O gênio criativo: ele existe em cada um de nós

Elizabeth Gilbert, autora do super bestseller Comer Rezar Amar, faz algumas reflexões sobre as coisas impossíveis que esperamos dos artistas e gênios - e divide conosco a ideia radical de que, em vez dessas pessoas raras "serem" gênios, todos nós deveríamos "ter" um gênio. É um relato muito pessoal, bem humorado e emocionante

Elizabeth Gilbert, autora do super bestseller Comer Rezar Amar, faz algumas reflexões sobre as coisas impossíveis que esperamos dos artistas e gênios - e divide conosco a ideia radical de que, em vez dessas pessoas raras "serem" gênios, todos nós deveríamos "ter" um gênio. É um relato muito pessoal, bem humorado e emocionante
Elizabeth Gilbert, autora do super bestseller Comer Rezar Amar, faz algumas reflexões sobre as coisas impossíveis que esperamos dos artistas e gênios - e divide conosco a ideia radical de que, em vez dessas pessoas raras "serem" gênios, todos nós deveríamos "ter" um gênio. É um relato muito pessoal, bem humorado e emocionante (Foto: Gisele Federicce)


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Vídeo: TED – Ideas Worth Spreading

Tradução para o português: Paula Dip. Revisão: Belucio Haibara

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A genialidade – ou, mais propriamente, o "gênio" que habita em cada um de nós – é tema que fascina Elizabeth Gilbert. Essa escritora, ao perceber que a "crise dos quarenta" ameaçava tomar conta dela, decidiu realizar um antigo sonho secreto: tirar um inteiro ano sabático. Viajou pela Itália, a Índia e a Indonésia e viveu todas as experiências gastronômicas e espirituais, além de algumas amorosas, que esses três países podem proporcionar. O resultado de todas essas vivências foi o livro Comer Rezar Amar que, logo após a publicação, transformou-se num dos maiores bestsellers dos últimos tempos. Foi também transformado em filme de sucesso protagonizado por Júlia Roberts. O tema central da obra é o encontro de si mesmo através do afastamento do lar e da rotina do quotidiano.

Vídeo:

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Tradução integral da palestra de Elizabeth Gilbert no TED:

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"Eu sou uma escritora. Escrever livros é minha profissão, mas é mais do que isso, é claro. É também o grande amor e a fascinação de toda a minha vida. Espero que isso não mude nunca! Dito isso, aconteceu uma coisa muito peculiar comigo recentemente, na minha vida e na minha carreira, que me fez rever a relação que tenho com esse trabalho. E o que houve de peculiar é que eu acabo de escrever um livro de memórias, chamado Comer, Rezar, Amar que, ao contrário dos meus livros anteriores, se espalhou pelo mundo e por alguma razão virou esse best-seller internacional, uma mega sensação. O resultado é que, agora, onde quer que eu vá, as pessoas me tratam como se eu estivesse condenada. É sério: condenada, condenada! Tipo, eles chegam para mim bem preocupados e dizem: "Você não sente medo, não tem medo de nunca ser capaz de superar isso?" Você não tem medo de continuar escrevendo a sua vida toda e nunca mais escrever um livro que interesse alguma pessoa nesse mundo, nunca mais?"
É um alívio ouvir isso, vocês imaginam. Podia ser pior, mas eu na verdade me lembro, que mais de 20 anos atrás, quando eu era adolescente e comecei a dizer às pessoas que queria ser escritora, encontrei esse tipo de comentário. As pessoas diziam " Você não tem medo de nunca fazer sucesso?" Você não teme que a humilhação e a rejeição possam te matar? Você não está preocupada de trabalhar a vida inteira num ofício que nunca vai te dar nada e você vai acabar num monte de sucata de sonhos não realizados e com um gosto amargo de fracasso em sua boca?" (risadas) E coisas assim. Vocês sabem.
E a resposta, uma resposta curta para todas essas perguntas é "sim". É claro que tenho medo de tudo isso. Sempre tive. E tenho medo de muitas outras coisas além dessas que as pessoas nem imaginam. Como algas marinhas, e outras coisas assustadoras. Mas quando se trata de escrever a coisa que eu tenho pensando e ponderado ultimamente é, por que? Ou seja: isso é racional? É lógico que uma pessoa deva ter medo de fazer um trabalho que ela sente que é sua missão na terra? Sabem? E qual é o problema com as atividades criativas que parecem sempre nos deixar muito preocupados com nossa saúde mental, coisa que não acontece em outras carreiras, sabe como? Meu pai, por exemplo, foi um engenheiro químico e eu não me lembro de ninguém perguntar a ele, em seus 40 anos de atividade, se ele tinha medo de ser engenheiro químico, certo? Ninguém dizia... você está sem inspiração para ser engenheiro químico, John, está tudo bem com você? Isso simplesmente não acontecia, sabem? Mas, verdade seja dita, os engenheiros químicos, como um grupo, não tem uma fama que atravessa séculos de serem alcoólatras e maníaco-depressivos.

