Patagônia Norte: aventura na província chilena de Aysén

Rios e lagos de intenso turquesa, parques e reservas naturais e vales verdinhos, a região de Aysén, no norte da Patagônia chilena, abriga ainda glaciares milenares e surpreende por sua exótica beleza selvagem

Rios e lagos de intenso turquesa, parques e reservas naturais e vales verdinhos, a região de Aysén, no norte da Patagônia chilena, abriga ainda glaciares milenares e surpreende por sua exótica beleza selvagem
Rios e lagos de intenso turquesa, parques e reservas naturais e vales verdinhos, a região de Aysén, no norte da Patagônia chilena, abriga ainda glaciares milenares e surpreende por sua exótica beleza selvagem (Foto: Gisele Federicce)


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Festival de cores na paisagem de Aysén. Foto: André Pessoa


Por Fabíola Musarra, da Patagônia Norte, Chile. Fotos de Jaime Borquez e André Pessoa

Esta não é a primeira vez que viajo ao Chile, o mítico país da América do Sul que abriga belezas naturais tão distintas e ao mesmo tempo tão únicas: pelo seu território espalham-se desde o deserto do Atacama (o mais árido do planeta), a Ilha de Páscoa e seus misteriosos totens até geleiras e fiordes milenares banhados pelo Oceano Pacífico. Mas, antes mesmo da aterrissagem do avião que leva a Santiago, a capital e uma das principais portas de entrada do país, surge a Cordilheira dos Andes, com seus quilômetros de montes marrom-acinzentados e picos pincelados pela neve. Durante os próximos oito dias, tempo que permanecerei na região de Aysén, situada no extremo sul do país e ao norte da Patagônia chilena, essa majestosa cadeia de montanhas acompanhará os meus passos e me deixará percorrer a sua trilha.

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Carretera Austral. Foto: Jaime Borquez

Para chegar a Aysén, precisamos embarcar em outro avião rumo a Balmaceda. Depois, percorreremos cerca de 80 quilômetros pela Carretera Austral até o Lago Elizalde. A Carretera Austral é a principal rodovia do lugar. Ela começa em Puerto Montt e se estende até o ponto mais distante da Patagônia chilena: a Villa O'Higgins. Foi construída pelo então presidente Augusto Pinochet na metade da década de 1970, com os objetivos de desenvolver o extremo sul do país, até então praticamente isolado, e de defendê-lo de uma possível invasão da Argentina. Suas terras ricas em minérios foram palco de disputas – e quase de uma guerra em 1979 – entre os dois países.

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Carretera Austral: parte já asfaltada, parte ainda em terra batida, a mais importante rodovia da Patagônia Norte oferece alguns dos mais belos panoramas das Américas. Foto: Jaime Borquez

Também será essa rodovia de 1240 quilômetros que nos revelará os encantos de Aysén, descortinando a cada trecho percorrido imagens memoráveis ao olhar. Diante dele, as paisagens se revezarão, ora nos brindando com rios e lagos de intenso turquesa, parques e reservas naturais tingidos pela vegetação alaranjada do outono e vales repletos de montanhas de picos nevados; ora nos surpreendendo com a engenhosidade de seus canais, fiordes e glaciares.

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No decorrer das estações, muda muito a coloração da vegetação na Patagônia Norte. Na foto, a paisagem exibe cores do outono. Foto: André Pessoa

Banhada a oeste pelo Oceano Pacífico, a região de Aysén, também conhecida como Décima Primeira Região, faz divisa a leste com a Argentina, ao norte com a região de Los Lagos e ao sul com a região de Magalhães e a Antártica chilena. Com aproximadamente 100 mil quilômetros quadrados, dos quais 50 mil são protegidos, abriga 12 reservas naturais e cinco parques nacionais, entre eles o Laguna San Rafael, declarado Reserva da Biosfera pela Unesco em 1979.

