Palmira ameaçada. Capital da rainha rebelde poderá ser destruída

Um dos sítios arqueológicos mais importantes e bem conservados do mundo acaba de cair nas mãos dos terroristas do Estado Islâmico. As ruínas da capital de Zenóbia, rainha legendária, estão agora sob ameaça de aniquilamento.

Um dos sítios arqueológicos mais importantes e bem conservados do mundo acaba de cair nas mãos dos terroristas do Estado Islâmico. As ruínas da capital de Zenóbia, rainha legendária, estão agora sob ameaça de aniquilamento.
Um dos sítios arqueológicos mais importantes e bem conservados do mundo acaba de cair nas mãos dos terroristas do Estado Islâmico. As ruínas da capital de Zenóbia, rainha legendária, estão agora sob ameaça de aniquilamento. (Foto: Gisele Federicce)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

 

continua após o anúncio
Trecho da Via das Colunas. Ela atravessava Palmira de ponta a ponta.

 

Por: Luis Pellegrini

continua após o anúncio

 

Visitá-la, agora, é impossível, por causa da guerra em curso na Síria e por ter sido conquistada, há poucos dias, por tropas do Estado Islâmico. Mas para todos que ali chegassem, ela surgiria como uma miragem esplêndida, entre as areias do deserto, um enorme complexo de ruínas de pedra junto à moderna cidade síria de Tadmor. É Palmira, uma das mais belas urbes da antiguidade, considerada um dos berços da civilização.

continua após o anúncio

 

continua após o anúncio

Busto feminino encontrado em Palmira, acredita-se seja retrato da Rainha Zenóbia.

 

continua após o anúncio

A sua história é famosa sobretudo por uma rainha, Zenóbia: bela, culta e corajosa, em muitos aspectos similar a Cleópatra, conquistou o Egito e ousou desafiar Roma. Sob o seu reinado, Palmira se tornou um lugar de tolerância, no qual várias religiões muito diversas conviveram em paz; um lugar de cultura, onde as artes podiam ser praticadas livremente e em níveis máximos; um lugar de comércio e intercâmbios intensos, onde fortuna e riquezas estavam ao alcance de muitos.

 

continua após o anúncio

continua após o anúncio
A monumental Via das Colunas, artéria principal de Palmira.

 

Sobre Zenóbia são escassas as notícias históricas, e as poucas fontes que chegaram até nós com frequência mostram contrastes, por excesso ou por falta de zelo. Ao certo sabe-se que se tornou rainha no ano 267 da nossa Era, após a morte do marido Settimio Odenato. Viúva, Zenóbia assumiu o trono como regente do filho Vaballato, demasiado jovem para fazê-lo. Alguns diziam que ela era filha de um próspero comerciante de Palmira, mas diversos outros historiadores modernos afirmam que seu pai era Júlio Aurélio Zenobios, um personagem político a quem os palmirenses dedicaram uma estátua entre os anos 240 e 242, período em que provavelmente nasceu a futura rainha. Bet-Zabbai, o nome em aramaico de Zenóbia, significaria “filha de Zabbai”, um seu antepassado.

 

As duas faces de uma moeda romana do Período Antonino com a efígie de Zenóbia.

 

Rainha legendária

Para os antigos, essa mulher era muito mais que uma legenda. Mas, apesar de ser descrita como “extremamente cativante e atraente, casta, carismática e generosa”, ninguém nunca descreveu seu aspecto físico ou o seu rosto. Sabe-se que Zenóbia, além de ser uma bela mulher,  possuía também aqueles dotes viris necessários para uma rainha. Ela, com efeito, participava das batalhas, a cavalo ou guiando o seu carro de guerra, e sua resistência física lhe permitia percorrer a pé distâncias equivalentes a dez quilômetros ou mais. Era além disso apaixonada pela caça e pelo vinho, porém conseguia manter-se sóbria até mesmo quando os homens tinham sucumbido à embriaguez.

Zenóbia era culta, poliglota, bem dotada para o campo político: conhecia, além do aramaico, também o egípcio, o grego e um pouco de latim. Era amada pelos seus súditos e mantinha um corte faustosa, frequentada por intelectuais, artistas e filósofos.

 

Palmira era um antigo centro de caravanas, mas ao chegarem, os romanos acrescentaram termas, monumentos, templos e um grande teatro, além de uma longa via ladeada por colunas que logo se tornou o símbolo da cidade (Ilustração).

