Os frutos amargos da arrogância
Os gregos diziam que a arrogância - que eles chamavam hübris - era o único pecado irremissível. Hoje, basta olhar o mundo da política, da ética, da justiça social, do modo como destruímos nosso planeta, para compreender: Esta é a era da arrogância.
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Por Luis Pellegrini
Fonte: www.luispellegrini.com.br
De quanta terra precisa o homem?, é o título de um conto de Leon Tolstoi. Nele, um homem faz pacto com o diabo. Receberá toda a terra que conseguir percorrer a pé, durante um dia, do nascer ao pôr-do-sol. O homem passa o dia sem se conceder descanso. Quando o sol já se aproxima do horizonte, ele não se dá por satisfeito. Intensifica o esforço, corre. Falta-lhe fôlego, mas ele não pára. Quer ainda possuir aquele vale, aquele bosque. Quando cai morto de fadiga, o conto explica de quanta terra precisa um homem: se ele não tem consciência de limites, apenas sete palmos lhe bastam para a cova. Mais do que isso não é preciso para ser enterrado.
A trágica moral contida nesse conto sintetiza um mito-chave para a compreensão da atual mega crise ecológica, financeira, social, profissional, ética e política que nossa civilização enfrenta: o mito do único pecado que os gregos consideravam capital, a arrogância, entendida sobretudo como falta de consciência de limites, como ambição desmedida, como desejo incontrolável de posse e de poder.
Para os gregos antigos, a arrogância era o maior de todos os pecados. Era a falha que não tinha remissão. Eles a chamavam hubris, e acreditavam que incorrer nessa falha acarretava a danação eterna. Os deuses não perdoavam o pecado de hubris, pelo simples fato de que, para eles, ele escondia o mais nefasto e proibido de todos desejos: o de se igualar aos próprios deuses.
Não é assim, desse modo arrogante – feito de destruição e poluição do meio ambiente e de exploração insustentável dos recursos naturais – que tratamos nosso planeta-mãe, a Terra? Convencidos de que somos o centro do mundo e de que todas as coisas foram criadas para satisfazer nossos desejos e necessidades, inventamos uma cultura inteiramente destituída de bom senso: a cultura da produtividade e do consumismo insustentáveis. E, como o homem do conto de Tolstoi, não conseguimos mais parar. Seguimos em frente, derrubando e queimando florestas, matando lagos e rios, poluindo os mares e a atmosfera, extinguindo a cada dia várias espécies de plantas e de animais. Sem falar nas mazelas que produzimos para nós mesmos, em termos de perturbações da saúde física, psíquica e mental, ao nos impormos um ritmo e uma carga insustentáveis de trabalho, de produção e de consumismo.
Embriagados pelo desejo de posse e de poder, cada vez mais distantes das sabedorias antigas das quais somos herdeiros, vivemos hoje no esquecimento de que a arrogância, por contrariar a ordem natural das coisas, constitui um fator maior de desequilíbrio. Sem se lembrar de que, por uma lei natural, toda ação que leva ao desequilíbrio gera uma força igual e contrária que procura restabelecer o equilíbrio. Essa força, que os gregos chamavam Nêmesis, era simbolizada por uma deusa implacável, avessa a qualquer compromisso, a qualquer oferenda, a qualquer intercessão apaziguadora. Para os gregos, o aquecimento global nada mais seria do que uma das tantas emanações de Nêmesis: a conseqüência nefasta de uma ação errônea.
Esse tipo de raciocínio, por sinal, há muito deixou de ser formulado no âmbito estrito da filosofia e da religião, para invadir o território mais pragmático da ciência. Cita-se como exemplo a Hipótese Gaia, do cientista inglês James Lovelock. Para ele, a Terra não é uma simples bola mineral a rodopiar pelo espaço a fora. Longe disso, Lovelock e seus seguidores entendem nosso planeta como um ser vivo, pulsante, dotado não apenas de um corpo físico, mas também de uma psique e de uma inteligência. Um macro-ser, em tudo análogo a seu filho, o ser humano.
Até quando a Terra suportará sem reagir todos os arranhões que estamos produzindo em sua superfície? perguntava Lovelock há cerca de três décadas, quando lançou sua teoria. Não precisou esperar muito pela resposta. Ela está aí: O planeta reage às agressões de múltiplas formas e, no momento, a mais ameaçadora delas chama-se aquecimento global.
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