Os muros ressurgem. Alimentados pela ignorância, o preconceito e a xenofobia

Um quarto de século depois da queda do Muro de Berlim os muros regressam à Europa e a vários outros países do mundo. Uns são de concreto, outros de arame farpado. Outros, ainda mais insidiosos, são criados por preconceitos grosseiros, políticos xenófobos e jornalistas irresponsáveis

Um quarto de século depois da queda do Muro de Berlim os muros regressam à Europa e a vários outros países do mundo. Uns são de concreto, outros de arame farpado. Outros, ainda mais insidiosos, são criados por preconceitos grosseiros, políticos xenófobos e jornalistas irresponsáveis
Um quarto de século depois da queda do Muro de Berlim os muros regressam à Europa e a vários outros países do mundo. Uns são de concreto, outros de arame farpado. Outros, ainda mais insidiosos, são criados por preconceitos grosseiros, políticos xenófobos e jornalistas irresponsáveis (Foto: Luis Pellegrini)


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Governos conservadores invocam os valores católicos, mas fazem tábula rasa da parábola do bom samaritano

 

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Por: Timothy Carton Ash

Fonte: Jornal The Guardian, Londres

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Os muros crescem em todo o mundo, sobretudo na Europa. Na Hungria, assumem a forma física de cercas de arame farpado, como em grande parte da antiga Cortina de Ferro. Na França, na Alemanha, na Áustria e na Suécia os controles de fronteiras foram “temporariamente” repostos dentro do espaço Schengen.

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Espalhados pela Europa há também muros mentais, mais altos cada dia que passa. A sua argamassa psicológica mistura medos totalmente compreensíveis - depois dos massacres de Paris feitos por gente que não teve dificuldade em atravessar a fronteira entre a França e a Bélgica - com preconceitos grosseiros, alimentados por políticos xenófobos e jornalistas irresponsáveis.

 

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Famílias inteiras, com seus velhos e crianças, fogem da Síria e do Iraque na tentativa de escapar aos riscos da guerra.

 

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De Orbán a Marine Le Pen

O que vemos em 2015 é o contrário da Europa de 1989. Recorde-se que a demolição física da Cortina de Ferro começou com a retirada do arame farpado entre a Hungria e a Áustria. Agora, a Hungria é líder na construção de novas cercas e o seu primeiro-ministro, Viktor Orbán, atiça o preconceito. É preciso afastar os migrantes muçulmanos, disse Orbán no início do outono, para manter a Europa cristã”.

Juntam-se a este coro cristãos tão exemplares como a francesa Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, que tem somado êxitos na política francesa, e Kelvin MacKenzie, do jornal inglês The Sun. Mackenzie usou a forma grosseiramente enganadora como aquele jornal apresentou um estudo de opinião com muçulmanos britânicos para escrever uma coluna com o titulo: “Esta sondagem chocante significa que temos de fechar a porta aos jovens imigrantes muçulmanos”.

 

Muitos refugiados se ferem com cortes profundos ao tentar passar pelas barreiras de arame farpado.

 

Como se os 2,7 milhões de muçulmanos que já estão no Reino Unido não fossem ter mais filhos, netos e bisnetos. Como se a minúscula, mas mortífera, minoria de terroristas islamitas da Europa já não estivesse entre nós, com muitos dos seus membros nascidos, criados e radicalizados nas ruelas do Reino Unido, Bélgica ou França.

Muitos europeus dizem, agora, que os seus países devem retomar os controles fronteiriços, mesmo dentro da zona Schengen. Em sondagens realizadas depois dos massacres de Paris, 70% dos holandeses afirmaram que o seu país devia fechar as fronteiras. Deixando de lado a questão de saber a que ponto isso contribui, de fato, para proteger as pessoas do terrorismo, fechar fronteiras internas é correr o risco de desmantelar aquilo que a maioria dos europeus mais aprecia na União Europeia.

Não se trata de uma mera afirmação retórica. No último Eurobarômetro, à pergunta “Qual considera o resultado mais positivo da UE?”, a resposta mais frequente (57% dos participantes) foi “a livre circulação de pessoas, bens e serviços na UE”. Durante vários anos, esta resposta disputou o primeiro lugar com a “paz entre os Estados- membros”.

 

O enorme muro de ferro instalado na fronteira entre o México e os Estados Unidos, para impedir a imigração clandestina dos mexicanos.

 

Três fatos distintos levaram ao retorno dos muros. O primeiro, no Reino Unido - e, em menor grau, noutras partes da Europa do Norte -, é a dimensão da circulação de pessoas na UE. Os europeus do Leste vieram, sobretudo, a partir do grande alargamento da União em 2004, representados pela figura simbólica do encanador polaco (que hoje tanto pode ser isso como um estudante de doutorado ou um gestor bancário). A estes se juntou todo um contingente vindo do Sul da Europa, desde que a crise da zona euro começou a obrigar doutorados em filosofia espanhóis, portugueses e gregos a se transformarem em empregados de bares e restaurantes em Londres e Berlim. Isto não tem nada a ver com Schengen, a que o Reino Unido não pertence, mas tem tudo a ver com a liberdade de movimentos que é questão central na UE.

