Papai Noel nasceu na Turquia. Mas vestiu-se de vermelho e branco nos Estados Unidos
São Nicolau, um santo dos primórdios do cristianismo, está na origem do mito moderno do Papai Noel. Atrás desse santo da Igreja existe uma ideia-força. No caso de São Nicolau, ela é a generosidade.
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Por: Luis Pellegrini
O mito de Papai Noel nasceu das lendas que cercaram a vida de São Nicolau, que viveu no século 4 da nossa Era, quando o cristianismo dava seus primeiros passos nos arredores do Mediterrâneo oriental. Sua história inspirou a criação do mito de Papai Noel, mas, diferentemente da figura simpática do Bom Velhinho, São Nicolau existiu realmente. Nasceu em Patara, no ano 270 da nossa Era, e foi bispo de Myra, na Lícia (hoje a moderna Turquia).
A festa desse santo acontece tradicionalmente a 6 de dezembro, dia em que, sempre segundo a lenda, ele presenteou um dote a três moças pobres para que elas pudessem se casar e, assim fazendo, escapar à prostituição. Essa ação generosa não foi a única manifestação da bondade de São Nicolau. Relatos sobre a sua vida narram diversas outras ações do mesmo teor.
À esquerda, imagem medieval de São Nicolau. À direita, figura moderna do Papai Noel, nascida nos Estados Unidos.
Assim foi que, durante a Idade Média, difundiu-se na Europa o costume de comemorar São Nicolau a 6 de dezembro. Isso acontece até os dias de hoje na Holanda, Alemanha e Áustria, e inclusive na Itália (nos portos do Adriático, em Trieste e no Alto Ádige. Na noite entre 5 e 6 de dezembro, montado em seu cavalo, diz-se que ele perambula pelas ruas deixando presentes, frutas e guloseimas, nos sapatos das crianças. Mas apenas as crianças boazinhas. As crianças travessas ou mal-educadas, ao contrário, recebem apenas sustos e algumas lambadas dadas pelo fiel escudeiro de Papai Noel, um anão peludo e de aspecto demoníaco que costuma viajar na garupa de seu amo.
Nos países protestantes, São Nicolau perdeu o aspecto de bispo católico, mas manteve seu papel de velhinho benéfico com o nome de Samiklaus, Sinterclaus o Santa Claus. No resto da Europa, esses festejos foram pouco a pouco sendo transferidos para a festa cristã vizinha mais importante, o Natal.
Mas o homem grandalhão, vestido de vermelho flamejante, com barba branca e o saco carregado de brinquedos, nasceu nos Estados Unidos, da caneta do célebre ilustrador e escritor Clement C. Moore, que em 1822 escreveu uma poesia na qual descrevia a figura do bom velhinho tal qual hoje a conhecemos. Ostentando um fortíssimo carisma de personagem positivo e benfazejo, esse novo São Nicolau, em suas roupagens americanas, logo transcendeu as fronteiras do Novo Mundo e conquistou o inteiro globo.
Pintura deslumbrante de São Nicolau, pela mão de Fra Angelico
Quem foi São Nicolau?
São Nicolau é uma figura envolta em mistério, mas pistas históricas e arqueológicas parecem comprovar que ele realmente viveu: seu nome aparece em algumas das antigas listas de participantes do primeiro Concílio de Nicéia (325), um encontro de todos os bispos da Igreja Cristã para tentar esclarecer o diferenças teológicas sobre a natureza de Cristo.
Na ausência de certas informações históricas, os biógrafos, no entanto, reconstruíram a vida de Nicolau, temperando-a com detalhes muitas vezes copiados de outras vidas de santos. Filho único de pais ricos, parece que desde cedo dava sinais da sua santidade: às quartas e sextas-feiras, de fato, mamava apenas uma vez por dia, para respeitar a abstinência prescrita pela Igreja cristã.
Não teve uma morte espetacular, como mártir: parece que morreu em poucos dias, de velhice, entre 345 e 352. E, como tinha feito ao longo da sua vida, mesmo quando morreu defendeu sua comunidade, dando aos fiéis um azeite perfumado com poderes milagrosos que jorraram de suas relíquias, guardadas na catedral de Myra até o século 11 (e levadas embora pelo povo da cidade italiana de Bari em 1087).
