Obesidade: Uma epidemia com várias causas
Comidas que viciam, falha no sistema de compensação neurológico e fatores genéticos mostram por que é tão difícil manter o peso. A obesidade se alastra pelo mundo a fora
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Por: Equipe Oásis
Ao redor do ano 2022, recente estudo prevê que cerca de 113 milhões de cidadãos norte-americanos serão classificados como "obesos" e mais de 81 milhões como "acima do peso". Com os Estados Unidos imbatíveis na liderança da lista, e o Brasil em segundo lugar, o estudo também revela que as oito nações com maior numero de obesos já somam, juntas, 167 milhões de pessoas. A expectativa é que esse número cresça, em 2022, para 213 milhões.
Depois dos Estados Unidos e do Brasil, completam a lista, pela ordem, o Canadá, Japão, Grã Bretanha, Itália, Espanha e França. Os obesos brasileiros deverão em 2022 atingir e superar a soma de 64 milhões: quase o triplo do seu número nos dias de hoje.
A verdade é que a cada ano aumenta a quantidade de obesos e de pessoas com excesso de peso no mundo. E, pior, esse número crescente não é mais uma particularidade de países desenvolvidos, como os Estados Unidos. Já no final da última década, uma Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelava que metade da população adulta brasileira está acima do peso. A mudança no padrão de alimentação – aumento no consumo de comidas industrializadas – e a vida sedentária são os principais fatores de sobrepeso.
Ao longo dos anos, com o aumento da obesidade e da preocupação sobre o tema, foram desenvolvidos muitos estudos para se combater esse mal. É muito aceita a hipótese de que a obesidade pode ser uma doença sem uma única causa, mas várias. Predisposição genética, meio ambiente, vírus e distúrbio alimentar estão entre os fatores que podem desencadear um quadro de obesidade.
Uma teoria é de que a obesidade pode ser hereditária. Pesquisas feitas pelo Consórcio de Investigação Genética de Traços Antropométricos (Giant), que conta com mais de 400 cientistas de 280 instituições de pesquisa ao redor do mundo, mostraram novos determinantes genéticos relacionados ao alto índice de massa corpórea (IMC) e à distribuição de gordura no corpo.
Um gene é o responsável
No primeiro estudo sobre o IMC, os cientistas identificaram 32 regiões que podem estar associadas ao IMC, 18 das quais nunca haviam sido relacionadas à obesidade antes. Uma das novas variantes descobertas está no gene que faz a codificação para um receptor de proteína que responde a sinais vindos do estômago e influencia no nível de insulina e no metabolismo. Outra variável fica próxima a um gene conhecido por codificar proteínas que afetam o apetite.
Embora se diga que o efeito de cada variante seja modesto, os voluntários que têm mais de 38 delas eram, em média, de 6 a 9 quilos mais pesados que os que tinham 22 variantes ou menos. É importante lembrar que a expressão dessas variantes é muito pequena quando se quer determinar se, no futuro, uma pessoa será obesa. Tanto fatores genéticos quanto ambientais interferem no peso.
No segundo estudo foram encontrados 13 determinantes genéticos que influenciam a distribuição de gordura corporal, a razão cintura-quadril. De acordo com essa razão, o fato de a gordura ser armazenada na região do abdômen aumenta o risco de diabetes tipo 2 e doenças cardíacas. Por outro lado, ao se estabelecer o quadril ou coxas, ela pode ser benéfica, nos protegendo desses males.
Vírus da obesidade
Já pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, acreditam que a obesidade seja transmitida de pessoa para pessoa como se fosse uma infecção. Não por acaso, os cientistas apelidaram a doença de "infectobesidade", causada pelo adenovírus 36, uma variação do vírus associado ao resfriado. O estudo foi feito com 124 crianças de 8 a 18 anos e constatou-se que 54% delas eram obesas. Dezenove crianças apresentavam o adenovírus 36 e, desse total, 78% tinham quadro de obesidade.
Outra observação foi que as crianças que portavam o vírus pesavam, em média, 22 quilos a mais que aquelas que não o tinham. Os cientistas alertam que esse excedente pode significar um aumento no risco de outras doenças, como problemas cardíacos, diabetes e doenças no fígado.
A ideia de uma causa viral para a obesidade foi levantada uma década atrás por Nikhil Dhurandhar, professor do Centro de Pesquisa em Biomedicina de Pennington, nos Estados Unidos. Ele notou que os frangos que morriam durante uma epidemia de gripe (causada pelo adenovírus) na Índia, nos anos 1980, eram mais gordos, ao invés de serem magros, perfil esperado de um organismo doente.