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Na cordilheira dos Andes, o alto das montanhas pode permanecer coberto de neve até mesmo no verão. Foto: André Pessoa

Integrada pelas comunas Coyhaique (capital), Aysén, Ibañez, Chile Chico, Cochrane, Guaitecas e Puerto Aguirre, a região de Aysén apresenta uma curiosa densidade demográfica: 0,9 habitante por km2, o que significa que é possível andar distâncias inimagináveis sem encontrar um único ser humano, apenas contemplando a natureza em absoluta introspecção. Aliás, essa é uma viagem para quem não se importa com baladas e agitação – a maioria dos lugares não tem acesso à internet, telefone e televisão (estamos quase saindo do mapa, lembram-se?). Mas, para quem não se importa, este paraíso de beleza selvagem reserva inúmeros tesouros.

Há um enorme número de lagos na Patagônia Norte. Este da foto é o Lago Elizalde, profundo e tranquilo. Foto: Jaime Borquez

Pé na estrada

A Reserva Cerro Castillo e o Vale Simpson, que abriga o rio de mesmo nome, ficam no caminho que leva ao Lago Elizalde. O sol e o azul intenso do céu nos dão boas-vindas e, como perfeitos anfitriões, nos presenteiam com verdes vales recobertos por chicórias. Essas flores amarelas se estendem pelo horizonte compondo um longo tapete caprichosamente bordado pela natureza.

Apesar de muito frias, as águas do Lago General Carrero são muito procuradas no verão para a prática de esportes náuticos. Parte deste lago está em território argentino, e lá ele se chama Lago Buenos Aires. Foto: Jaime Borquez

É na margem do suntuoso Lago Elizalde que ficam as cabanas onde passaremos a noite. Bastante concorrido pelos amantes de pesca, um esporte muito apreciado pelos moradores locais, o lago também é famoso pela enorme quantidade de trutas que nele habitam. Na manhã seguinte, uma das mais glamourosas atrações da região nos aguarda: o Lago General Carrera e a Capela de Mármore (Capilla de Mármol, como é seu nome).

Na ida passamos pelo Rio Ibañez e o Vulcão Hudson. A cada 20 anos, o temperamental vulcão entra em erupção. A última delas foi em 2011, mas não chegou nem perto do estrago da de 1991, quando provocou 500 tremores de terra e sua enorme nuvem piroclástica de 1000 graus centígrados invadiu e devastou a região. Após três dias de intensa fúria, o Hudson silenciou, mas deixou como legado um solo coberto com até um metro de cinzas.

Em tons de verde esmeralda ou azul turquesa, os lagos de Aysén são sempre cristalinos, formados pelas águas do degelo. Foto: André Pessoa

Nosso destino é Puerto Tranquilo, a porta de acesso ao Lago General Carrera. Composto por incontáveis tons de turquesa e esmeralda, é o maior lago do Chile, com 978 quilômetros quadrados de superfície. Suas águas também são compartilhadas pela Argentina – lá se chama Lago Buenos Aires. Entretanto, a maior parte dele se encontra em terras chilenas. O General Carrera desemboca no Lago Bertrand, onde nasce o Rio Backer, de incrível cor turquesa, o mais caudaloso do Chile.

A Capela de Mármore é integrada por um conjunto de ilhas formadas ao longo de milhões de anos. Foto: Jaime Borquez

Uma pequena embarcação nos conduz à Capela de Mármore, um santuário da natureza tecido pela erosão fluvial das águas do Lago General Carrera – ali, a água talhou incríveis formações em mármore, entre as quais a capela e a catedral. Pelas suas gigantescas dimensões de cores e texturas diferenciadas formam-se grutas, cavernas e túneis, através dos quais os barquinhos navegam, possibilitando que seus passageiros observem de perto a magnitude desse patrimônio outorgado à humanidade pela natureza.

Uma das muitas formações rochosas da área que é chamada de Capela de Mármore. Foto: Jaime Borquez

"Essa fantástica formação geológica de mármore tem aproximadamente 300 milhões de anos, enquanto a do mármore de Carrara, na Itália, 800 milhões de anos", conta o amável Rodrigo Mansilha Hernández, um dos proprietários da Tehuelche Patagônia Tour, agência de viagens que oferece inúmeras opções de passeios turísticos nessa distante (e ainda tão pouco explorada) região do planeta. Profundo conhecedor da cultura, história e geografia do país, Rodrigo é quem nos acompanha durante a nossa estadia na Patagônia.

