O Ano Santo da Misericórdia. Anistia geral a todos os católicos arrependidos
De hoje, 8 de dezembro 2015, até 20 de novembro de 2016, durará o Ano Santo da Misericórdia decidido pelo Papa. No período, a Igreja tem ordem para promover uma anistia geral. O aborto e até mesmo os crimes de sangue - que são motivo de excomunhão - terão direito a perdão. Francisco volta a surpreender
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Por: Luis Pellegrini
O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, Ano Santo católico é aberto hoje, dia 8 de dezembro, em Roma. Várias cerimônias e ritos estão previstos e deverão se desenrolar ao longo de toda a jornada. Entre eles, a abertura da Porta Santa, na Basílica Vaticana. Este Jubileu é extraordinário e se trata de mais uma decisão surpreendente tomada pelo Papa Francisco. No seu decorrer, o Pontífice ordena a concessão de uma "indulgência jubilar" que decorrerá até finais de novembro do próximo ano. Todos os fieis arrependidos vão ter direito ao perdão. Presos por qualquer delito, mulheres que praticaram o aborto e até mesmo os mortos com pecados por expiar podem ser perdoados. E nem é preciso ir a Roma.
Na Igreja Católica, uma indulgência jubilar é o equivalente a uma anistia geral. Na maior parte das repúblicas, um Presidente pode decidir "libertar" prisioneiros numa ocasião especial. Da mesma maneira, um Papa pode conceder o perdão dos pecados aos seus fieis. No período deste Jubileu, que irá durar até 20 de novembro de 2016, os fiéis arrependidos de seus erros são convidados a experimentar a "genuína misericórdia de Deus", e “poderão ver como Deus acolhe e perdoa, esquecendo completamente o pecado cometido", diz o Papa.
Os procedimentos são bem simples. Para obter uma indulgência e a remissão dos pecados, os fiéis deverão fazer "uma breve peregrinação" junto a uma das portas santas abertas em cada catedral. Claro que se pode ir a Roma e às quatro basílicas papais (São Pedro, São João de Latrão, Santa Maria Maior e São Paulo Extramuros) da cidade. Mas não é obrigatório. Os bispos diocesanos decidirão, em cada país, quais as igrejas do ano jubilar onde os católicos podem ir receber as indulgências. Claro que terão de se confessar e de participar da eucaristia, bem como “rezar pelo Papa e pelas intenções que ele traz no coração para o bem da Igreja e do mundo inteiro”.
A ordem é perdoar
Ninguém estará excluído do perdão. O Papa quer que doentes, pessoas idosas e sós, sem capacidade de sair de casa participem do Ano Santo. Nem que seja através dos meios de comunicação social, como o rádio e a televisão, as indulgências serão concedidas.
O mesmo é válido para os presos que "nas capelas dos cárceres poderão obter a indulgência", pois Francisco acha que o Jubileu tem de "envolver pessoas que, mesmo merecedoras de punição, tomaram consciência da injustiça perpetrada e desejam sinceramente inserir-se de novo na sociedade".
Nem os mortos escapam à oferta geral de perdão. Os mortos que “precisam se libertar de todo e qualquer resíduo de culpa” para entrarem na beatitude sem fim podem ser recordados pelos seus familiares e amigos e receber as graças jubilares. Francisco quer recuperar até mesmo os membros da Fraternidade de São Pio X, os chamados Lefevristas, considerados rebeldes heréticos, trazendo-os novamente para o serviço da Igreja, reconhecendo-lhes de novo como válidos os atos de celebração da eucaristia e da absolvição dos pecados.
Mais surpreendente ainda e que, talvez por isso, tenha tido maior destaque mediático, é a atitude do Papa perante as mulheres que praticaram o aborto. Considerado um pecado que pode levar à excomunhão e cujo perdão está consignado apenas a bispos, o Papa Francisco dá agora indicação expressa para que todos os sacerdotes possam perdoar este pecado e ouvir as mulheres em confissão. A ordem é "compreender", "acolher" e "perdoar".
"O perdão de Deus não pode ser negado a quem quer que esteja arrependido, sobretudo quando, com coração sincero, se aproxima do sacramento da confissão para obter a reconciliação com o Pai", escreveu o Papa. O aborto "é um drama existencial e moral", assume Francisco, para quem "só a sua verdadeira compreensão pode impedir que se perca a esperança".
A origem é pré-cristã
O último Ano Santo Católico aconteceu no ano 2000, quando o Papa João Paulo II abriu a Porta Santa, que se encontra à direita no átrio da Basílica Vaticana, na noite de 24 de dezembro de 1999. Na ocasião, excepcionalmente, foram abertas também as portas das quatro basílicas de Roma.
