Por: Luis Pellegrini
Fotos: Lamberto Scipioni
Em 1552, o príncipe romano Pier Francesco Orsini era o grão senhor de toda a região de Soriano del Cimino e de boa parte da província do Lácio, na Itália central. Os Orsini possuíam muitos castelos, e um deles, considerado uma obra-prima da arquitetura renascentista, fica no alto da colina de Soriano del Cimino, e pode ser visitado. Nesse ano, em sinal de regozijo por um grande amor que acontecera em sua vida, Pier Francesco Orsini fez construir uma obra monumental na vizinha localidade de Bomarzo, a poucos quilômetros de Soriano. Essa obra é o “Parque dos Monstros”, também chamado “Vila das Maravilhas” ou “Bosque Sagrado”.
Complexo artístico e cultural único no seu gênero em todo o mundo, o parque foi projetado pelo célebre arquiteto Pirro Ligorio, que depois da morte de Michelangelo foi chamado para terminar as obras da basílica de São Pedro, em Roma. Trata-se de um caminho iniciático de vários quilômetros, a serpentear pelas colinas verdes do terreno, em meio a bosques de antigas árvores, pequenas cascatas e lagos, e muitas formações rochosas. À beira do caminho Ligorio produziu uma seqüência de esculturas monumentais, talhadas nas próprias rochas que emergiam do solo. O tema central desenvolvido pelas esculturas é o da vida que renasce e triunfa a cada nova primavera, vencendo a decadência no outono e a morte no inverno. Entremeados ao tema central, vários mitos da Antiguidade são lembrados, entre eles o de Ceres, deusa romana identificada à Deméter grega, que representa a Grande Mãe Terra e a força de criação e de regeneração da natureza. Ceres é a deusa que protege a agricultura e os bens terrenos. Esotericamente, é o princípio feminino gerador que anima todo germe de vida no universo material.
O Parque dos Monstros é hoje uma propriedade privada. Seus donos atuais o recuperaram, respeitando o projeto original, e o abriram à visitação pública. Lugar de prestígio à época de Pier Francesco Orsini, depois da morte do príncipe foi pouco a pouco relegado ao esquecimento. Perdeu-se inclusive a sua localização exata, e a existência do parque transformou-se quase num mito ao qual apenas os livros da época faziam referência. As plantas cobriram os caminhos e as grandes esculturas, e todo o jardim transformou-se numa grande e impenetrável floresta.
Há cerca de 40 anos Tina Severi Bettini, nova dona daquelas terras, redescobriu o antigo parque sepultado no mato, entre as árvores e os cipós. Tina, mulher de fibra, comprara a propriedade com objetivos agrícolas. Mas logo mudou de idéia. Dedicou-se de corpo e alma à restauração de todo o conjunto, e é graças a ela que podemos, agora, experimentar a magia desse parque do mesmo modo que o fizeram muitos nobres do Renascimento.
Percorrer os caminhos do parque, demorar-se diante de cada uma das esculturas, ler os versos muitas vezes herméticos que foram inscritos nelas e tentar compreender o seu significado, é mergulhar num verdadeiro tratado de mitologia antiga escrito naqueles livros de pedra. Sem nos preocuparmos com a exatidão da seqüência, há figuras como a cabeça colossal de Glauco, o pescador que se tornou uma divindade marinha após ter comido certas ervas mágicas. A cara de Glauco é bestial, mas seus cabelos são delicadas asas de borboleta, a representar as asas de Psique, a alma. Sobre a cabeça, Glauco carrega um globo terrestre. O conjunto significa, simbolicamente, que o pescador Glauco, após conhecer o fundo do mar (o seu próprio inconsciente), foi capaz de integrar sua alma à cabeça (trazê-la para a consciência). Essa proeza (um dos objetivos principais da moderna psicologia) tornou-o tão forte e poderoso que ele era capaz de carregar o mundo pousado no topo do seu crânio.
Há a “Luta dos Gigantes”, lembrando o mítico combate entre o herói Hércules e o vilão Caco. O primeiro, protetor dos fracos, o segundo, ladrão da comida e das parcas posses dos indefesos. Se notarmos o rosto de Hércules, no ato de partir ao meio o corpo do adversário, veremos que sua expressão é serena, embora firme e implacável. O significado dessa escultura é moral: o bem é mais forte, e triunfa sobre o mal.
A “Tartaruga Gigante” é uma das peças mais impressionantes por seu tamanho e apuro estético. Como nos antigos mitos da Gênesis, o animal sustenta a coluna do mundo em seu dorso. E sobre essa coluna existe uma figura vitoriosa de mulher, uma Vitória Alada.
Belíssima a figura sentada da deusa Ceres, a carregar sobre a cabeça um grande cesto repleto de frutas, grãos, folhas e raízes, representando a generosidade da Grande Mãe Terra. Estudiosos de artes plásticas a consideram, pelas suas proporções exatas e pelo movimento de suas linhas curvas, uma das mais importantes esculturas femininas do mundo.
“O Dragão do Tempo” encarna a idéia do arquiteto Pirro Ligorio sobre o tempo. Ele arreganha a face e expõe os dentes, mas nada tem de diabólico ou terrível. A escultura descreve um dragão atacado ao mesmo tempo por três feras: um cachorro, um leão e um lobo, que simbolizam, respectivamente, a primavera, o verão e o inverno; e que representam, também, o presente, o futuro e o passado. As três feras mordem em vão o monstro de corpo escamoso, mas não conseguem feri-lo. O tempo é sempre mais forte.
À direita do “Dragão”, está a maior das esculturas do parque: “O Orco”, criatura fantástica cuja boca representa a entrada ao mundo subterrâneo, o reino dos mortos, os infernos. Sobre seus lábios foi escrito um verso de Dante Alighieri: Ogni pensiero vola, “Todo pensamento se vai”, significando que naquela porta termina o mundo da mente pensante, e começam as emoções frente ao terrível desconhecido que é apanágio da psique humana. Mas, passada a boca do Orco, entra-se num salão escavado na rocha, uma caverna vazia, porém tranqüila, clara e silenciosa, onde os visitantes podem se sentar e inclusive fazer piquenique. O reino dos mortos, afinal, pode não ser tão apavorante quanto o imaginamos…
“Netuno”, escultura que representa o deus do mar, aparece como um homem idoso e barbudo sentado sobre as águas de uma fonte, a acariciar com a mão direita um pequeno golfinho. Este manso cetáceo, símbolo do deus Apolo, representa a regeneração. Junto a Netuno na fonte, ele traduz, mais uma vez, a mensagem das águas das nascentes como detentoras do poder da vida e do crescimento.
E a coleção de seres de pedra do Parque dos Monstros não pára aí. Há centenas de outras esculturas – esfinges, divindades gregas e romanas, animais, um pequeno teatro com palco e plateia totalmente esculpidos na rocha vida. Há também um templo decorado com motivos astrológicos, esculpidos em relevo nas suas paredes externas. O templo é aparentemente cristão. Mas, secretamente, ele é dedicado ao deus guerreiro Marte, a principal divindade romana da região de Bomarzo – nome que, por sinal, significa “Bom Marte”, em homenagem a essa divindade protetora.
Vídeo: O Parque dos Monstros, em Bomarzo, Soriano del Cimino, Lácio.
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