 

Na entrada do Eurotúnel, que liga a França à Inglaterra, operários instalam altos muros para impedir a passagem de refugiados.

 

Afluxo de refugiados

Em segundo lugar, há a crise dos refugiados. Cada vez mais pessoas fogem das guerras, do terror e da miséria econômica que substituíram as ditaduras à antiga (que também causavam terror e miséria econômica) em grande parte do Oriente Médio e do Norte de África. Arriscam a vida nas mãos de contrabandistas e outros criminosos, para alcançarem a Europa e a  terra prometida que está no seu centro – a Alemanha. Segundo estimativas do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, até 19 de novembro chegaram à Europa este ano, por via marítima, 850.571 "refugiados e migrantes", tendo 3485 morrido ou “desaparecido" nas águas. O Mediterrâneo tornou-se um horizonte de esperança para os desesperados, mas também um imenso cemitério aquático.

Pouco mais de metade dos que chegaram pela via mediterrânea vieram da Síria e 20% do Afeganistão. Muitos deles – os que chegam a bom porto - são refugiados 100% genuínos, na medida em que têm, rigorosamente, um “medo justificado de serem perseguidos” no seu país. Mas, como afirma o ACNUR, entre eles há, inevitavelmente, os que fogem às condições materiais intoleráveis que se geram nos Estados falhados. Ganha relevância então o espaço Schengen, que tem 30 anos e abarca 26 países: é que uma vez lá dentro, os refugiados têm maior facilidade em seguir para a Alemanha, dada a inexistência de controles fronteiriços. Já queriam ir para lá antes de a chanceler Angela Merkel ter dito, no verão passado, que os receberia a todos.

 

A polícia húngara usa spray de pimenta para impedir a entrada de refugiados provenientes da Sérvia. 

 

Em terceiro lugar, há terroristas islamitas, que recentemente chacinaram inocentes num teatro e restaurantes de Paris. A maioria radicalizou- se na Europa, embora alguns tenham aprendido a arte do assassinato na Síria ou no Afeganistão.

É possível que pelo menos um dos assassinos de Paris tenha entrado na Europa sem fronteiras de Schengen como “refugiado” com um passaporte sírio (verdadeiro ou falso). Em todo o caso, e graças a Schengen, todos puderam movimentar-se livremente de e para Bruxelas. Assassinos sem fronteiras...

Assim, fica tudo misturado no atual caldo de medo europeu, agitado por demagogos da política e das mídias: o cidadão migrante da UE, inteiramente legal, o migrante ilegal de fora, o meio-migrante-econômico meio-refugiado-político vindo da Síria, o refugiado politico clássico da Eritreia, o muçulmano e o terrorista. Há uma espécie de continuidade imaginária que vai do encanador polaco ao bombista suicida sírio.

 

 

Santa aliança ultraconservadora

Entretanto, o novo Governo do encanador polaco, composto na essência por cristãos particularmente fervorosos, uniu–se à Hungria e à Eslováquia para dizer que não aceitará nenhum desses migrantes muçulmanos. Nada de bons samaritanos, por favor: somos cristãos...

Além da divisão norte-sul aberta pela crise da zona euro, surge a nova brecha este-oeste. A Europa do Leste recusa dar a solidariedade que, noutros assuntos, tanto pediu aos parceiros europeus. O Sudeste da Europa fica entalado. Recentemente a polícia macedônia empurrou migrantes até à fronteira grega. Na manobra, 40 pessoas ficaram feridas. E isto é apenas um aperitivo do que poderá suceder nos Balcãs se a fronteira externa da UE não se tornar menos porosa, especialmente para quem vem da Turquia, enquanto a Europa do Norte vai dizendo "Já chega!”

Um dia ouvi Angela Merkel - que sabe o que é viver atrás de uma Cortina de Ferro - defender que, para mostrar aos jovens o valor de uma Europa livre e aberta, talvez fosse conveniente fechar as fronteiras nacionais um dia ou dois. Bom, é possível que tenhamos ocasião de experimentar a sugestão de Merkel. Ironicamente, isso deve-se em parte ao seu engano enormemente generoso, quando pareceu dizer que todos os refugiados eram bem vindos na Alemanha, sem se certificar de que os outros países europeus seguiriam o seu exemplo.

Saber se a experiência teria, ou não, o efeito desejado é outra questão. De momento só podemos dizer com certeza que a Europa era conhecida como o continente onde os muros caíam e, agora, é o continente onde eles voltam a erguer-se. 

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