O poder da arte. Como a pintura pode transformar comunidades
Os artistas Jeroen Koolhaas e Dre Urbahn criaram uma arte comunitária pintando bairros inteiros, e envolvendo os moradores que lá moram - das favelas do Rio às ruas da Filadélfia do Norte. O que faz do projeto deles um sucesso?
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Os artistas Jeroen Koolhaas e Dre Urbahn criaram uma arte comunitária pintando bairros inteiros, e envolvendo os moradores que lá moram - das favelas do Rio às ruas da Filadélfia do Norte. O que faz do projeto deles um sucesso? Nesta palestra divertida e inspiradora, os artistas explicam a sua particular abordagem da arte - e a importância de um churrasco com a vizinhança.
Vídeo: TED – Ideas Worth Spreading
Tradução: Maria Ferraz. Revisão: Célia Baldini
Eles assinam seus trabalhos como Haas&Hahn. Jeroen Koolhaas e Dre Urhahn, artistas holandeses, estão transformando inteiras zonas urbanas degradadas, como favelas e bairros, simplesmente usando cores, argamassa, e a colaboração entusiasmada da comunidade. Tudo começou no Rio de Janeiro, há dez anos, quando Haas&Hahn decidiram transformar a Praça Cantão, na Favela de Santa Marta, com o uso de enormes faixas nas cores do arco-íris que transformaram a precária e crua arquitetura das casas de tijolos nus em peças de uma imensa, colorida e alegre obra de arte.
Foram a seguir para a Favela da Vila Cruzeiro, conseguindo envolver cerca de 800 membros da comunidade no trabalho de reformatação visual do bairro. Graças aos bons resultados obtidos, foram convidados pela prefeitura de Filadélfia, nos Estados Unidos, para fazer o mesmo em um bairro degradado daquela cidade. E não pararam mais...
Vídeo da conferência de Haas&Hahn no TED Rio de Janeiro, em outubro 2014:
Tradução integral da palestra de Haas&Hahn:
Dree Urhahn: Este teatro foi construído em Copacabana, que é a praia mais famosa do mundo. Mas a 25 quilômetros daqui, na Zona Norte do Rio, fica uma comunidade chamada Vila Cruzeiro e cerca de 60 mil pessoas moram nela. As pessoas aqui no Rio, em sua maioria, conhecem a Vila Cruzeiro dos jornais, e infelizmente as notícias da Vila Cruzeiro com frequência não são boas. Mas a Vila Cruzeiro também é o lugar onde a nossa história começa.
Jeroen Koolhaas: Dez anos atrás, nós chegamos ao Rio pela primeira vez para filmar um documentário sobre a vida nas favelas. Agora, nós aprendemos que favelas são comunidades informais. Elas surgiram ao longo dos anos quando os imigrantes do interior chegaram às cidades procurando trabalho. São como cidades dentro de cidades, conhecidas por problemas como o crime, pobreza, e a violenta guerra contras as drogas entre a polícia e a gangues do tráfico. Então, o que nos chamou a atenção foi que essas eram comunidades construídas com as próprias mãos pelas pessoas que moram nelas. Não há nenhum projeto, nenhuma planificação, e tudo acontece como um trabalho que permanece em progresso. De onde nós viemos, na Holanda, tudo é planejado. Nós temos até regras sobre como seguir as regras.
Então, no último dia de filmagem nós acabamos na Vila Cruzeiro. Estávamos sentados e tomando uma bebida, e olhando a colina com todas as casas construídas sobre ela, e a maioria das casas parecia não estar terminada. Tinham paredes de tijolo aparente e vimos que apenas algumas dessas casas estavam pintadas e com argamassa. E, de repente, tivemos a ideia: como ficaria se todas aquelas casas fossem pintadas e recobertas com argamassa? E imaginamos um grande design, uma grande obra de arte. Quem esperaria algo assim em um lugar como esse? E nós pensamos: Mas isso seria possível? Então, primeiro começamos a contar as casas, mas logo perdemos a conta. Mas de alguma forma a ideia ficou.
