O califado do terror: o bando extremista que dividiu o Iraque
Eles respondem pela sigla EIIL – Estado islâmico do Iraque e do Levante. A própria Al-Qaeda os considera demasiado extremistas. Eles se gabam de sua própria brutalidade. Com o uso indiscriminado dela puseram o Governo iraquiano contra a parede. De onde vem o poder desse grupo que aterroriza aquele país do Golfo Pérsico?
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Fonte: Jornal The Guardian, Londres
1. Quem são?
EIIL é o acrônimo em português de Estado Islâmico do Iraque e do Levante, grupo jihadista sunita cuja recente conquista das cidades de Mossul e Tikrit e de partes do norte do Iraque gerou uma crise marcada por atrocidades contra soldados iraquianos e voluntários que cooperam com ações humanitárias. Conhecida em língua árabe como Daásh, essa organização nasceu de uma filial da Al-Qaeda surgida após a invasão Americana de 2003.
O líder ou emir (príncipe) do EIIL é um sunita de 43 anos, conhecido pelo nome de guerra de Abu Bakr al-Baghdadi, ou Abu Dua. Ele se chama, na verdade, Awad Ibrahim Ali al-Badri al-Samarrai. Esteve preso pelos norte-americanos entre 2005 e 2009. Segundo fontes militares, ele teria dito ao ser libertado, no Iraque: “Me aguardem. Nos veremos em Nova York”.
Abu Dua, ao que tudo indica, radicalizou suas posições no cativeiro. Outros dizem que já nos tempos de Saddam Hussein ele era um pregador incendiário. Estudou na Universidade de Bagdá e passou a ser classificado como terrorista pela ONU em 2011. Prova do seu carisma é o fato de o EIIL ter se tornado o grupo preferido de milhares de estrangeiros – muçulmanos ou não, que passaram a integrar suas fileiras. No fim de 2013, anunciou a fusão com uma filial da Al-Qaeda na Síria, a Frente al-Nusra. Isso foi desmentido pela própria e pelo successor de Osama bin Laden na organização-mãe, o egípcio Ayman al-Zawahiri. Maghdadi, ainda mais extremista do que bin Laden, rejeitou as instructões de Zawahiri para se concentrar no Iraque e deixar a Síria em paz.
Nas zonas da Síria que controla, o EIIL criou tribunais, escolas e serviços hasteando a bandeira preta jihadista. Em Raqqa, lançou uma entidade de defesa do consumidor. Ganhou reputação de brutalidade extrema, crucificando, decapitando e amputando.
As estimativas de efetivos do EIIL vão dos sete mil aos dez mil homens. Os militantes de base são ex-membros da Al Qaeda e do Partido Baas (de Saddam Hussein) e soldados do antigo exército iraquiano. O mais difícil de quantificar – embora seja número significativo – é o apoio ao grupo na comunidade sunita iraquiana, que perdeu poder e influência quando Saddam foi derrubado.
“O EIIL apresenta-se como alternativa ideologicamente superior à Al-Qaeda”, diz Charles Lister, do Centro Brookings de Doha (Qatar). “É cada vez mais um movimento transnacional com objetivos imediatos bem para lá do Iraque e da Síria”.
2. Que querem e que ligação têm com a Al-Qaeda?
Em fevereiro 2014, a Al-Qaeda repudiou o EIIL, dizendo que “não existem ligações entre as organizações”, que não foi informada da sua criação nem é responsável pelas suas ações. Este posicionamento não surpreende. Há muito que os métodos do EIIL, incluindo bombardeamentos indiscriminados em zonas civis e uma leitura ultraconservadora do Islã, suscitavam debates e críticas nos círculos jihadistas. Cartas encontradas no esconderijo paquistanês de Bin Laden após o seu assassinato, em 2011, alertavam já naquela altura que o grupo poderia prejudicar a reputação da Al-Qaeda.
Numa carta de 21 páginas, em janeiro de 2011, o jihadista norte-americano Adam Gadahn recomendava que a Al-Qaeda “exprimisse repúdio pelo comportamento do EIIL, que agia sem ordens da Al Qaeda e sem a consultar”. O EIIL não seguiu o conselho. A brecha entre as duas organizações se alargou, acirrada pela ascensão militar da Frente Al-Nusra (da Vitória) na Síria.