 

“Zenóbia era a imagem retórica e altamente idealizada de uma soberana de cultura helenística-oriental, forte e iluminada”, explica Eugenia Equini Schneider, docente de arqueologia das províncias romanas na Universidade La Sapienza, de Roma, no seu ensaio sobre a rainha. “E as sugestões que a associam a Cleópatra são fortíssimas”. Apesar disso, haviam na Antiguidade vozes discordantes. Entre os que lhe eram hostis está o grego Zózimo, para quem Zenóbia era soberba. Isso é confirmado pelos judeus, que levaram para a posteridade a memória do desprezo com que ela recebeu dois rabinos vindos para lhe pedir a libertação de um correligionário aprisionado. Parece que Zenóbia interrompeu e cortou a conversa dizendo: “Vocês ensinam que o seu deus criador opera milagres para aqueles que se dedicam ao seu serviço. Recorram a ele”.

 

O reino de Palmira à época de Zenóbia

 

Desejo de liberdade e poder

Mas, na verdade, Zenóbia tratava com tolerância os judeus e favorecia a integração e a convivência de culturas e religiões diversas. Palmira era, com efeito, um importante centro de caravanas às margens do rio Eufrates, no deserto da Síria. A cidade era muito viva e se situava em meio a um vasto oásis, com água farta e repleto de vegetação. Palmira se situava numa encruzilhada de diferentes rotas comerciais e militares, e era um ponto de encontro de mundos diversos, os dos mercadores do Oriente e do Ocidente.

Sua posição geográfica a favorecia inclusive nas suas relações com o Império Romano, permitindo que conservasse uma certa autonomia. Para os romanos era importante manter um bom contato com a rainha, pois o seu reino representava um território tampão entre as províncias romanas orientais e o império dos partas (da Pártia, civilização de origem persa cujo território era o noroeste do atual Irã), desde sempre hostis a Roma. Com seus movimentos de conquista, os partas incomodavam também os palmirenses, que por causa deles tinham perdido o acesso a várias vias comerciais. Talvez por estas razões, bem mais do que para atender aos interesses dos romanos, o marido de Zenóbia tinha implementado várias ações de modo a atrapalhar os movimentos dos partas.

 

Zenóbia, rainha de Palmira, em ilustração do período clássico.

 

Odenato era perfeitamente consciente do potencial político e militar de Palmira e das dificuldades de Roma para gerir uma terra tão remota. Seu controle sobre as províncias romanas orientais e sobre a Síria tornara-se efetivo após ter ele obtido do imperador Galeno o título de “co-regente de todo o Oriente”. Se quisesse, esse rei palmirense teria inclusive podido tentar o grande golpe: separar-se completamente do Império Romano. Não se sabe bem quais eram as suas intenções, mas o certo é que as relações de Palmira com os partas se tornaram menos tensas quando, em 267, o rei foi assassinado junto com o filho do primeiro casamento, Septimius Herodianus. Quanto aos mandantes do homicídio existem muitas hipóteses: alguns dedos apontam para Zenóbia, e outros contra o imperador romano Galeno.

 

Um dos gigantescos pórticos que davam acesso à cidade. Palmira era inteiramente cercada por muralhas.

 

Zenóbia queria dominar a Ásia e o Egito

De qualquer forma, aquilo que Odenato não conseguiu, foi alcançado por sua mulher. Zenóbia queria autonomia na sua relação com Roma, e almejava dominar a Ásia menor e o Egito, regiões que nominalmente faziam parte do Império Romano, mas que na realidade escapavam ao seu controle. Ela começou negociando um acordo com os partas para garantir a paz e a segurança das caravanas em trânsito. Galeno, que gostaria de ter partido com suas tropas para combater a rainha, não pode fazê-lo por ter de combater os godos que tinham invadido a Península Itálica. Zenóbia, no início da década de 270, já tinha tomado o controle dos territórios correspondentes à atual Jordânia. Foi nessa época que as tropas palmirenses massacraram uma inteira guarnição romana, obrigando os soldados sobreviventes a ingressaram nas fileiras do exército de Palmira.

 

Um camelo descansa diante das ruínas de Palmira.

 

Solucionados os problemas na Itália, no início de 272, o imperador decidiu retomar o controle sobre as províncias do Oriente. Reconquistou a Síria e o Egito, e logo em seguida Palmira. Zenóbia, que tentara fugir para o reino dos partas, foi presa e levada para Roma. Existem várias versões sobre sua morte, a mais aceita é de que ela parou de se alimentar e morreu de fome antes mesmo de chegar a Roma. Mas sua morte não conseguiu destruir a fama da rainha que ousou se rebelar ao Império.