DU: Nós tínhamos um amigo. Ele dirigia uma ONG na Vila Cruzeiro. Seu nome era Nanko, e ele também gostou da ideia. Ele disse, "Vocês sabem, todo mundo aqui iria basicamente amar ter as suas casas pintadas e rebocadas. É aí que uma casa está terminada”. Então ele nos apresentou às pessoas certas, e o Vitor e o Maurinho se tornaram a nossa equipe. Escolhemos três casas no centro da comunidade e começamos ali. Fizemos alguns designs, e todos gostaram mais do desenho do menino soltando pipa. Então nós começamos a pintar, e a primeira coisa que nós fizemos foi pintar tudo de azul. Achávamos que estava ficando muito bom. Mas eles odiaram. As pessoas que moravam lá realmente odiaram. Elas diziam, "O que vocês fizeram? Vocês pintaram a nossa casa da mesma cor que a delegacia de polícia." (Risos) Em uma favela, isso não é algo bom. Era também a mesma cor usada nas de prisão. Continuamos e pintamos o menino, e quando nós achávamos que tínhamos terminado, estávamos felizes, mas ainda assim não estava bom. As crianças começaram a vir e nos perguntar: “Você sabe, tem um menino soltando pipa, mas onde está a pipa dele?” E nós dissemos, "Uhm, isso é arte. Sabe, você tem que imaginar a pipa." (Risos) E eles diziam, "não, não, não; nós queremos ver a pipa." Então nós rapidamente instalamos uma pipa lá no alto do morro, para que você pudesse ver o menino soltando a pipa e pudesse realmente ver a pipa. Então os jornais locais começaram a escrever sobre isso o que foi ótimo e até o The Guardian escreveu sobre isso: "Notória favela se torna galeria ao ar livre"
JK: Então, encorajados por esse sucesso, voltamos ao Rio para um segundo projeto, e nos deparamos com uma rua que era coberta de concreto para prevenir deslizamentos. De alguma forma nós vimos um rio nela e imaginamos esse rio como sendo um rio em estilo Japonês, com uma carpa koi nadando para cima. Então, nós decidimos pintar esse rio. Convidamos Rob Admiraal, que é um tatuador e especializado em estilo japonês. Nós não fazíamos ideia de que iríamos passar quase um ano inteiro pintado aquele rio junto com o Geovani, o Robinho e o Vitor que moravam lá perto. Nós até nós mudamos para a vizinhança, quando um dos caras que moravam naquela rua, o Elias disse que nós podíamos ir e morar na casa dele, junto com a sua família. Isso foi fantástico. Mas, infelizmente, durante esse tempo outra guerra começou entre a polícia e as gangues do tráfico. (Vídeo) (Tiros) Nós descobrimos que nessas ocasiões difíceis as pessoas nas comunidades realmente se unem. E também descobrimos um elemento muito importante: a importância dos churrascos. (Risos) Porque, quando você faz um churrasco, você se transforma de convidado em anfitrião. Então, decidimos fazer um churrasco a cada duas semanas, e conhecemos todo mundo na vizinhança.
Mas nós ainda tínhamos essa ideia para o morro
DU: Sim, sim, nós estávamos falando sobre a escala disso, porque a pintura era incrivelmente grande, e insanamente detalhada, e esse processo quase nos deixou completamente loucos. Mas achamos que talvez, durante esse processo, todo o tempo que havíamos passado com a vizinhança talvez fosse na verdade mais importante do que a pintura em si mesma.
JK: Então, depois de todo aquele tempo nesse morro, a ideia ainda permanecia, e começamos a fazer sketches, modelos, e nós descobrimos algo. Percebemos que as nossas ideias, os nossos designs, tinham que ser um pouco mais simples do que no projeto anterior para que pudéssemos pintar com mais pessoas e cobrir mais casas ao mesmo tempo. E tivemos a oportunidade de tentar isso em uma comunidade na parte central do Rio, na favela que se chama Santa Marta. Fizemos um design para esse lugar que ficou assim e aí conseguimos que as pessoas concordassem, porque acontece que se a sua ideia for ridiculamente grande fica mais fácil conseguir que as pessoas concordem com ela. (Risos) E as pessoas de Santa Marta se juntaram em pouco mais de um mês e transformaram aquele quadrado nisso aqui (Aplausos). E essa imagem de alguma forma passou pelo mundo inteiro.
