O poder do toque: Tocar é dar vida
Até pouco tempo atrás, gestos como um afago ou um tapinha nas costas eram ignorados pela ciência. Hoje em dia, porém, eles são vistos como importantes ferramentas de expressão emocional, que trazem benefícios comprovados para a saúde física e mental
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Por Eduardo Araia
“Tocar pode significar dar vida”, dizia o mestre renascentista Michelangelo Buonarroti. Numa célebre pintura do artista italiano, A Criação de Adão, Deus insufla vida ao primeiro homem tocando seu dedo indicador. Para os cientistas, entretanto, o toque nunca havia despertado muito interesse. Um tapinha nas costas ou uma carícia no braço são, em geral, colocados na relação de gestos incidentais como franzir a testa ou apoiar o queixo na mão. Na verdade, não são.
Estudos recentes demonstram que o toque é muito mais importante do que se imagina. Ele é fundamental, por exemplo, na comunicação humana, no estreitamento de relações e na saúde. “(O toque) é a primeira linguagem que aprendemos e nosso mais rico meio de expressão emocional através da vida”, diz o norte-americano Dacher Keltner, professor de psicologia da Universidade da Califórnia em Berkeley, um dos mais renomados pesquisadores da área.
O antigo menosprezo em relação ao toque provavelmente tem raízes no modo como cada cultura o vê. Os primatas passam entre 10% e 20% de seu tempo de vigília afagando a pele ou os pelos de outros membros de sua comunidade, porque o exercício é um meio importante para construírem relacionamentos de cooperação. Entre os parentes humanos, porém, esses índices são bem mais variáveis. Norte-americanos e ingleses, por exemplo, quase não se tocam, enquanto povos de origem latina, como brasileiros e italianos, tocam-se muito.
Ingleses, pouco ou nada
Nos anos 1960, o psicólogo canadense Sidney Jourard já salientava essas diferenças ao estudar conversas entre amigos em várias partes do mundo. Os ingleses que ele observou, por exemplo, não se tocaram nenhuma vez; os norte-americanos, duas. Já os franceses tocaram um ao outro 110 vezes por hora, e os porto-riquenhos, 180 vezes por hora. Em inglês, a recorrente expressão “don’t touch me” (“não me toque”) é um indicador do caráter reservado dos anglo-saxônicos.
Não tocar o outro ou tocá-lo pouco não impede, é claro, as sociedades de atingir um estágio adiantado de desenvolvimento, como a inglesa e a norte-americana são exemplos. Mas a ciência moderna mostra que o toque é muito benéfico – algo observável já no início da vida. Segundo um estudo da médica norte-americana Tiffany Field, diretora do Instituto de Pesquisas do Toque da Universidade de Miami, bebês prematuros que receberam três sessões diárias de 15 minutos de massagem terapêutica (o processo pelo qual vários tipos de toques e carícias são aplicados no corpo para melhorar a saúde e aumentar o bem-estar), por um período de cinco a dez dias, ganharam 47% de peso a mais do que aqueles cujo tratamento seguiu o roteiro tradicional.
Uma pesquisa com ratos, feita pela psicóloga norte-americana Darlene Francis e pelo psiquiatra canadense Michael Meaney, revela que os animais lambidos e acariciados muito pelas mães, na infância, se mostram mais calmos e resilientes diante de fatores de estresse na fase adulta, além de exibirem um sistema imunológico mais forte.
Segundo Keltner, é bem possível que esteja aí a explicação de por que bebês humanos deixados em orfanatos e privados de contato físico não atingem as medidas esperadas de altura e peso e apresentam problemas comportamentais ao longo da vida. “Contato físico insuficiente durante o crescimento pode estar relacionado ao risco de depressão em idade adulta”, reforça o neurocientista inglês Francis McGlone.
O poder calmante do toque foi documentado num estudo com mulheres conduzido pelos neurocientistas norte-americanos James Coan, Richard Davidson e Hillary Schaefer, da Universidade da Virgínia. As participantes foram colocadas num aparelho de ressonância magnética funcional e, avisadas de que ouviriam uma explosão seguida de “ruído branco” (tipo de barulho produzido pela combinação simultânea de sons de todas as frequências), apresentaram uma atividade intensa nas áreas do cérebro relacionadas a ameaça e estresse. Nada disso aconteceu, entretanto, com as participantes cuja mão era segurada por seu parceiro. O toque parece ter desativado a reação de medo nessas voluntárias.
As massagens feitas entre os membros de um casal podem render ainda mais dividendos, segundo estudos de Tiffany Field. Além da redução da dor, as vantagens incluem o alívio da depressão e o fortalecimento dos laços afetivos.
Toque e comunicação de emoções
Uma pesquisa da Universidade da Califórnia em Berkeley, conduzida pelo norte-americano Matt Hertenstein (hoje professor de psicologia na DePauw University) e com a participação de Keltner, investigou se os humanos podiam comunicar claramente emoções, como a compaixão, por meio do toque. Os pesquisadores montaram no laboratório uma divisória que separava dois voluntários, um desconhecido do outro. Enquanto um deles punha seu braço num espaço específico aberto na divisória e aguardava, a pessoa do outro lado recebia uma lista de emoções, que devia transmitir uma a uma por meio de um toque no antebraço do parceiro com um segundo de duração.
