Paraguai. Sou pobre mas sou feliz
Sondagens da agência Gallup colocam o Paraguai como o pais mais feliz do mundo. É também considerado um dos mais corruptos e injustos. Como podem felicidade e desigualdade conviver?
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.
Por: John Carlin. Fonte: Jornal El País, Madri
A felicidade converteu-se numa indústria. Não passa um dia sem que alguma instituição governamental, universidade, filósofo, economista ou blogger proponha um novo plano para alcançar o sonho pelo qual todos ansiamos. Se fizermos uma pesquisa na Amazon, aparecem 14.384 livros sobre como conquistar a felicidade.
Mas, e se a felicidade existir não apenas nas nossas mentes e corações, mas num lugar físico? E se esse lugar for o Paraguai? Sim, no Paraguai, um país no centro da América do Sul, para onde migraram comunidades alemãs, irlandesas, norte-americanas, australianas e finlandesas nos últimos 150 anos. E, ainda mais, se contarmos com os missionários jesuítas do século XVII, convencidos de que ali encontrariam a utopia. Nos últimos três anos, o país tem sido considerado o mais feliz do planeta, segundo estudos levados a cabo pela prestigiada agência Gallup.
A terra sem mal
Fui ao Paraguai em busca do segredo dessa felicidade e encontrei uma terra que parecia ter tudo. A terra, praticamente vazia, com uma área duas vezes maior do que a da Alemanha e sete milhões de habitantes, é tão fértil que as mangas apodrecem no solo; os porcos são alimentados com abacates; as exportações de carne são superiores da Argentina e a água dos seus grandes rios é tão abundante que, não só supera todas as necessidades agrícolas e humanas como também, graças à barragem gigante de Itaipu, produz quase dez vezes mais energia renovável - e eterna - do que a que a população necessita.
Na teologia indígena guarani, existe o conceito paradisíaco da "terra sem mal". Parecia que a tinham encontrado. Mas, ao aprofundar um pouco, vi que aos seres humanos lhes falta algo. Parece que, na ausência de um sistema judicial minimamente sério, a corrupção contamina as instituições políticas e estatais de cima abaixo, dos juízes à policia, dos ministros aos funcionários. Parece também que os pobres estão todos os dias cada vez mais pobres e os poucos ricos cada vez mais ricos, entre eles o atual Presidente e magnata tabaqueiro Horácio Cartes. Segundo me contou um seu conhecido, um dia, Cartes confessou que se meteu na política porque já não sabia o que fazer com os seus milhões.
Então, se o Paraguai é um dos países mais injustos, mais corruptos e mais desiguais do planeta, e se estamos quase todos de acordo que injustiça, corrupção e desigualdade são os grandes males que nos afligem, porque os paraguaios se afirmam tão felizes?
Esquecer o passado, viver no momento presente
Em primeiro lugar, como recentemente escreveu um colunista paraguaio, porque “uma das características mais marcadas da nossa idiossincrasia" é "a teimosia". Com o olhar posto na imaginária terra sem mal, muitos se negam a ver o mal real que os rodeia.
O exemplo mais surpreendente que encontrei foi o do herói da pátria, Francisco Solano López, cujo aniversário da morte (a 1o de março de 1870) é o grande feriado nacional. O autoproclamado marechal López foi um déspota, cujo endeusamento e tirania não seria superado por nenhum dos ditadores sul-americanos que se lhe seguiram. Durante os oito anos da sua presidência (1862-1870), López ordenou a tortura e execução de milhares de pessoas, familiares próximos incluídos, conduzindo o país a uma guerra demente contra Argentina, Brasil e Uruguai, que matou 85% da população paraguaia. Hoje, as avenidas principais da capital, Assunção, têm o nome de López e da sua Lady Macbeth, a sua não menos sinistra concubina irlandesa, Elisa Lynch.
A segunda razão pela qual os paraguaios acreditam que são felizes é pelo costume que têm de não pensar demasiado no passado e de viver o momento presente. Isso foi-me explicado pelo empresário Víctor González durante um passeio de carro pelos campos que rodeiam Assunção. Enquanto via a extraordinária riqueza da terra e a aparente serenidade - sempre de chimarrão na mão – com que vivem os seus habitantes, González disse-me que, em guarani, o idioma que quase todos os paraguaios falam, não existe uma palavra para "amanhã".
Aquela que mais se aproxima desse conceito é koera, que significa “se amanhecer". Isto traduz-se numa atitude de não se angustiar pelo que possa acontecer no futuro, uma mentalidade que González, hoje homem rico mas criado numa pobre fazenda, recorda com nostalgia.
Fechar os olhos aos males da vida
Gonzalez e outros paraguaios disseram-me que a infelicidade vem quando se geram expectativas que não poderão se cumprir. Estudos da Universidade de Harvard o demonstram, evidenciando um dado dramático sobre o Paraguai: em média, todos os dias se suicida um jovem entre os 15 e os 25 anos.
Cada um destes decidiu que seria melhor não haver um outro amanhecer porque, na maioria dos casos, vêm de famílias pobres, rurais, que aspiram a mais e se misturam - por exemplo, na periferia de Assunção – com jovens que usam t-shirts Lacoste, tênis Nike e possuem celulares de última geração.
De repente, felicidade passou a significar adquirir objetos antes desnecessários. Não podendo, são corroídos pela inveja e acabam com as suas vidas. A Gallup não entrevistou esta gente e os inquiridos preferiram fechar os olhos a estas desgraças.
iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:
Comentários
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247