Números primos: Por que me apaixonei por eles
Eles possuem milhões de dígitos e é necessário um exército de matemáticos e de máquinas para procurá-los. Como não amar os números primos gigantes? Adam Spencer, radialista, comediante e geek de matemática desde pequeno, compartilha sua paixão por esses números curiosos e pela misteriosa magia da matemática
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Video: TED – Ideas Worth Spreading
Tradução: Leonardo Silva. Revisão: Gustavo Rocha
Todas as manhãs, o radialista Adam Spencer anima o café dos australianos através das ondas da rádio 702 ABC de Sydney. É dele o talk show matinal de maior audiência no país. Seus temas preferidos são: meteorologia, tráfego, política local. Mas é o diferencial que ele utiliza o principal fator do seu sucesso: Spencer injeta em todos os seus comentários generosas pitadas de ciência e matemática, tudo salpicado de muito bom humor.
No panorama radiofônico australiano, extremamente competitivo e dominado por shows de piadinhas idiotas e programas de culinária, Adam Spencer é uma exceção. Suas informações e comentários são ecléticos, com grande preocupação quanto à exatidão dos dados informados, e ele nunca perde a chance de entrevistar grandes personagens, sobretudo quando eles são vencedores do Prêmio Nobel.
Matemática é a sua paixão. Para Spencer, "números são notas musicais com as quais é tocada a sinfonia do universo".
Vídeo da palestra de Adam Spencer no TED:
Tradução integral da palestra de Adam Spencer:
Ah, sim, aqueles dias na universidade... Um misto inebriante de matemática pura a nível de doutorado e campeonatos mundiais de debates, ou, como eu gosto de dizer: "Olá, garotas. Ah, sim." Ninguém era mais sexy que o Spence na universidade, por assim dizer.
É tão emocionante para um humilde locutor de rádio matinal de Sydney, na Austrália, estar aqui no palco do TED, literalmente no outro lado do mundo. E eu queria dizer que muitas das coisas que vocês ouviram sobre os australianos são verdadeiras. Desde pequeninos, nós mostramos um estupendo talento para esportes. No campo de batalha, nós somos guerreiros nobres e bravos. O que vocês ouviram é verdade. Nós, australianos, gostamos de beber um pouquinho, às vezes em excesso, causando situações sociais embaraçosas. (Risadas)
Essa é a festa de Natal do trabalho do meu pai, em 1973. Eu tinha quase cinco anos de idade. Para falar a verdade, eu estava curtindo o dia, mais do que o Papai Noel.
Mas eu estou aqui diante de vocês hoje não como um locutor de rádio, nem como um comediante, mas como alguém que foi, é, e sempre será um matemático. Qualquer um que tenha sido picado pelo bichinho dos números sabe que ele morde cedo e fundo.
Eu me lembro de um dia em que eu estava no segundo ano em uma bela escola pública chamada Boronia Park, nos arredores de Sydney. Quando nos aproximávamos da hora do almoço, nossa professora, a Srta. Russell, disse para a turma: "Ei, segundo ano. O que vocês querem fazer após o almoço? Eu não tenho nenhum plano". Foi um exercício de educação democrática e sou totalmente a favor de educação democrática, mas só tínhamos sete anos. Então, algumas das nossas sugestões sobre o que faríamos depois do almoço eram um pouco impraticáveis e, depois de um tempo, alguém deu uma sugestão muito boba e a Srta. Russel o acariciou com aquela máxima sutil: "Isto não funcionaria. Seria como tentar pôr uma peça quadrada em um buraco redondo."
Eu não estava tentando ser esperto. Não estava tentando ser engraçado. Eu só levantei minha mão, educadamente, e, quando Srta. Russel me autorizou, eu disse, na frente dos meus colegas do segundo ano: "Mas Srta., com certeza, se a diagonal do quadrado for menor que o diâmetro do círculo, bem, a peça quadrada vai passar facilmente pelo buraco redondo". (Risadas) "Seria como passar uma torrada por uma cesta de basquete, não?"
E houve um silêncio embaraçoso da maioria dos meus colegas de sala, até que um, sentado próximo a mim, um dos meu amigos, um dos caras mais legais da turma, Steven, se inclinou e me socou bem forte na cabeça. (Risadas) Então, o que Steven disse foi: "Veja bem, Adam, você está em um momento crucial da sua vida aqui, meu amigo. Você pode continuar aqui com a gente. Mas, mais uma dessas falas e você vai ter que sair e sentar lá com eles".