Embora sejam rivais assumidos, os três grupos partilham, ironicamente, o mesmo objetivo: criar um Estado islâmico na Síria e no Iraque e restaurar o califado sem fronteiras desaparecido em 1924, após a queda do Império Otomano.
Os efetivos do EIIL podem chegar a dez mil homens
3. De onde vem o dinheiro?
Desde o fim de 2011, organizações de solidariedade islâmicas e pessoas ricas do Golfo financiam os rebeldes na Síria. À medida que a guerra se eternizava e crescia o papel dos grupos islâmicos, muitos doadores passaram a dar dinheiro às organizações jihadistas. Segundo o centro Brookings de Doha, muita da angariação de fundos para a revolta síria é centrada em zonas do país de implantação jihadista.
O EIIL conseguiu receitas vultosas nos campos petrolíferos do leste da Síria, que passou a dominar em 2012, tendo chegado a vender petróleo a Assad. Ganhou dinheiro contrabandeando matérias-primas pilhadas na Síria e antiguidades valiosas. Um agente secreto afirmou que o EIIL roubou 36 milhões de dólares da cidade de Nabuk, a oeste de Damasco, incluindo antiguidades com oito mil anos de idade.
Dados informáticos confiscados pelo exército iraquiano a um mensageiro do EIIL revelaram que o grupo tinha, antes de tomar a cidade de Mossul, dinheiro e bens no valor de 875 milhões de dólares. Em Mossul, assaltou bancos e apropriou-se de bens militares que elevaram o erário a dois bilhões de dólares, segundo dirigentes iraquianos.
O dinheiro afluiu ao EIIL por solidariedade com os sunitas da Síria, quando Bashar al-Assad mandou o exército esmagar a oposição. Os Estados Unidos têm pressionado os governos da Arábia Saudita, Kuwait e Qatar no sentido de acabarem com os financiamento de extremistas, mas respondem que os doadores têm motivos para apoiar os rebeldes sírios, pois os EUA não agiram contra Assad, mesmo quando do ditador usou armas químicas.
4. Como usam as redes sociais, e com que eficácia o fazem?
Os jihadistas sempre seguiram a tecnologia. Desde o 11 de setembro, o movimento jihadista global usou a internet para difundir propaganda, criar uma narrativa e incitar os adeptos.
Antes eles se reuniam em fóruns de acesso privado onde os jihadistas e seus apoiadores podiam, em segurança, partilhar informações e debater. O mais importante é que os administradores dos sítios podiam controlar o debate, apagando publicações e suspendendo utilizadores problemáticos. Esses fóruns deram lugar a plataformas com o Twitter, Facebook e Instagram. O EIIL aproveita o poder dessas redes melhor do que os outros movimentos. Criou uma marca no ciberespaço, espalhou uma narrativa sedutora e usa uma iconografia potente. E seduziu milhares de homens de todo o mundo.
Mas o EIIL sabe que não controla a narrativa como faziam os antecessores. As redes sociais, aliadas à ubiquidade dos smartphones, permitem que cada combatente filme e publique num instante, sem pensar nas consequências que isso terá. Isso nem sempre agrada ao EIIL. Há semanas, o grupo crucificou seis homens em Manbij, na Síria, por suposta apostasia. Um jihadista espanhol, que prometera aos seguidores um vídeo desse espetáculo sádico, teve de contentar-se com fotos. “O comando proibiu-nos de filmar”.
Não é a primeira vez que o EIIL adverte e critica membros devido às suas atividades online. No início do ano, o grupo cortou a mão a um homem em Raqqa. O carrasco precisou de várias tentativas para terminar o trabalho. Na sequência do esperado repúdio público, o grupo proibiu que se filmassem acontecimentos desse tipo. Não é que não continuam a fazer atrocidades, mas quem estiver carregando smartphones ou câmeras será censurado.
É a pluralização da Jihad global. Se antes havia uma ou duas vozes para analisar, hoje são centenas. Os combatentes garantem um fluxo de dados sobre o seu mundo, twitando, partilhando fotos da vida quotidiana e gabando-se dos seus feitos. São desajeitados, muitas vezes revelando partes, aspectos e ações do EIIL que este preferiria manter em sigilo.
