Por: Luis Pellegrini
Fonte: www.luispellegrini.com.br
Se alguém lhe disser que existe um peixinho capaz de viver nos galhos de uma árvore, pode acreditar. Como se não bastasse, quando há falta de machos, as fêmeas da espécie são capazes de se autofecundar. Esse peixe é a prova mais perfeita de que adaptabilidade é sinal de inteligência. Na natureza, quem não se adapta desaparece.
Esse bicho existe mesmo, inclusive no Brasil. Ele vive em manguezais da costa atlântica da América Central e do Sul e se chama Kryptolebias marmoratus, “killifish ou rívulo do mangue” para os íntimos. Para se safar da periódica secura do seu meio ambiente natural, o pequeno peixe – que chega no máximo a 7,5 centímetros – aprendeu a sobreviver inclusive no seco. Nos meses em que a água se retira, ele permanece escondido em esconderijos úmidos como folhas apodrecidas ou nos pequenos buracos que os insetos escavam nos troncos de madeira. Assim, respirando através da pele, consegue sobreviver vários meses, à espera de tempos melhores.
Ele faz tudo sozinho
Em tais condições, ao ar livre e com as escamas secas, a última coisa que lhe poderia ocorrer seria fazer sexo. E, de fato, o rívulo do mangue não pensa mesmo naquilo. Quando quer se reproduzir, ele faz tudo sozinho. Esse vertebrado possui órgãos sexuais masculinos e femininos. No momento justo, basta liberar ao mesmo tempo óvulos e espermatozóides para que a fertilização aconteça.
O hermafroditismo (presença dos dois sexos num mesmo indivíduo) é condição frequente entre os peixes. Os peixes hermafroditas, porém, quase sempre acasalam com outros exemplares para misturar os genes e gerar uma prole mais forte e resistente. Nas populações de Kryptolebias marmoratus estão presentes alguns machos com os quais os outros peixes se acasalam para cruzar os respectivos ADNs. Mas a regra, para essas criaturas aquáticas, é a autofertilização. Depois de algumas gerações, portanto, os killifish de um mesmo manguezal tendem a se tornar homozigóticos, ou seja, com dois pares idênticos de cada gene. Essa característica levou os etólogos (estudiosos do comportamento animal) da Universidade de Exeter, Inglaterra, a estudar o comportamento dessas populações, para saber se a um idêntico “enxoval” genético correspondia também um igual comportamento.
Abertos à mudança
Com surpresa os pesquisadores descobriram que à afinidade genética não corresponde uma pronunciada semelhança comportamental. Esses peixes não são enquadrados em rígidos padrões de caráter mas, de modo bem diferente, mostram-se incrivelmente maleáveis e capazes de se adaptar às situações ambientais mais diversas. Uma estratégia vitoriosa em termos evolutivos: diante de uma escassa riqueza cromossômica, a elasticidade comportamental muito pronunciada os torna capazes de enfrentar qualquer nova forma de perigo ou circunstância.
Vídeo: Kryptolebias marmoratus, filmado em aquário na França
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