Eu pensei por um nanosegundo. Dei uma olhada para a perspectiva da vida e corri para a rua marcada como "Geek", o mais rápido que as minhas perninhas gordas e asmáticas podiam me levar.
Eu me apaixonei pela matemática desde cedo. Eu explicava a todos os meus amigos. A matemática é linda. É natural. Está em todo lugar. Os números são as notas musicais com as quais a sinfonia do universo é escrita. O grande Descartes disse algo parecido. O universo "é escrito na linguagem matemática." Hoje, eu quero mostrar a vocês uma dessas notas musicais, um número tão bonito, tão gigante, que eu acho que vai chocar vocês.
Hoje, vamos falar sobre números primos. A maioria de vocês se lembra que 6 não é primo, porque é 2 x 3. O número 7 é primo, porque é 1 x 7, mas não podemos dividi-lo em partes menores, ou, como nós chamamos, em fatores. Algumas coisas interessantes sobre os números primos, o número 1 não é primo. A prova disso é um grande truque de festa, que, com certeza, só funciona em certas festas.
(Risadas)
Outra coisa é que não existe "o maior" de todos. Eles são infinitos. Sabemos que existem infinitos números primos, graças ao brilhante matemático Euclides. Milhares de anos atrás, ele provou isto para nós. Mas, quanto à terceira coisa, matemáticos sempre se perguntaram, em qualquer momento no tempo: qual o maior número primo do qual temos conhecimento?
Hoje, vamos à caça deste número primo gigante. Não pirem. Tudo que vocês precisam saber, de toda matemática que já aprenderam, desaprenderam, amontoaram, esqueceram, nunca nem sequer entenderam, tudo o que vocês precisam saber é isto: Quando eu digo "2 elevado à quinta potência", estou falando de 5 pequenos 2, um ao lado do outro, todos multiplicados. 2 x 2 x 2 x 2 x 2. Então, 2 elevado à quinta é 2 x 2 = 4, 8, 16, 32. Se vocês entendem isso, estão prontos para toda a jornada. Certo? Então, 2 elevado a 5, esses cinco pequenos 2 multiplicados. (2 ^ 5) - 1 = 31. O número 31 é primo e o 5, na potência, também é. E a maior parte dos números primos gigantes que já encontramos têm esta forma: 2 elevado a um número primo, menos 1. Não vou entrar em muitos detalhes do porquê, pois os olhos da maioria de vocês vai saltar das órbitas se eu o fizer, mas basta dizer que é fácil verificar se um número com esse formato é primo. Um número ímpar aleatório é bem mais difícil de verificar. Mas, logo que começamos a busca por números primos, percebemos que não basta simplesmente colocar qualquer número primo na potência. (2 ^ 11) - 1 = 2.047, e não preciso dizer que isso é 23 x 89. (Risadas) Mas (2 ^ 13) - 1, (2 ^ 17) - 1 (2 ^ 19) - 1, são todos números primos. Depois desse ponto, eles se diluem bastante.
Algo que adoro sobre a busca por números primos gigantes é o fato de algumas das grandes mentes da matemática de todos os tempos terem embarcado nessa busca. Esse é o grande matemático suíço Leonhard Euler. No início do século 18, outros matemáticos disseram que ele é simplesmente o mestre de todos nós. Ele era tão respeitado, que o puseram na moeda europeia, na época em que isso era uma honra.
Euler descobriu o maior número primo do mundo na época: (2 ^ 31) - 1. Ele está acima de dois bilhões. Ele provou que esse era um número primo com nada além de uma pena, tinta, papel e sua mente.
Acha esse número grande? Sabemos que (2 ^ 127) - 1 é um número primo. É gigantesco.Veja só isso: um número de 39 dígitos que um matemático chamado Lucas provou ser primo, em 1876. Falou e disse, maluco!
Uma das melhores coisas na busca por números primos gigantes é que não se trata apenas de descobri-los. Às vezes, provar que outro número não é primo gera a mesma empolgação. Mais uma vez, Lucas, em 1876, mostrou-nos que (2 ^ 67) - 1, com 21 dígitos, não era primo. Mas ele desconhecia os fatores. Sabíamos que era como 6, mas não sabíamos quais são os 2 x 3 que multiplicam-se entre si para nos dar esse número gigante.