DU: Então, recebemos um telefonema inesperado do Programa de Artes Murais da Filadélfia. Eles nos perguntaram se a nossa ideia, a nossa estratégia, poderia realmente funcionar no norte da Filadélfia, que é uma das zonas urbanas mais pobres dos Estados Unidos. Imediatamente dissemos que sim. Mas não fazíamos ideia de como. Parecia um desafio muito interessante, e então fizemos exatamente o mesmo que fizemos no Rio: nos mudamos para aquela vizinhança e começamos a fazer churrascos. (Risos) O projeto demorou quase dois anos para ser completado. Fizemos designs individuais para cada uma das casas da avenida que pintamos, e fizemos esses designs junto com os donos de lojas locais, os donos dos prédios, e um time de mais ou menos uma dúzia de jovens homens mulheres. Eles foram contratados e depois treinados como pintores e juntos eles transformaram a sua própria vizinhança, a rua inteira, em uma miscelânea gigante de cores. (Aplausos) No fim, a cidade de Filadélfia agradeceu a cada um deles e deu a eles um diploma de mérito pela sua conquista.
JK: Então, agora tínhamos pintado uma rua inteira. E se fizéssemos esse morro inteiro agora? Começamos a procurar financiamentos, mas, ao invés disso, encontramos perguntas tais como: quantas casas vocês vão pintar? Quantos metros quadrados é isso? Quanta tinta vocês vão usar, e quantas pessoas vocês vão empregar? Tentamos durante anos escrever projetos para angariar fundos e responder a todas essas perguntas, mas para que todas essas perguntas sejam respondidas você tem que saber exatamente o que vai fazer antes de você realmente chegar lá e começar. E talvez seja um erro pensar assim. Parte da magia seria perdida. Tínhamos aprendido que se você vai a algum lugar e passa um tempo lá, você pode deixar o projeto crescer organicamente e ter vida própria.
Então o que fizemos foi decidir pegar esse plano e tirar dele todos os números e todas as ideias e presunções e simplesmente voltar para a ideia- base que era a de transformar o morro em uma obra de arte gigante. Ao invés de procurar financiamentos, começamos uma campanha de crowdfunding e, em pouco mais de um mês, mais de 1500 pessoas tinham se juntado e doado mais de 100 mil dólares. Para nós esse foi um momento emocionante. Agora, nós finalmente tínhamos a liberdade para usar todas as lições que aprendemos e criar um projeto que foi construído da mesma forma que a favela foi construída, do chão ao topo, de baixo para cima, sem um grande projeto.
JK: Então nós voltamos, e empregamos o Ângelo. Ele é um artista local da Vila Cruzeiro, um cara muito talentoso, e ele conhece quase todo mundo lá. E empregamos o Elias, o proprietário da nossa antiga casa, aquele que nos recebeu em sua casa e que é mestre em construção. Junto com eles, decidimos começar. Escolhemos esse lugar na Vila Cruzeiro. As casas estão sendo rebocadas neste momento. A coisa boa é que eles estão decidindo quais casas serão as próximas, e nós até estamos estampando camisetas. Eles estão pondo banners explicando tudo a todo mundo e falando com a imprensa. Apareceu esse artigo sobre o Ângelo.
DU: Enquanto isso está acontecendo, estamos levando essa ideia para o mundo inteiro. Então, como o projeto que nós fizemos na Filadélfia, nós também fomos convidados a dar workshops, em Curaçao, por exemplo, e nesse momento nós estamos planejando um projeto enorme no Haiti.
JK: Assim sendo, a favela não foi apenas o lugar onde essa ideia começou, mas também foi o lugar que tornou possível trabalhar-se sem um grande planejamento, pois essas comunidades são informais - essa era a inspiração - e em um esforço comunitário. Junto com as pessoas você consegue trabalhar quase como uma orquestra onde você pode ter centenas de instrumentos tocando juntos para criar uma sinfonia.
DU: Queremos agradecer a todos que quiserem fazer parte desse sonho e nós ajudar ao longo do caminho, pois nós queremos continuar.
JK: Sim. E então algum dia, muito em breve, quando as cores começarem a estar nessas paredes, nós esperamos que mais pessoas se juntem a nós e se juntem a esse grande sonho. Assim, talvez um dia, toda a Vila Cruzeiro estará pintada!
DU: Obrigado.
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