Trecho de rua no centro de Coyhaique. Foto: Jaime Borquez

Águas vulcânicas

Após o imperdível passeio, partimos rumo à Fazenda Três Lagos, o moderno hotel banhado pelo Lago General Carrera onde pernoitaremos. De volta à Carretera Austral, desta vez seguimos em direção ao norte. Antes de chegarmos ao Parque Nacional Queulat, paramos em Coyhaique, a maior cidade de Aysén e também a mais povoada: com pouco mais de 50 mil habitantes, concentra 80% dos moradores da região. Seu nome foi dado pelo mapudungún, língua dos antigos povos aborígenes chilenos ou mapuches, que designavam o lugar como "coyhaique", união de "koi" (lagoa) e "áiken" (acampamento).

Mercado de artesanatos em Coyhaique,a capital da regão de Aysén. Foto: Jaime Borquez

Cabana de madeira, típica da região de Aysén. Ao fundo, alguns picos nevados da Cordilheira dos Andes. Foto: Jaime Borquez

Pelas ruas centrais da capital de Aysén é possível tomar um saboroso cafezinho, comprar chocolates, trocar dinheiro... Como atração à parte, o centro aninha uma colorida feira de artesanato. Suas pequeninas lojas exibem gorros, luvas, echarpes e blusas de lã, além de artigos típicos confeccionados em madeira, argila, pedra e couro. Na saída da cidade, encontra-se um de seus principais cartões-postais: o mirante Cerro Mackay, um cantinho de onde Coyhaique parece ter sido emoldurada em um quadro.

Termas de Puyuhuapi Lodge & SPA

Como os demais, o Parque Queulat é povoado por águias, condores, guanacos, huemules (o cervo patagônico), pumas e raposas, entre outros mamíferos e aves. Infelizmente, exceto pelas lebres que atravessam a rodovia, não conseguimos ver nenhuma dessas espécies. Nosso destino, porém, é Puerto Puyuhuapi, uma cidadezinha de menos de 600 habitantes e de arquitetura com forte influência alemã. De seu porto é feito o embarque às Termas de Puyuhuapi Lodge & SPA, um hotel que tem à sua frente um deslumbrante fiorde banhado pelo Oceano Pacífico e é rodeado por montanhas nevadas.

Além de todas as comodidades, o lodge tem como charme a mais as águas vulcânicas que aquecem suas piscinas e as torneiras de seus chuveiros e banheiros. Puro deleite também é o passeio de barco pelo fiorde, oferecido pelo hotel. Nem mesmo o frio intenso interfere na emoção que é navegar pelas águas do Pacífico. Em sua verde imensidão de múltiplas tonalidades de neons, o oceano brinca com a superfície, criando, com seus incansáveis vaivens, recortes únicos em suas margens.

Hotel Loberias del Sur

Nossa próxima parada é o Hotel Loberías Del Sur, em Puerto Chacabuco. O ingresso a esse povoado é feito via Carretera Austral, com passagem obrigatória por Puerto Aysén. Durante anos, esta cidade orgulhou-se de abrigar o principal porto da região. Em 1960, porém, um terremoto assoreou o Rio Aysén, impedindo a chegada de grandes navios ao seu porto. Dos antigos tempos de Puerto Aysén, hoje resta a Presidente Ibañez, a maior ponte suspensa do país, com 210 metros de comprimento. E é por essa ponte de estrutura vermelha sobre o Rio Aysén que se chega a Puerto Chacabuco, ponto de hospedagem e de inesquecíveis passeios.

Ladeado por casinhas de madeira, o Loberías Del Sur propicia a quem nele se hospeda uma visão panorâmica sobre o fiorde que se estende à sua frente e é abraçado por montanhas de picos nevados. O empreendimento de 60 quartos conta ainda com sala de café, bar, restaurante, salão de jogos e terraço, além de sauna e piscina aquecida. Seu ponto alto, porém, é o passeio até a geleira San Rafael, feito apenas com o catamarã Chaitén, da empresa Catamaranes Del Sur, cujos proprietários são os mesmos do hotel e do Parque Aiken Del Sur.

