode enviar dinheiro? Alguns cínicos perguntam como é que refugiados se apresentam de smartphones, calças jeans e tênis de marca. Na cabeça dessas pessoas, os recém chegados, para terem ar de verdadeiros refugiados, deveriam ter percorrido dezenas de milhares de quilômetros descalços e chegar esfarrapados com as cabras vindo atrás.
Chegaram na Macedônia a pé, vindo da povoação grega de Idomeni. Não há mais de dois ou três quilômetros entre os dois postos fronteiriços. Os migrantes dizem não ter visto guardas de fronteira gregos e que os macedônios se limitaram a fazer-lhes sinal para passarem. De quando em quando pedem-lhes que esperem umas horas porque a estação de Gevgelija está abarrotada. A recente demonstração de força da polícia macedônia contra os migrantes foi apenas uma tentativa mal sucedida de fazer abrandar o fluxo. Ha milhares de pessoas andando sem rumo pela estação e as ruas adjacentes. Dormem nos cais ou no parque vizinho.
Antes de a polícia macedônia ter bloqueado brevemente a fronteira. chegavam duas mil pessoas por dia à estação de Gevgelija. Os trens atualmente em circulação não são suficientes para os transportar até a Sérvia. Há um trem internacional, o Tessalônica-Belgrado, e dois ou três trens locais que não têm horários precisos. Nunca se sabe a que hora vão chegar, se é que chegam.
Quando os trens chegam ao cais, deixam entrar os viajantes normais em um vagão, enquanto o resto da composição é tomada de assalto por uma maré de refugiados. As portas dos vagões são fechadas a chave.
Após disputas violentas pelos lugares nos trens, a polícia macedônia decidiu dar prioridade às famílias com crianças de tenra idade. Conseguiu-se, assim, impor alguma ordem em meio ao caos.
Equipes médicas visitam a estação ferroviária uma vez ao dia. Contam-me que na semana passada cinco mulheres sofreram abortos espontâneos. Isso não aparece em nenhuma estatística. 0uço dizer que duas pessoas subiram no teto de uma locomotiva com a ideia de carregarem os seus celulares na fiação elétrica. Ficaram com 80% do corpo queimado, mas sobreviveram.
Os ferimentos mais frequentes devem-se a confrontos na fila diante do posto da guarda fronteiriça. E ali que os imigrantes podem obter um documento que certifica que chegaram à Macedônia e que têm 72 horas para apresentar um pedido de asilo. Em outras palavras, têm três palavras para se esquivarem rumo a Sérvia. O documento os autoriza a utilizar todos os meios de transporte públicos. Alguns esperam vários dias para obter o papel. As pessoas se reagrupam segundo os grupos étnicos, gritam, se agitam, se ameaçam, se insultam. “Os piores são os paquistaneses”, afirma um curdo sírio.
Gevgelija, desse modo, viu-se projetada para as capas da imprensa mundial. O presidente da Câmara, Ivan Frangov, não está satisfeito. Até agora, a pequena cidade acolhia quase apenas turistas abastados que vinham jogar nos seus dez casinos, deixando dinheiro na localidade. Frangov fala, agora, do desafio da segurança que a Macedônia enfrenta, dos gregos que exportam o problema para o norte do seu pais, dos cidadãos que já não se atrevem a sair às ruas. “Tenho compaixão pelos refugiados, mas isso não significa que o nosso país deva tornar-se uma vítima da situação.”
Quanto aos habitantes de Gevgelija, por enquanto ainda não perderam o sentido dos negócios. Na plataforma da estação, instalaram bancas improvisadas para vender bananas, pipocas, batatas de pacote e água fresca - três vezes mais caros do que nas lojas que ficam a duzentos metros. Os taxistas também aproveitam. Angel Stojankov explica que não maltratam os migrantes. Apenas lhes aplicam as tarifas que aparecem no taxímetro - 100 euros (500 reais) por quatro passageiros até a fronteira sérvia. “Nós os levamos até o ponto de passagem oficial e, depois, continuam pelos caminhos rurais.”
Da Macedônia à Sérvia
De taxi, trem ou ônibus, todos os caminhos vão dar em Tabanovce, última aldeia macedônia antes da fronteira sérvia. 0 Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) criou ali um campo, alguns abrigos para proteger os deslocados do sol e da chuva. Ninguém, de resto, impede os imigrantes de seguir caminho. Zaman, marroquino, chega com uma grande mochila e rapidamente prossegue na direção da Sérvia.
Para atravessar a fronteira só é preciso ter paciência. A polícia macedônia está ausente e, do lado sérvio, há quatro agentes. O seu trabalho consiste em dosar as entradas na Sérvia, para reduzir a pressão sobre Presevo, a cidade sérvia onde se encontra o primeiro centro de acolhimento aos refugiados.
Começa por se parar num parque de estacionamento à beira da autoestrada. 0 ônibus faz uma pausa. Está cheio de refugiados. O motorista me mostra a carta do Ministério do Interior que pede às transportadoras rodoviárias que criem linhas de ônibus especiais para ligar o centro de acolhimento de Presevo a Belgrado. As empresas responderam afirmativamente. O bilhete não é caro: 16 mil dinares (14 euros), e os ônibus vão lotados.