O Jubileu, na verdade, tem origem pré-cristã. Ele deriva da antiga tradição hebraica que fixava, a cada 50 anos, um ano de repouso da Terra (com o objetivo prático de tornar mais forte e produtiva a agricultura nos anos seguintes). Nessas ocasiões, os governantes judeus promoviam também a restituição de terras confiscadas para pagamento de débitos, bem como libertavam um grande número de escravos. Para assinalar o início do jubileu, fazia-se soar um grande corno de carneiro, em hebraico yobel, e deste termo deriva o termo cristão Jubileu.
Na Igreja Católica, o Jubileu (ou Ano Santo) é o período durante o qual o Papa concede indulgência plenária aos fieis que peregrinam a Roma e levam a cabo algumas práticas ritualísticas específicas. O primeiro Jubileu aconteceu no ano 1300, por decisão do Papa Bonifácio VIII, que fixou para a festividade uma periodicidade de 100 anos. Em seguida ela foi fixada a cada 50 anos. Atualmente os Jubileus acontecem a cada 25 anos.
Curiosidades sobre os Anos Santos
1 Vontade popular. O primeiro Jubileu foi no ano 1300, por desejo do Papa Bonifácio VIII, porém multidões de peregrinos já se dirigiam a Roma há centenas de anos. A partir do século 7 d.C., Roma substituiu Jerusalém como principal cidade santa e meta de peregrinação da cristandade. Em Roma se encontram varias tumbas apostólicas, e a cidade era a “casa” de Pedro e dos seus sucessores.
A iniciativa papal foi apenas um modo de formalizar e endereçar o interesse dos fieis e regularizar o seu fluxo. Como resposta às solicitações dos fieis, que na última noite do ano se reuniram diante da Basílica de São Pedro, Bonifácio lançou o primeiro Ano Santo. Quem, arrependido e tendo confessado seus pecados, visitasse durante 30 dias (caso fosse romano) ou 15 dias (se fosse peregrino) as basílicas de São Pedro e São Paulo, obteria a indulgência plenária.
2 Ano Santo, Ano de Ouro. O Ano Santo de 1450 foi particularmente remunerativo para hospedeiros, banqueiros e comerciantes que obtiveram grandes lucros devido à enorme afluência de peregrinos. Mas imensas somas de dinheiro afluíram também aos cofres de Cósimo de Médici, o tesoureiro papal. Papa Nicolau V (aqui retratado por Fra Angélico) foi, com efeito, o primeiro a estabelecer que quem não conseguisse chegar a Roma em peregrinação, poderia conseguir a indulgência a pagamento, ou seja, em troca de dinheiro. Se esse foi um ano de sorte para a economia romana, ele o foi bem menos para os peregrinos, atingidos por uma epidemia de peste e por uma tragédia que aconteceu sobre a Ponte Sant’Angelo. Alguns cavalos assustados galoparam contra a multidão que lotava a ponte e, na situação de pânico que se criou, muitos fieis morreram pisoteados ou caíram no rio Tibre congelado. Morreram cerca de 200 pessoas.
3 Touradas na Praça São Pedro. O ápice da corrupção foi alcançado durante o Ano Santo de 1500, organizado pelo controvertido Papa Alexandre VI, da família Bórgia. Apesar dos escândalos da sua vida devassa (e dos vários filhos que ele próprio admitiu serem seus), o pontífice estabeleceu para aquele Jubileu um rígido cerimonial religioso. Foi ele que introduziu a abertura da Porta Santa nas quatro basílicas jubilares. Enquanto o Jubileu acontecia, seu filho César era nomeado “porta-estandarte e capitão-geral da Santa Igreja Romana”.
Sob o verniz da grande pompa jubilar, o papa não dava a mínima para a saúde das almas dos fieis. Na atmosfera lúgubre e um tanto devassa que cobrira Roma, foram inclusive organizadas touradas na Praça São Pedro, onde touros bravios eram soltos para serem mortos a poder de flechas e espadas. Entre os toureiros estava o próprio César Bórgia (no retrato).
4 Ausência justificada. A abertura da Porta Santa para o Jubileu de 1600 aconteceu com uma semana de atraso. O evento não aconteceu na véspera do Natal do ano precedente, como rezava a tradição, mas no dia 31 de dezembro daquele mês, porquê o Papa Clemente VII sofrera um ataque de gota. Apesar dos problemas de saúde do pontífice, aquele Jubileu transcorreu sob o signo da devoção e da sobriedade. Foi no entanto nesse ano que o filósofo Giordano Bruno foi julgado herege e condenado pelo Tribunal da Inquisição a ser queimado vivo na praça Campo de Fiori, em Roma.