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A escritora Elizabeth Gilbert


Já nós, os escritores, meio que temos essa reputação, não apenas os escritores, mas pessoas criativas de todos os tipos, parecem ter essa fama de serem emocionalmente muito instáveis. E se olharmos para a triste marca do número de mortos apenas no século 20, de mentes criativas realmente magníficas, que morreram cedo e muitas vezes por suas próprias mãos, sabem? E mesmo aqueles que não cometeram suicídio, literalmente parecem ter sido derrotados pelos seus dons. Norman Mailer, pouco antes de morrer, em sua ultima entrevista, disse: "Cada um de meus livros me matou um pouquinho". Uma declaração impressionante para se fazer sobre uma vida de trabalho, não? Mas nós nem ligamos quando ouvimos isso, porque já escutamos esse tipo de coisa por tanto tempo, e já internalizamos e aceitamos coletivamente essa ideia, que criatividade e sofrimento parecem estar indissoluvelmente ligados e que, a arte, ao fim e ao cabo, sempre nos levará à angústia.
E a pergunta que quero fazer a todos, hoje e aqui, é: vocês estão tranquilos com isso? Vocês aceitam isso - porque se a gente olhar com um mínimo de distanciamento, sabem - eu não estou NADA confortável com essa suposição. Eu acho que ela é odiosa. E também acredito que seja perigosa, e eu não quero vê-la perpetuada no próximo século. Eu acho que é muito melhor a gente encorajar as mentes criativas a viver.
E, com toda a certeza, eu sei que na minha situação seria muito perigoso eu me deixar levar para aquele caminho escuro se considerarmos particularmente as circunstâncias em que me encontro agora, em minha carreira. Que é o seguinte, vejam: Eu sou bem jovem, tenho apenas 40 anos de idade Com pelo menos outras quatro décadas de trabalho pela frente, e é muito provável que, qualquer coisa que eu escreva a partir de agora será julgada pelo mundo como o trabalho que veio depois do sucesso assustador do meu último livro, certo? E eu vou ser bem clara com vocês, porque aqui somos todos amigos, é muito provável que meu maior sucesso tenha ficado para trás. Oh, Jesus, que ideia terrível! Esse é o tipo de ideia que poderia levar uma pessoa a começar a beber gim às 9 da manhã, e eu não quero fazer isso! (risadas) Eu prefiro continuar a fazer esse trabalho que amo.
Assim, a pergunta agora é: como? Depois de muita reflexão, me parece que a maneira como devo trabalhar agora, para continuar escrevendo, é criar uma espécie de "construção psicológica protetora", certo? Preciso encontrar uma forma de colocar uma distância segura entre eu mesma, quando escrevo, e minha ansiedade natural sobre qual será a reação à minha escrita, a partir de agora. E, depois de analisar algumas maneiras de fazer isso, durante este ano, andei pesquisando através dos tempos, tentando encontrar outras sociedades e ver se elas por acaso tinham ideias melhores e mais saudáveis do que as nossas, sobre como ajudar pessoas criativas a cuidar dos riscos emocionais inerentes à criatividade.
Essa busca me levou até à Grécia e à Roma antigas. Sigam meu raciocínio, logo estaremos de volta onde começamos. Na Antiga Grécia e em Roma, as pessoas não acreditavam que a criatividade viesse dos seres humanos, OK? Elas achavam que criatividade era um espírito divino de plantão que vinha ter com os seres humanos de uma fonte distante e desconhecida por razões distantes e desconhecidas. Os gregos chamavam esses espíritos criativos divinos de "daemons". Sócrates, diz a lenda, acreditava ter um daemon que lhe dizia de longe palavras de sabedoria. Os romanos tinham a mesma ideia, mas eles chamavam esses espíritos incorpóreos de gênios. O que é ótimo, porque os romanos não acreditavam que um gênio era uma pessoa particularmente inteligente. Eles achavam que gênio era esse tipo de entidade mágica e divina, que se acreditava viviam literalmente nas paredes do estúdio de um artista, como Dobby, o gnomo da casa, que saía e ajudava o artista em seu trabalho, de forma invisível, e cuidava de tudo até o final.
Brilhante! É exatamente desse tipo de distância que estou falando, é a tal "construção psicológica" que vai te proteger do resultado do seu trabalho. E todo mundo sabia que era assim que as coisas funcionavam, certo? Assim, o artista na antiguidade ficava protegido de certas coisas, como, por exemplo, de um excesso de narcisismo. Se seu trabalho fosse brilhante, você não podia levar todos os créditos por isso, todo mundo sabia que você tinha um gênio invisível que te ajudava. E se seu trabalho fosse um fracasso, também não era só culpa sua, certo? Todo mundo sabia que seu gênio era meio folgado... Era assim que as pessoas pensavam sobre a criatividade no mundo ocidental, por bastante tempo.