É importante pôr esses relatos no seu contexto. Embora o EIIL tenha presença institucional nas redes, aquilo que é mais visto são relatos pessoais de combatentes ou publicações de divulgadores (quase sempre residentes no Ocidente) que twitam para apoiar o grupo e os seus fins. Esses divulgadores são ativistas eloquentes e zelosos, compensando a sua ausência do campo de batalha com um entusiástico apoio cibernético.
Falamos da estratégia para as redes sociais dos jihadistas. A nível oficial, há um plano claro: refutar as críticas, promover uma narrativa e espalhar a imagem de uma vanguarda benevolente. Mas organizações espertas como o EIIL também têm consciência dos perigos de permitir que militantes individuais acedam sem barreiras às redes sociais. A verdadeira mudança para estes grupos, nos próximos anos, não será a forma de usar a internet, mas a forma de a gerir.
5. As fotos de execuções são genuínas ou encenadas?
Em todo o mundo, a mídia publicou há algumas semanas fotos surgidas num site ligado ao EIIL. São terríveis e explícitas, mostrando homens encolhidos com medo sendo levados para a frente de um pelotão de fuzilamento. Alguns fotogramas não foram publicados. O lote mais recente era ainda pior.
Há o risco de essas imagens terem sido forjadas com fins propagandísticos, mas seria difícil encená-las no meio de um conflito em rápida evolução. Alguns dos que as viram comentaram que parecem ter boa qualidade de imagem. Normalmente seriam reproduzidas a partir de imagens que aparecem em algum vídeo de má qualidade. Sabemos, porém, que a tecnologia está em permanente evolução. A agência Associated Press, habitualmente fiável, legendou as imagens: “Foi verificado e é consistente com a restante cobertura da AP”.
Que as imagens existem ninguém pode negar e, caso não se prove que são falsas, é errado não as partilharmos. Mesmo que tenham sido encenadas, resta a interessante questão de saber até onde esses militantes poderão ir para instilar medo aos soldados iraquianos, às pessoas que vivem no Iraque e ao mundo em geral.
6. Como Bagdá se prepara para o assalto?
A capital do Iraque, Bagdá, está acostumada ao cerco, mas os incríveis acontecimentos do início de junho, com o EIIL a preparar o assalto, deixaram a capital irreconhecível. As ruas ficaram vazias e desconfortáveis. As pessoas fizeram reservas de comida e água. Os bárbaros estavam às portas, ou pareciam estar. Era uma crise sem precedentes.
Dias depois, o clima mudara. Voluntários xiitas encheram os centros cívicos e fizeram planos de batalha. Os santuários de Samara, de novo ameaçados pelos rebeldes, depressa ficaram cercados por paramilitares xiitas. O norte e o oeste da capital foram passados a pente fino e um general iraniano chegou a coordenar a defesa da cidade. A incontida marcha jihadista de Mossul para o sul foi travada.
Em julho, o ambiente era mais leve. Os líderes das milícias estavam no auge, mas numa postura de tranquilização, não de ameaça. “Agora já somos capazes”, disse Haidar Obari, residente nos subúrbios xiitas da capital Bagdá. “É uma luta que podemos vencer”. Na capital, a vergonha de três divisões do exército que se renderam como tigres de papel foi substituída pela indignação.
Mas no norte do país tudo continua muito diferente. Habitantes de Mossul que não puderam ou não quiseram fugir à investida rebelde contam que foram trancados em casa enquanto os extremistas impunham a lei fundamentalista. As instituições cívicas foram pilhadas. A sociedade foi estilhaçada.
O Iraque é agora um país fragmentado e dividido ao meio.
E os cristãos fogem de Mossul
Os jihadistas do Estado islâmico, que controlam boa parte do norte e do oeste do Iraque, lançaram um ultimato aos cristãos, ordenando que se convertam ao Islã. A alternativa é pagar um imposto especial, sem o que eles simplesmente serão mortos. A imposição provocou a fuga em massa das famílias cristãs de Mossul (cerca de 500). A medida já está em vigor.
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