O motorista inscreveu todos os passageiros numa lista, pelo que tudo está conforme as regras. Todos possuem o documento sérvio que lhes dá três dias para apresentar o pedido de asilo. Mas ninguém tem a intenção de exercer tal direito. Na cabeça só existe uma ideia: passar para a Hungria.
Na capital da Sérvia
Belgrado é a única metrópole onde os migrantes interrompem brevemente o seu périplo balcânico. O parque entre as duas estações de ônibus e o outro parque que está diante da Faculdade de Economia estão tomados por tendas, cobertores e roupa a secar em varais improvisados estendidos entre as árvores.
Os migrantes dormem ao relento, exceto quando chove. Nesse caso, abrigam-se numa garagem vizinha, onde dormem, apertados, entre viaturas. Os refugiados se recusam a falar aos meios de comunicação alemães, receando que isso possa ser utilizado contra eles quando apresentarem o seu pedido de asilo. “No Iraque temos grandes problemas com o Daesh (acrônimo árabe do autodenominado Estado Islâmico). Se nos apanham, cortam-nos a cabeça. É por isso que quero ir para a Alemanha“, explica Ahmad, de 17 anos.
As pousadas de juventude do bairro estão cheias. Um snack-bar, num canto, propõe hambúrgueres e cevapcici halal (rolos tradicionais de carne picada). As pessoas adaptam-se à procura do momento, mas os preços não correspondem à situação. Alguns metros mais à frente é possível comprar os mesmos hambúrgueres por um terço do preço. Os negócios correm bem e as lojas contratam pessoal. Também não vai mal a vida das transportadoras rodoviárias: abriram uma dúzia de linhas de ônibus suplementares para Subotica e Kanjiza, cujos bilhetes se vendem com muita antecedência.
É para lá que Mehdi quer ir. É iraniano e se diz ateu, o que lhe criava enormes problemas na República Islâmica xiita. Acaba de beber um suco de frutas no pátio do clube Mixer, um recinto cultural alternativo e muito popular. No verão, o pátio do Mixer se transforma num palco a céu aberto. Ali são instaladas grandes mesas cobertas com pilhas de roupas. Os habitantes de Belgrado contribuem com mais do que é necessário. “Médicos chegam para examinar os refugiados”, conta um voluntário sérvio que ajuda a distribuir roupa, água e alimentos. Um deles até trouxe pão, patê e bolachas...
Rumo à Hungria
Na parte alta da aldeia de Backi Vinogradi, um grande poste com câmaras térmicas indica que chegamos à fronteira húngara. Um enorme caminhão militar circula lentamente ao longo da fronteira. Os altofalantes difundem Money, Money, Money, um famoso tema do grupo Abba. Os soldados ocupados em montar as cercas/grades se divertem. Dois grandes rolos de aame farpado esperam a sua vez para serem colocados. Na data em que lá estivemos, 31 de agosto, a construção do muro anti-imigrantes estava quase concluída.
Um soldados pergunta o que estamos fazendo. “Querem tirar fotografias? Não tem problema”. Ele nos explica, educadamente, que aqui os imigrantes não passam a fronteira. Acreditará mesmo que três metros de arame farpado poderão deter quem não tem nenhuma possibilidade de voltar para casa? “Esperamos que sim. O nosso objetivo é fazê-los vir para os postos fronteiriços oficiais”, explica. Ou seja, para onde não possam entrar na Hungria.
À procura do passador
Vinte quilômetros a sudoeste, numa fábrica de tijolos abandonada perto de Subotica, encontramos Milad, de 27 anos. O encerramento da fronteira com húngara com uma cerca de arame farpado não o preocupa muito. O que o preocupa é que “o paquistanês” não lhe telefona. É o seu passador. “Ele compra os policiais”, diz Milad. Ao que parece, o dito paquistanês consegue fazer passar, por dia, cerca de 20 pessoas destinadas a trabalhar em fábricas da Alemanha. O serviço do paquistanês custa a Milad e à sua família 4500 euros (cerca de 25 mil reais). Os que não têm dinheiro veem-se obrigados a escolher uma outra opção. Por umas dezenas de euros, os passadores os conduzem aos locais onde a fronteira parece mais permeável e deixam que se desembaracem sozinhos.
Como iludir o muro húngaro
Durante a nossa visita à fábrica de tijolo abandonada não havia muitos migrantes. No interior do recinto, numerosos grafittis em árabe são testemunho dos milhares de pessoas que por lá passaram. “E ninguém me matou”, brinca Tibor Varga, pastor protestante de ombros largos, vestido com umas calças de malha. Frequenta a fábrica há quatro anos, ou seja, desde a época das primaveras árabes. Tibor traz pão, ovos, pasta de dentes... Segundo ele, a cerca de arame farpado é um assunto recorrente entre os refugiados, mas são raros os que a consideram um obstáculo intransponível. “Existem outros problemas, muito mais graves do que alguns metros de arame farpado”, conclui.
Isso me faz lembrar um jovem médico sírio que conheci em Gevgelija. Na estrada há vários meses, ouviu falar do “muro húngaro” . Não tem dinheiro para pagar a passadores. O que fará quando o muro estiver terminado? “Saltarei por cima, cortá-lo-ei, farei tudo para atravessá-lo”, diz. Por sinal, os alicates vendem-se como pão quente nas lojas de ferragens de Subotica.
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