Aí veio o Renascimento e mudou tudo, e nós tivemos uma grande ideia, que foi: vamos colocar o homem no centro do universo acima de todos os deuses e mistérios e não haverá mais lugar para criaturas místicas que ditam coisas de uma fonte divina. Este foi o início do racionalismo humanista, e as pessoas passaram a acreditar que a criatividade vinha inteiramente do "self" dos indivíduos. E pela primeira vez na história, a gente começa a ouvir as pessoas se referirem a este ou aquele artista como sendo um gênio ao contrário de "ter" um gênio.
Eu preciso dizer que acho que isso foi um grande erro. Eu acredito que permitir que alguém, uma mera pessoa, acredite que ele ou ela é o vaso, o molde, a essência e a fonte de todo o mistério criativo, divino, eterno e desconhecido, é um pouco de responsabilidade demais para a nossa psique humana e frágil. É como pedir a alguém que engula o Sol. Isto só distorce e deforma egos e cria expectativas incontroláveis sobre a nossa atuação. E eu acredito que é esta pressão que vem matando nossos artistas durante os últimos 500 anos.
E, se isso é verdade, e eu acredito que seja, a pergunta se torna: e agora? Podemos fazer isso de outra maneira? Quem sabe voltar àquela compreensão mais antiga sobre a relação dos humanos com o mistério da criatividade ou talvez não. Talvez a gente não possa simplesmente apagar 500 anos de pensamento racional humanista num pequeno discurso de 18 minutos. E provavelmente há pessoas na plateia, que vão levantar suspeitas científicas legítimas sobre a noção de que existem fadinhas que seguem a gente e esfregam um suco mágico nos nossos projetos, e tal. Provavelmente eu não consiga convencer todos vocês.
Mas a questão que eu quero colocar é: por que não? Por que não pensar sobre isso dessa maneira? Para mim faz tanto sentido quanto todas as outras coisas que já ouvi a respeito em termos de explicar os caprichos enlouquecedores do processo criativo. Um processo que, todo mundo que já tentou fazer algo, todo mundo que está aqui, basicamente - sabe que não se comporta apenas de forma racional. E que, de fato, muitas vezes parece ser inteiramente paranormal.
Eu me encontrei recentemente com a extraordinária poeta americana Ruth Stone, que está com 90 anos, e foi poeta a vida inteira e ela me contou que quando crescia no interior da Virginia, trabalhando na lavoura, ela podia sentir e ouvir um poema chegar até ela por sobre a paisagem. Ela contou que era como uma lufada estrondosa de ar que que descia atrás dela até o campo. E ela sabia que estava chegando, porque a terra tremia debaixo de seus pés. E ela sabia que só podia fazer uma coisa: que era, em suas próprias palavras, "correr como o diabo" e ela "corria como o diabo" até a casa como se estivesse sendo perseguida pelo poema, e ela tinha que pegar uma folha de papel e um lápis, bem depressa, de tal maneira que quando o poema passasse através dela, ela pudesse agarrá-lo e prendê-lo naquela página. Algumas vezes ela não era rápida o suficiente e apesar de correr e correr, ela não chegava ao papel a tempo e o poema atravessava o corpo dela e ela o perdia e continuava a seguir através da planície procurando, como ela dizia , "por um outro poeta". Algumas outras vezes, e essa é a parte que eu nunca esqueço, ela falou que havia momentos em que o poema passava raspando e ela ia correndo até a casa atrás do papel e o poema a atravessava, e ela pegava o lápis no momento em que ele estava passando por ela e ela dizia que era como se ela o pegasse com a outra mão e o agarrasse. Ela pegava o poema pelo rabo, e o puxava de volta para dentro do seu corpo enquanto transcrevia a página e nessas instâncias, o poema aparecia sobre o papel perfeito e intacto, mas de cabeça para baixo, começando pela última palavra (risos)
Quando eu ouvi isso, eu fiquei tipo - isso é bizarro, é exatamente assim que funciona o meu processo criativo. (mais risos)
Meu processo criativo vai bem, além disso, eu não sou apenas uma antena! Eu sou uma mula, de tanto que eu trabalho, eu tenho que acordar todos os dias na mesma hora, e suar e escrever e me atirar ao trabalho de uma forma bem atribulada e até eu, na minha mulice, já me encontrei de raspão com essa coisa, algumas vezes, e imagino que muitos de vocês também já tenham passado por isso. Até comigo já aconteceu de trabalhos ou ideias chegarem até mim através de uma fonte que eu honestamente não consigo identificar. O que é essa coisa? E como devemos nos relacionar com ela de tal forma que ela não nos faça perder a cabeça, mas que, na verdade, nos ajude a sermos saudáveis?
Para mim, o melhor exemplo contemporâneo que temos de como fazer isso é o musico Tom Waits que eu entrevistei para uma revista anos atrás Nós estávamos falando sobre isso e Tom, vocês sabem, durante a maior parte de sua vida, foi o protótipo do artista atormentado moderno e contemporâneo, tentando dominar e administrar esses impulsos criativos incontroláveis que estavam totalmente internalizados nele.