42% de obesos nos EUA
Pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, estimam que a epidemia de obesidade na América do Norte não vai parar até que pelo menos 42% dos adultos estejam obesos. O estudo de matemática modular, que levou em consideração dados de 40 anos do estudo Framingham Heart sobre doenças cardiovasculares, foi publicado no periódico PloS Computational Biology.
Gordura vicia
Além da predisposição genética e de um vírus da obesidade, evitar essa doença se torna muito difícil, já que alimentos extremamente gordurosos e deliciosos estão ao nosso alcance a toda hora. Um artigo que saiu no periódico Nature Neuroscience dá uma outra perspectiva do porquê é tão difícil deixar de comer alguns pratos e alimentos gordurosos, mas muito palatáveis. Em uma experiência com ratos foi constatado que aqueles que se alimentavam de comida gordurosa apresentavam um déficit nos receptores de dopamina D2, hormônio que está associado à sensação de prazer e satisfação.
No experimento, os ratos foram divididos em três grupos: um que só se alimentava de ração, um que tinha acesso limitado a comidas gordurosas e um que poderia comer todos os alimentos gordurosos que quisesse. Depois de 40 dias, os ratos que tinham acesso ilimitado à gordura ganharam muito mais peso se comparados aos demais roedores. "O desenvolvimento da obesidade em ratos com acesso ilimitado à comida palatável está muito associado à piora do sistema de recompensa do cérebro", escrevem os cientistas.
Os pesquisadores afirmam que déficits similares no sistema de recompensa do cérebro foram reportados em ratos viciados em drogas, como cocaína injetável. Logo, essa deficiência de receptores de dopamina D2 pode levar ao exagero na comilança, contribuindo para a obesidade.
Por que as dietas falham?
Segundo cientistas da Universidade da Pensilvânia, seguir uma dieta de emagrecimento faz com que o cérebro fique mais sensível ao estresse e busque recompensas calóricas, como comidas gordurosas. Um experimento feito com ratos mostrou que o nível de cortisol, hormônio relacionado ao estresse, é muito maior naqueles que perderam peso em relação ao grupo de controle. Foi constatado que houve mais episódios de descontrole alimentar e ganho de peso nos roedores que passaram por dieta.
Descontrole com a comida
De fato, a oferta de comida extremamente palatável aumenta cada vez mais. Indústrias trabalham muito com produtos que priorizem a praticidade e o sabor acentuado. Esse tipo de alimento geralmente contém muitas substâncias que, em excesso, fazem mal ao organismo, levando ao ganho de peso, ao aumento de colesterol e de triglicérides, entre outros problemas. "A oferta de alimentos palatáveis de alta caloria favorece episódios de transtorno alimentar compulsivo periódico. Mas também a questão da aprendizagem influi", diz Hermano Tavares, médico psiquiatra e coordenador do Ambulatório dos Transtornos por Impulso do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.
Segundo ele, existe a necessidade de uma figura que zele pela boa alimentação das crianças e pelo aprendizado alimentar. E hoje, em razão do ritmo de vida e da inserção da mulher no mercado de trabalho, é mais difícil encontrar lares com tal figura de autoridade. "Às vezes, as pessoas comem de maneira equivocada porque não foram ensinadas como se alimentar de maneira apropriada", argumenta. Além disso, há estudos que mostram que há doenças que têm fatores contribuintes de origem intrauterina. Maus hábitos alimentares podem comprometer a saúde do bebê no período em que ele está na barriga da mãe.
Tavares aponta que a reeducação alimentar seria um bom modo de combater a obesidade. Isso porque ela pode estar associada a outras dependências, como a ansiedade. É possível combater a ansiedade com psicoterapias e medicamentos, mas ainda assim é necessário ter um hábito alimentar saudável. O psiquiatra observa que uma linha de pesquisa da disciplina de telemedicina da Faculdade de Medicina da USP, batizado de Academia Nutricional, para estimular a reeducação alimentar.
A Academia Nutricional funcionaria como um colégio, com aproximadamente 3 anos de duração, e se fundamentaria em cinco pilares. O primeiro diz respeito a experimentar novos sabores e alterar, numa taxa de 3% ao mês, o cardápio da pessoa. Já o segundo pilar se basearia na conscientização dos benefícios que cada alimento traz ao corpo. No terceiro momento, o nutricionista agiria como um negociador, que tiraria algum alimento do prato do paciente e o substituiria por um mais saudável. O quarto pilar seria alimentar um bichinho virtual (representação do aluno), como modo de trabalhar a conscientização e a honestidade consigo mesmo. O último fundamento é a formação de comunidades para estimular a boa alimentação e a experimentação de novos sabores.