Na Laguna San Rafael, o barco Chaitén aproxima-se do glaciar. Foto: Jaime Borquez

Ícone andino

Poucos mortais, incluindo os chilenos, têm o privilégio de conhecer o Parque Nacional Laguna San Rafael, onde mora a geleira homônima. Eu e os meus companheiros pertencemos a esse seleto grupo. Por isso, meu coração descompassado conta as horas que restam para eu ser apresentada a este paredão de gelo de 2 quilômetros de largura e mais de 70 m de altura. A viagem começa às 7 horas, com o café da manhã sendo servido no Chaitén.

São necessárias cinco horas de navegação para chegar à Laguna San Rafael, distante 220 quilômetros. O catamarã navega entre fiordes, árvores centenárias e montanhas nevadas, mas a neblina e a chuva só permitem vislumbrar seus contornos. Inesperadamente, o sol brilha e o céu tinge-se de um celeste irretocável. O Chaitén chega ao Rio Tempanos, de onde já é possível admirar a emblemática geleira de 45 quilômetros de longitude e que é só uma pequena parte do Campo de Gelo Norte, a maior massa contínua de gelo situada fora das regiões polares, com 4,2 mil quilômetros quadrados de área.

Como se tivesse sido cuidadosamente encaixada nas montanhas, a geleira está cada vez mais próxima. Soberana, ela impera na lagoa, agora repleta de blocos de gelo azuis e brancos. A cor tem a ver com a idade: quanto mais azulado ou transparente, mais antigo é o iceberg. Estou hipnotizada pelo cenário. Estamos na proa e, de repente, escuto um tchibummm.

"Mamãe, mamãe, é uma baleia?", pergunta assustado o garotinho enquanto se agarra à mãe. Todos nos enternecemos com a reação do menino, mas não é uma baleia, e sim um grande pedaço de gelo que se desprendeu do paredão. Quando caem na água, esses blocos formam ondas, algumas delas enormes. Esse espetáculo se repete outras vezes, para nosso êxtase. Em um bote inflável, nos aproximamos da geleira.
Devido ao desprendimento dos pedaços de gelo, é preciso manter uma distância de 500 metros desse gigantesco templo branco erguido pelo deus tempo ao longo de milênios. Mesmo assim, a visão é indescritível! Nas outras cinco horas da volta a Puerto Chacabuco, funcionários do catamarã servem uísque com pedras de gelo recolhidas em San Rafael. O brinde coroa o fim de mais um dia de pura magia.

Logo cedo, vamos conhecer o Parque Aiken del Sur, uma reserva natural localizada a 15 minutos do hotel. O italiano Aldo Reali nos guia pelas trilhas, dando detalhes sobre as espécies de flora nativa do parque. Os canelos e as lumas são algumas delas. O primeiro ainda hoje é usado em rituais pelos mapuches. Já a segunda, de tão dura, foi usada para a confecção de cassetetes da polícia. Exótica também é a nalka, uma planta pré-histórica.

A aventura pela Patagônia chega ao fim. Despeço-me desse encantado pedacinho de terra situado no extremo sul do continente. Parto e levo comigo muitas lembranças e a certeza de deixar parte de meu coração neste mágico país chamado Chile.

SERVIÇO

Tehuelche Patagônia Tour: www.tehuelchepatagoniatour.cl
Fazenda Três Lagos: fica 274 km ao sul de Coyhaique, www.haciendatreslagos.cl
Puyuhapi Lodge e SPA : www.patagonia-connection.com
Loberías Del Sur Hotel: www.loberiasdelsur.cl
Catamaranes Del Sur: O passeio até a Laguna San Rafael só pode ser feito entre setembro e abril em razão das condições climáticas. Custa US$ 420 e inclui café, almoço, petiscos e bebidas. www.catamaranesdelsur.cl

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