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Hesíodo e a Musa, por Gustave Maureau


Mas aí ele ficou mais velho, mais calmo, e ele me contou que um dia estava dirigindo o carro numa marginal de Los Angeles, e foi quando tudo mudou. Ele estava correndo e de repente ele ouviu um pequeno fragmento de melodia, que surgiu na sua cabeça, uma inspiração que surge às vezes, fugidia e tentadora, e você quer registrá-la pois é linda, ele a deseja, mas não tem como agarrá-la. Não tem papel, nem lápis nem gravador,
E ele começa a sentir aquela ansiedade brotar nele tipo "eu vou perder essa coisa", e essa canção vai me assombrar pelo resto da vida. Eu não sou bom o suficiente para fazer isso." Mas em vez de entrar em pânico, ele parou. Ele simplesmente parou aquele processo mental e fez algo completamente inusitado. Ele olhou para o céu e disse,"Desculpe, mas você não vê que eu estou dirigindo?" (risos) "Eu estou com cara de quem vai escrever uma canção agora? Se você quer realmente existir, volte num momento mais oportuno em que eu possa cuidar de você. Ou então, vai enlouquecer outra pessoa... Vai atrás do Leonard Cohen".
E todo o seu processo de trabalho mudou depois disso. Não o trabalho, que na maioria das vezes continua tão escuro quanto antes. Mas o processo e a ansiedade que pesava em torno dele se liberaram quando ele tirou o gênio de dentro dele onde ele só criava problema, e devolveu-o ao lugar de onde tinha vindo. E percebeu que não tinha que viver essa coisa internalizada e tormentosa e que ela podia ser apenas uma colaboração maravilhosa e bizarra uma espécie de bate papo entre Tom e aquela coisa estranha fora dele, que não era exatamente Tom.
Quando eu ouvi essa história, comecei a mudar um pouco minha forma de trabalhar, e isso já me salvou uma vez. Essa ideia me salvou quando eu estava no meio do livro Comer, Rezar, Amar e cai num desses poços de desespero em que todos nós caímos quando estamos trabalhando em algo que não acontece e você começa a pensar que vai acabar em desastre, e que o seu livro será a pior obra já escrita. Não apenas ruim, mas o pior livro de toda a história. E comecei a pensar em engavetar o projeto. E então eu me lembrei de Tom, falando para o ar, e experimentei fazer o mesmo. Eu levantei o rosto do manuscrito e dirigi meus comentários a um canto vazio da sala. E disse em voz alta, " Escuta aqui, sua coisa, você e eu sabemos que se este livro não for brilhante, a culpa não será toda minha, certo? Porque você está vendo que estou colocando tudo que eu tenho nele E eu não tenho nada alem disso. Então, se você quer que ele fique melhor, dê as caras e faça a sua parte. OK? E se você não fizer isso, quer saber? Dane-se! Eu vou continuar escrevendo do mesmo jeito por que este é o meu ofício. E eu gostaria que hoje ficasse registrado em nossa agenda que eu compareci para fazer minha parte do trabalho. (risos)