Tavares afirma que esse método de reeducação alimentar pode ser muito eficaz, já que se está lidando com um comportamento praticado por anos. "É preciso de métodos muito criativos para se promover uma mudança comportamental. Tudo, claro, num ambiente afetivo, porque ele facilita essa mudança. A brincadeira do bichinho virtual pode envolver mais respostas afetivas", argumenta.
Paladar da mãe influencia na dieta do filho
Estudo publicado no periódico Proceedings of Royal Society B mostrou que a alimentação da mãe na gravidez pode influenciar no paladar do filho. O experimento foi feito com dois grupos de ratos: um em que as mães se alimentavam de comidas com sabores mentolados e cerejas, e outro em que elas tinham uma dieta branda. Os filhotes do primeiro grupo tinham um glomérulo (região do cérebro responsável pelo odor) maior. É a primeira evidência de que os odores no útero podem alterar o modo como o cérebro se desenvolve. Acredita-se que todos os mamíferos desenvolvam seu paladar do mesmo modo.
Novos modos de emagrecer
Em busca de combater o sobrepeso com mais eficácia, muitos métodos de emagrecimento estão sendo reformulados. Entre eles está a contagem de calorias. Os Vigilantes do Peso do Reino Unido implantaram recentemente o sistema ProPoints, em que os alimentos ganham pontuação por suas características e seu modo de preparo e não pela quantidade de calorias que possuem (antigo método).
Pesquisas realizadas pela própria instituição constataram que o sucesso em emagrecer não diz respeito somente à contagem de calorias, mas quão rápido nosso corpo processa os nutrientes. Por exemplo, de acordo com o antigo sistema, uma barra de chocolate e um bife tinham a mesma pontuação. Mas o corpo pode queimar 25% mais energia digerindo proteínas e fibras (carne) que processando açúcares e gordura (chocolate).
O ProPoints trabalha com uma meta de consumo de pontos diários, baseada em gênero, idade, peso e altura. Ao mesmo tempo, há um bônus de pontos por semana que podem ser gastos em qualquer dia, como preferir. Então, a pessoa, caso tenha um jantar ou uma festa, não precisa se limitar tanto pela dieta. Por enquanto, a medida do ProPoints só foi implantada no Reino Unido. Mas possivelmente, em breve, será utilizada pelo Vigilantes do Peso do Brasil.
Outro método de emagrecimento que tem sido posto em xeque são os exercícios físicos. Estudos recentes mostram que, a partir de um certo ponto, o corpo para de queimar energia e começa a querer repô-la, fazendo com que a pessoa coma mais e engorde. Um experimento realizado na Universidade de Louisiana, nos Estados Unidos, analisou quatro grupos de mulheres com sobrepeso durante 6 meses. No primeiro, elas se exercitavam 72 minutos por semana. No segundo, por 136 minutos. Já o terceiro grupo, por 194 minutos. As mulheres membros do último seguiam sua rotina normal, sem exercícios adicionais.
No final do estudo, os pesquisadores não constataram nenhuma diferença significativa de perda de peso entre aquelas que se exercitaram em relação ao grupo de controle. Os cientistas sugerem que isso aconteceu em virtude de um sistema de "compensação" do corpo, pois aquelas que se exercitaram compensaram as calorias gastas comendo mais, como uma forma de auto-recompensa.
Obsessão por comer
O transtorno alimentar compulsivo periódico (TCAP) é um distúrbio em que, por muitos episódios, a pessoa perde o controle e come até passar mal ou até a comida acabar. Grande parte dos pacientes com esse transtorno tem sobrepeso e cerca de 30% dos obesos têm esse comportamento. "A perda de controle com a comida não é obesidade. Ela é frequentemente associada a outras formas de perda de controle, como jogo, sexo, compras", explica Hermano Tavares, coordenador do Ambulatório dos Transtornos por Impulso do Instituto de Psiquiatria da USP. Esse descontrole é mais comum do que se pensa. Imagine uma noite mal dormida, estresse no trânsito, período de pressão no trabalho somados a um jejum de 12 horas. Depois desse dia, quando for a uma churrascaria, tente se controlar. "A tendência de perder o controle está associada a fatores genéticos e ambientais", conclui.
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