Ficamos quase 40 anos sem saber, até que Frank Nelson Cole apareceu. E, em um encontro de matemáticos americanos de prestígio, ele se aproximou do quadro, pegou um pedaço de giz e começou a escrever as potências de 2: 2, 4, 8, 16... Vamos lá, digam comigo. Vocês sabem... 32, 64, 128, 256, 512, 1.024, 2.048. Estou num paraíso geek. Paremos aqui um segundo. Frank Nelson Cole não parou por aí. Ele prosseguiu e calculou 67 potências de 2. Ele tirou uma e escreveu esse número no quadro. Um frisson tomou conta do lugar. Ficou ainda mais empolgante quando ele, então, escreveu esses dois grandes números primos em formato de multiplicação padrão. E, durante o restante de sua palestra de uma hora, Frank Nelson Cole mostrou isso. Ele havia encontrado os fatores primos de (2 ^ 67) - 1. Todos ficaram descontrolados... (Risadas)... quando Frank Nelson Cole se sentou, tendo apresentado a única palestra da história da matemática sem uma palavra sequer. Ele admitiu depois que não foi tão difícil. Foi preciso foco. Foi preciso dedicação. Ele levou, segundo sua estimativa, "três anos de domingos".
Mas, então, no campo da matemática, como em tantos dos campos de que ouvimos falar nesta conferência TED, a era do computador se desenrola e as coisas explodem. Esses são os maiores números primos que conhecíamos, década após década, cada superando muito o anterior, quando os computadores assumiram o controle e nossa capacidade de cálculo aumentou cada vez mais.
Esse era o maior número primo que conhecíamos em 1996, um ano muito comovente para mim. Foi o ano em que saí da faculdade. Eu estava dividido entre matemática e mídia. Foi uma decisão difícil. Eu adorava a faculdade. Minha nota em artes era a melhor em nove anos e meio da minha vida.
Mas cheguei a uma compreensão da minha própria capacidade. Resumindo, numa sala cheia de pessoas escolhidas aleatoriamente, eu sou um gênio da matemática. Em uma sala cheia de doutores em matemática, fico tão mudo quanto uma caixa de ferramentas. Minha habilidade não é em matemática, mas em contar a história da matemática.
E, durante aquela época, desde que deixei a faculdade, esses números ficaram cada vez maiores, cada um superando muito seus anteriores, até que surgiu um homem, o Dr. Curtis Cooper, que, alguns anos atrás, ganhou o recorde pelo maior número primo, somente para vê-lo afastado por uma universidade rival. Aí, Curtis Cooper o recuperou. Não anos nem meses, mas dias atrás. Num incrível golpe do acaso, tive de enviar ao TED um novo slide para mostrar a vocês o que esse cara fez.
Ainda me lembro... (Aplausos)... Ainda me lembro quando aconteceu. Eu estava apresentando meu programa de rádio matinal. Dei uma olhada no Twitter. Havia um tuíte: "Adam, já viu o novo maior número primo? Eu tremi... (Risadas)... Falei com as mulheres que produzem meu programa em outra sala, e disse: "Meninas, segurem as principais notícias. Não vamos falar de política hoje. Não vamos falar de esportes hoje. Descobriram outro megaprimo". As meninas simplesmente sacudiram a cabeça, puseram-na entre as mãos e me deixaram fazer do meu jeito.
Graças a Curtis Cooper, sabemos atualmente que o maior número primo que conhecemos é 2 ^ 57.885.161. Não esqueçam de subtrair o 1. Este número tem quase 17 milhões e meio de dígitos. Se você o digitasse em um computador e o salvasse como arquivo de texto, daria 22 mega. Para os que são ligeiramente menos geek aqui, lembrem das histórias de Harry Potter, certo? Esta é a primeira história de Harry Potter. Aqui, todas as sete histórias de Harry Potter, porque ela quis criar uma certa agitação perto do fim. (Risadas) Escrito como um livro, esse número daria 1 vez e meia todas as histórias de Harry Potter. Eis um slide dos primeiros 1.000 dígitos desse número primo. Se, quando a conferência TED começou, às 11h de terça-feira, tivéssemos saído e deixássemos passando um slide por segundo, levaria cinco horas para mostrar esse número a vocês.Tive muita vontade de fazer isso, mas não consegui convencer o Bono. Foi o que aconteceu.