Até então, porém, sua fama permanecia restrita apenas à região da Lícia. A virada ocorreu entre os séculos 7 e 8, quando, em frente ao litoral lício onde ficava o santuário, bizantinos e árabes lutaram pela supremacia sobre o mar. Assim veio o salto de status: Nicolau tornou-se uma referência dos marinheiros bizantinos e seu protetor, passando de santo local a santo internacional. Seu culto se expandiu ao longo das rotas marítimas do Mediterrâneo, alcançando Roma e Jerusalém, e logo depois Constantinopla, Rússia e o resto do Ocidente. No século 9, ele se espalhou para a Alemanha.
Interior da igreja de São Nicolau, de época medieval, na Turquia.
Protetor das crianças
Paralelamente, desenvolveu-se uma nova biografia do santo, “enriquecida” com novos episódios. Um dos mais famosos é a história das três meninas, particularmente difundida nos séculos 11 e 12: emocionado com o destino de três meninas irmãs, pobres, cujo pai pretendia torna-las prostitutas (como era comum acontecer, naqueles tempos, nas famílias mais pobres e que não conseguiriam proporcionar um dote para suas filhas), durante três noites seguidas Nicolau jogou pela janela aberta da casa pequenos sacos repletos de moedas de ouro: um saco para cada menina. Mais tarde, essas moedas foram simbolizadas na iconografia pelas bolas vermelhas e douradas que enfeitam as árvores de Natal). Essa pequena fortuna presenteada pelo santo foi usada como dote para os casamentos das três irmãs. Bastaria essa história para conferir a Nicolau a fama de doador generoso de presentes, além de patrono das virgens e fiador da fertilidade das mulheres.
Por outro lado, o seu relacionamento especial com as crianças deriva de uma triste história medieval: uma noite, três meninos pedem hospitalidade em uma pousada; o estalajadeiro e sua esposa os recebem com alegria, pois tinha acabado toda a carne disponível na despensa. Assim, o dono da estalagem e sua mulher mataram os três meninos, cortaram seus corpos em pedaços e os colocaram em salmoura.
Logo após o massacre, São Nicolau bate à porta e pede um prato de carne. Quando o dono da casa, temeroso, se recusa a servi-lo, o santo se dirige à despensa, e lá retira do grande barril de salmoura os três meninos – todos eles vivos e bem.
Essa história circulou principalmente nas escolas eclesiásticas, e adquiriu tamanha aura de veracidade que, a 28 de dezembro, a Igreja local instituiu a Festa dos Inocentes. A partir do final do século 13, o dia 6 de dezembro passou a ser o dia em que se comemora São Nicolau. A tradição atingiu seu auge no século 16 (em alguns lugares persistiu até o século 19). Mas até hoje sobrevive nas escolas e nas casas graças às crianças, que continuam a festejar o santo e a receber seus presentes no dia a ele dedicado.
A história e a tradicional devoção a São Nicolau ainda é bastante difusa em duas cidades italianas: Bari (nas Apúlias) e em Veneza. Depois que, em 1087, Myra caiu em mãos muçulmanas, moradores de Bari fizeram uma expedição àquela cidade. As relíquias – os ossos – do santo fizeram parte do botim levado para a Itália.
Cerca de 10 anos depois, Myra foi novamente saqueada, desta vez pelos venezianos, que levaram para sua cidade algumas relíquias remanescentes que não tinham sido tomadas pelos bareses. Os venezianos transportaram aqueles restos para a abadia de São Nicolau do Lido, e passaram, como os bareses, a se vangloriar pela posse dos despojos do santo. São Nicolau foi declarado protetor da frota da Sereníssima.
Mas o São Nicolau cujas relíquias estão Bari é o mesmo São Nicolau de Veneza? A dúvida persistiu durante séculos, até que, em 1992, análises do DNA provaram que os restos pertencem à mesma pessoa.
Há poucos anos, na Turquia, arqueólogos descobriram uma sepultura que, segundo as pesquisas, mostrou ser aquela de São Nicolau.
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