Porque - no fim das contas é assim, OK - séculos atrás, nos desertos do norte da África, as pessoas se encontravam para fazer música e dançar ao luar, durante horas, até o amanhecer E elas eram magníficas porque os dançarinos eram profissionais, eles eram incríveis, sabe? Mas uma vez ou outra, raramente, acontecia alguma coisa, e um desses bailarinos realmente transcendia. E eu sei que vocês sabem do que estou falando, porque sei que todos vocês já viram, em algum momento de sua vida, uma atuação como esta. E foi como se o tempo parasse, e o dançarino entrasse numa espécie de portal e ele não fazia nada diferente do que vinha fazendo desde há mil noites atrás mas é como se tudo se alinhasse. E não mais que de repente ele deixasse de ser apenas humano. E ele era iluminado de dentro para fora, e debaixo para cima, todo iluminado pelo fogo divino.
E quando isso acontecia, naquele tempo, as pessoas sabiam do que se tratava e a chamavam pelo nome. Elas juntavam as mãos e cantavam, "Alá, Alá, Alá, Deus, Deus, Deus". Era Deus, entendem? Uma nota de rodapé curiosa - historicamente, quando os mouros invadiram a Espanha, eles levaram consigo esse costume e sua pronúncia mudou com o passar do tempo, de "Alá, Alá, Alá, para olé, olé, olé" que ainda se ouve em touradas e danças flamencas. Na Espanha, quando um artista faz alguma coisa impossível e mágica, "Alá, olé, olé, magnífico, bravo" é algo incompreensível é um lampejo de Deus. O que é ótimo, porque nós precisamos dele.
Mas a parte complicada acontece na manhã seguinte, para o dançarino, quando ele acorda e descobre que é terça feira, são 11 da manhã e ele não é mais um lampejo divino. Ele é apenas um mortal que está envelhecendo com joelhos estourados, e quem sabe ele nunca mais suba tão alto, e que talvez ninguém mais cante seu nome outra vez enquanto ele gira, e então, o que ele deve fazer com o resto de sua vida? É difícil. Este é um dos mais dolorosos acertos a se fazer numa vida criativa. Mas digamos que isso não tenha que ser tão angustiante se você nunca acreditar, em primeiro lugar, que os aspectos mais extraordinários do seu ser vem de você. Quem sabe seja melhor acreditar que eles são emprestados a você por uma fonte inimaginável de uma parte rara de sua vida que será passada para alguém quando você partir. E acreditem, se a gente pensa nisso desta forma, tudo começa a mudar.
Foi assim que eu comecei a pensar, e é assim que tenho pensado nesses últimos meses enquanto trabalho no livro que devo publicar em breve, a tal perigosa, apavorante e muito aguardada continuação do meu louco sucesso.
E o que eu digo a mim mesma quando eu fico realmente enlouquecida com isso, é: não tenha medo. Não desanime. Apenas faça o seu trabalho. Continue a comparecer para fazer sua parte, seja ela qual for. Se seu trabalho é dançar, dance. E se o gênio divino e maroto que foi designado para acompanhar o seu caso permitir que através do seu esforço aconteça um lampejo maravilhoso, então, "olé"! E se não, faça a sua dança, do mesmo jeito, e "olé" para você da mesma forma. Eu acredito nisso e acho que devemos ensinar isso uns aos outros. "Olé!" para você, apesar de tudo, simplesmente por possuir esse puro amor humano e a teimosia de continuar aparecendo para fazer a sua parte."

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