Esse número ocupa 17,5 mil slides, e sabemos que ele é primo com tanta certeza quanto sabemos que o número 7 é primo. Isso me dá quase que uma excitação sexual. A quem estou enganando quando digo "quase"?
Sei o que vocês estão pensando: "Adam, estamos felizes por você estar feliz, mas por que vamos ligar para isso?" Vou dar apenas três razões de por que isso é tão belo.
Em primeiro lugar, como expliquei, perguntar a um computador: "Esse número é primo?", digitá-lo em sua forma abreviada e, então, verificarmos se ele é primo com apenas cerca de seis linhas de códigos é uma pergunta incrivelmente simples de se fazer. Existe uma resposta "sim/não" incrivelmente clara, e isso apenas requer uma dedicação fenomenal. Os números primos grandes são uma ótima forma de testar a velocidade e precisão de chips de computador.
Em segundo lugar, enquanto Curtis Cooper buscava o monstruoso número primo, ele não era o único. Na minha casa, meu laptop analisava quatro candidatos a número primo em potencial, como parte de uma caça de computador em grupo, ao redor do mundo, por esses números gigantes. A descoberta desse número primo é parecida com o trabalho que as pessoas estão realizando para revelar as sequências de RNA, para analisar dados do SETI e outros projetos astronômicos. Vivemos em uma era em que algumas das maiores descobertas não vão acontecer em laboratórios nem nos salões da comunidade acadêmica, mas em laptops, desktops, na palma das mãos das pessoas que estão simplesmente ajudando na busca.
Mas, para mim, isso é incrível, por ser uma metáfora para o tempo em que vivemos, em que as mentes humanas e as máquinas podem vencer juntas. Ouvimos falar muito sobre robôs nesta conferência TED.
Ouvimos muito o que eles podem e não podem fazer. É verdade. Hoje, dá para baixar em seu smartphone um aplicativo capaz de vencer a maioria dos grão-mestres do xadrez.
Você acha isso legal? Eis uma máquina fazendo algo legal. Este é o CubeStormer II. Ele é capaz de dar conta de um cubo de Rubik embaralhado. Utilizando o poder do smartphone,ele é capaz de examinar o cubo e resolvê-lo em cinco segundos.
Isso assusta algumas pessoas. Isso me empolga. Que sorte a nossa, por vivermos numa época em que mente e máquina podem trabalhar juntas.
Em uma entrevista, no ano passado, perguntaram-me, sendo eu uma "celebridade", com "c" minúsculo, na Austrália: "Para você, qual foi o destaque de 2012?" As pessoas esperavam que eu falasse sobre meu amado time de futebol australiano, o Sydney Swans. Nesse nosso belo e nativo esporte, ganhamos o equivalente ao Super Bowl. Eu estava lá. Foi o dia mais comovente e empolgante. Mas, para mim, não foi o destaque de 2012.Acharam que talvez fosse uma entrevista que fiz. Talvez fosse um político. Talvez, uma descoberta. Talvez um livro que li, ou arte. Não, não e não. Talvez fosse algo que minhas duas lindas filhas tivessem feito. Não, não foi. O destaque de 2012, obviamente, foi a descoberta do bóson de Higgs. Uma salva de palmas para a partícula fundamental que proporciona massa a todas as outras partículas fundamentais.
E a beleza dessa descoberta foi que, 50 anos atrás, Peter Higgs e sua equipe pensaram sobre uma das mais profundas de todas as questões: como podem as coisas que nos constituem não possuir massa alguma? Eu, obviamente, possuo massa. De onde ela vem?E ele sugeriu que existe uma campo infinito e incrivelmente pequeno esticado por todo o universo e, quando outras partículas atravessam essas partículas e interagem com elas, é aí que elas obtêm sua massa. O restante da comunidade científica disse: "Ótima ideia, Higgsy. Não fazemos ideia se algum dia poderemos provar isso. Está além do nosso alcance". E, em apenas 50 anos, ainda em vida, com ele sentado na plateia, tínhamos criado a maior máquina de todos os tempos, para provar essa ideia incrível que teve origem em uma mente humana.
É isso que acho tão empolgante nesse número primo. Achamos que poderia estar lá e o encontramos. Essa é a essência de ser humano. Isso é o que nós somos. Ou, como diria meu amigo Descartes: "Pensamos; logo, existimos."
Obrigado.
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