5 Vícios e proibições. Jogos, procissões com alegorias, luminárias e excessos de todo tipo costumavam acontecer durante os Anos Santos em Roma. Talvez por isso diversos jubileus instituíram proibições desde o início. Em 1725, o papa Benedito XIII proibiu as loterias, mas se mostrou mais indulgente com aqueles que cheiravam tabaco no interior da Basílica de São Pedro (até aquele momento, quem o fizesse era passível de excomunhão). Até os sacerdotes concediam a si mesmos o “luxo” de cheirar tabaco na igreja, um costume importado das Américas que começava a fazer sensação também na Europa. Mas antes disso, em 1625, o papa Urbano VIII tinha proibido esse vício aos sacerdotes católicos. Em 1675, Clemente X precisou confirmar oficialmente a proibição, formulada um século antes por Gregório III, de aumentar os preços dos alojamentos e de despejar os inquilinos das casas alugadas para obter lugares onde alojar os peregrinos. Ele também suspendeu as touradas que aconteciam no Coliseu.
6 Higiene e saúde pública. O elevado número de peregrinos criava problemas para a sua gestão: os momentos quando aconteciam grandes aglomerações eram numerosos e frequentes. Até mesmo Dante Alighieri, no Canto XVIII do Inferno, recorda que os romanos tiveram de estabelecer a mão dupla sobre a Ponte Elio para evitar perigosos engarrafamentos. Mas os verdadeiros problemas eram os da higiene e da saúde pública. Não por acaso numerosos jubileus foram palco de violentas epidemias, sobretudo de peste bubônica.
No século XVI foi instituída em Roma uma comissão especial que não consentia o acesso à cidade dos peregrinos que chegavam sem um “documento de saúde”, um atestado emitido por algum país até aquele momento não atingido pela peste.
Na foto, a roupagem típica dos antigos médicos da peste, em Roma e em outras cidades. No “bico” eram colocadas ervas que, acreditava-se, podiam proteger contra a contaminação.
7 Primeiro Jubileu italiano. Em 1875, o Jubileu aconteceu normalmente, como previsto, embora o Estado Pontifício tivesse sido há pouco anexado ao Reino da Itália (em 1870). As celebrações foram tingidas por esses fatos, e a bula papal que inaugurava aquele Ano Santo denunciava “as graves calamidades sofridas pela Igreja naqueles anos”.
Pio IX, trancou-se no Vaticano como prisioneiro voluntário para protestar contra os “usurpadores piemonteses”. O papa não participou de nenhuma cerimônia na abertura daquele Ano, e não compareceu a nenhuma outra cerimônia oficial. Mas esse pontífice de qualquer modo concedeu indulgência plenária a todos os fieis que tivessem visitado determinadas igrejas. Esta foto da tomada de Porta Pia, evento simbólico da anexação, foi retocada por um artista para que o número de soldados parecesse maior.
8 O primeiro Jubileu moderno. Em 1950 aconteceu o primeiro Ano Santo durante o qual os peregrinos puderam viajar em aviões, e os efeitos disso logo se fizeram sentir. Naquele ano, Roma foi visitada por mais de 2,5 milhões de pessoas, um verdadeiro recorde, talvez ligado à canonização de Santa Maria Goretti e à proclamação do dogma da Assunção da Virgem, que aconteceram naquela ocasião. A propósito de modernidade, em 2000, o Papa João Paulo II estendeu a indulgência também a quem seguia as celebrações através do rádio e da televisão.
9 Business, business. Já no ano 1350, o cronista e historiador Matteo Villani escrevia que, durante o Jubileu, “todos os romanos tinham se transformado em hoteleiros”, e lamentava a falta de cuidado de quem geria a estrutura hoteleira reservada aos peregrinos cansados, constrangidos a lutar até para conseguir um pouco de comida.
10 Segurança, questão fundamental. O problema da segurança, nestes dias em que o tema é dramaticamente atual, sempre esteve presente nas manifestações jubilares. No passado, a ameaça não vinha dos terroristas, mas sim dos malandros, ladrões, espertalhões e batedores de carteira que se escondiam no meio da multidão e ao longo dos caminhos que levavam a Roma. Em 1500, por exemplo, a Via Cássia estava infestada pelos bandidos da família Corsi, contra os quais o Papa Alexandre VI emanou um edital específico, banindo-os de todos os territórios controlados pela Igreja, sob pena de confiscar todos os seus bens. No ano dos Bórgia, alguns ladrões foram enforcados publicamente na Ponte Sant’Angelo.
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