Depois da reconquista romana, Palmira foi saqueada e suas muralhas foram derrubadas. Abandonada ao final pela população, tornou-se uma pequena aldeia e uma base militar para as legiões romanas.

 

As ruínas de Palmira são tão vastas que até hoje não se completaram as suas escavações arqueológicas.

 

Depois da conquista árabe em 634, Palmira se transformou pouco a pouco em ruína, até que, em 1678, alguns europeus começaram novamente a se interessar por ela. Alguns mercantes ingleses, com efeito, decidiram descobrir a localização exata das esplêndidas ruínas do deserto, agora cobertas pelas areias do deserto, tinham sido descritas por historiadores árabes. Uma expedição, em 1691, conseguiu descobrir onde ela estava, mas foram necessários mais 60 anos para que uma comitiva de desenhistas e arqueólogos ingleses visitassem as ruínas.

No final do século 19, o sítio começou a ser estudado de maneira científica: primeiro foram copiadas e decifradas as inscrições, e em seguida começaram as escavações arqueológicas que só se interromperam agora, por causa do atual conflito.

 

GALERIA

 

 

1 Esta foto e as demais desta galeria correm o sério risco de permanecerem apenas uma recordação. A cidade histórica de Palmira, a 240 quilômetros de Damasco, na Síria, está sob controle das milícias do Estado Islâmico. Os destinos dos homens que estavam lá para defende-la, e que foram aprisionados pelos terroristas, bem como os seus tesouros arqueológicos, Patrimônio da Humanidade, parecem agora fundidos na mesma perspectiva de aniquilamento. Nessa cidade síria se entrelaçam milênios de arte e história, contribuições culturais assírias, bizantinas e greco-romanas que conferiram a ela um estilo único e inconfundível. Por tudo isso, Palmira é um dos mais populares e amados sítios do turismo cultural mundial.

 

 

2 Textos assírios falam de Palmira como importante encruzilhada comercial para as caravanas do deserto que se dirigiam ao Oriente já no segundo milênio antes de Cristo.

 

 

3  A importância de Palmira e a sua ligação com o árido território onde ela surge, como um grande oásis, lhe fizeram ganhar a alcunha de “Esposa do deserto”. Na antiguidade, a sua posição tinha grande importância estratégica para os comerciantes que viajavam a Roma e a outras importantes cidades do Ocidente, bem como à Mesopotâmia, a Pérsia, a Índia e a China.

 

 

4 No ano 19 depois de Cristo, Palmira foi anexada à província romana da Síria, mas conseguiu manter, graças à sua riqueza, uma certa autonomia política, a ponto de ser declarada, um século mais tarde, “cidade livre”. A influência romana presenteou a cidade com alguns dos seus mais importantes monumentos, como o anfiteatro romano, erigido na segunda metade do século 2 depois de Cristo.

 

 

 

5  O Templo de Baal, erigido sob o domínio dos partas e consagrado entre os anos 32 e 38 depois de Cristo. Sob a influência romana, essa divindade, que fazia parte de uma trindade de deuses babilônios, foi assimilada ao deus grego Zeus. O teto hoje destruído do santuário, era inteiramente recoberto de ouro.

 

 

6 Soldados sírios protegem o Templo de Baal: há poucos dias, os homens armados que lá permaneciam para a defesa do sítio arqueológico, foram mortos pelos soldados do Estado Islâmico. A cidade, que no passado sobreviveu a vários terremotos violentos, já sofrera alguns danos devido à guerra civil na Síria.

 

 

7 Esse arco do triunfo foi erigido pelo imperador romano Settimio Severo entre o final do século 2 e o início do século 3 da nossa Era.

 

 

8 A estrutura fecha uma primeira parte da Via das Colunas que tem início no Templo de Baal. No entardecer, as ruínas arqueológicas de Palmira e as areias do deserto que as circundam se tingem de fortes tonalidades avermelhadas.

 

 

9 Detalhe de um capitel. Antes da guerra civil síria o sítio arqueológico recebia cerca de 150 mil turistas por ano. Agora teme-se que suas ruínas, sob o furor iconoclasta das milícias do estado Islâmico, tenham o mesmo fim daquelas da cidade assíria de Nimrud e as da cidade parta de Hatra, no Iraque, bem como as obras-primas do Museu de Mossul.

 

 

 

10 As mais de mil colunas de Palmira vistas do alto. O sítio é Patrimônio da Humanidade desde 1980. Em 2013, foi inserido na lista dos patrimônios em perigo.

 

 

11 Sobre a colina, por trás das colunas, é visível o castelo árabe do século 12 que domina a antiga cidade.

 

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247