Segundo Keltner, dado o número de emoções em exame, as probabilidades de adivinhar a alternativa certa pelo acaso eram de cerca de 8%. “Mas, notavelmente, os participantes adivinharam a compaixão corretamente, cerca de 60% do tempo”, disse. Gratidão, raiva, amor e medo também tiveram índices de acerto acima dos 50%. Percebeu-se ainda que as pessoas não apenas identificam a gratidão, a compaixão e o amor transmitidos pelo toque como podem também diferenciar os tipos de toque usados com essa finalidade.
“Costumávamos pensar que o toque servia apenas para intensificar as emoções comunicadas”, afirmou Hertenstein. “Agora, nós o vemos como um sistema de sinalização muito mais diferenciado do que havíamos imaginado”. Esse e outros estudos levaram Keltner a concluir que o toque é uma linguagem primordial da compaixão e uma ferramenta básica para disseminá-la.
Toque carinhoso acalma
O toque tem um potencial, na saúde, que vai muito além do simples relaxamento. Só recentemente se começou a dedicar mais atenção a essa área. Já se sabe que um toque carinhoso básico acalma o estresse cardiovascular e ativa o nervo vago, diretamente ligado à resposta compassiva da pessoa. Tocar pacientes com a doença de Alzheimer lhes dá grandes benefícios em termos de relaxamento, redução da depressão e estabelecimento de conexões emocionais com outras pessoas.
De acordo com Tiffany Field, a massagem terapêutica reduz o cortisol, hormônio ligado ao estresse, e aumenta a produção de dois neurotransmissores, a dopamina (que estimula a atividade do sistema nervoso central) e a serotonina (responsável, entre outras funções, pela liberação de diversos hormônios e associada ao estado de felicidade).
No Instituto de Pesquisas do Toque, Tiffany tem feito diversas experiências de massagem terapêutica em pacientes com os mais variados problemas de saúde. “Não há uma única condição que tenhamos observado – incluindo o câncer – que não tenha respondido positivamente à massagem”, afirma. Nos estudos, ela constatou que a massagem terapêutica alivia problemas autoimunes (amplia a função pulmonar em casos de asma e reduz os níveis de glicose na diabete) e aumenta a função imune (por exemplo, eleva o número de células de defesa em pessoas com HIV ou com câncer). Ela descobriu ainda que crianças autistas (as quais, segundo se acreditava, detestam ser tocadas) adoram ser massageadas pelos pais ou por um terapeuta.
Toque melhora o desempenho
O toque também ajuda a deixar as pessoas mais alertas e melhora seu desempenho. Um estudo da Universidade da Califórnia em Berkeley, publicado em 2010 na revista Emotion, avaliou se há uma relação entre as vitórias dos times da National Basketball Association (NBA, a liga norte-americana de basquete) e os toques entre jogadores. Os pesquisadores descobriram que dois dos times de melhor rendimento no período estudado – o Boston Celtics e o Los Angeles Lakers – eram os líderes em toques entre jogadores (foram considerados toques, o bater de mãos espalmadas, os abraços e as peitadas). Já as duas equipes nas quais os jogadores menos se tocavam, o Sacramento Kings e o Charlotte Bobcats, tiveram desempenho medíocre.
A educação é outra área que pode se beneficiar do toque. Em um estudo do psicólogo francês Nicolas Gueguen, abordado em artigo publicado na revista Journal of Social Psychology, estudantes tocados no antebraço pelo professor evoluíram em termos de comportamento e produtividade, na comparação com os colegas não tocados. Gueguen verificou ainda que, quando os professores dão tapinhas amigáveis em alunos, estes ficam três vezes mais propensos a participar ativamente da aula.
Para Dacher Keltner, as pesquisas confirmam que existe uma conexão com um nível físico básico que deve ser exercitada. A princípio, ela não tem contraindicações e sua crescente lista de vantagens é cada vez mais lastreada em dados científicos, sem subjetivismos psicológicos. Quando alguém afirma a Tiffany Field que a massagem que ela e sua equipe aplicam tem sucesso porque “faz a pessoa se sentir bem”, a médica não deixa por menos: “Ora! A massagem funciona porque muda toda a sua fisiologia.”
A rota orgânica do toque
O neurocientista inglês Francis McGlone, da área de Pesquisa e Desenvolvimento da multinacional Unilever, e uma equipe da Universidade de Gotemburgo (Suécia) descobriram, em 2008, uma fibra nervosa, a fibra-C, que responde pela sensação de prazer originária de um toque agradável. Uma vez ativada, essa fibra leva a sensação ao córtex órbito-frontal (a área do cérebro que regula as emoções e está relacionada aos sistemas de recompensa e compaixão), o que causa a liberação de hormônios ligados ao bem-estar.
Entre eles está a oxitocina, o “hormônio do amor”, que, além de influenciar no estabelecimento e na manutenção de relacionamentos, estimula a confiança e reduz os níveis do cortisol, o hormônio do estresse.
McGlone ressalta que as fibras-C não têm relação com o prazer experimentado ao se friccionar órgãos sexuais, nem com as palmas das mãos ou as solas dos pés. Segundo o neurocientista, a fórmula perfeita para um toque carinhoso é fazê-lo numa extensão entre quatro e cinco centímetros de comprimento por segundo, aplicando dois gramas de pressão por centímetro quadrado. McGlone salienta ainda que as mensagens de prazer originárias do toque seguem da pele para o cérebro por fibras nervosas similares aos que enviam a sensação de dor – o que explicaria, por exemplo, por que um estímulo de dor é aliviado quando a região em que surge é imediatamente massageada ou acariciada.
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