Nossa Senhora Aparecida - A madona negra brasileira
Lucy Penna, autora de Aparecida do Brasil, a Madona Negra da Abundância, explica os significados do mito de nossa senhora e conta como ele está ligado ao sagrado feminino. Lucy Penna infelizmente faleceu em Goiânia, poucos meses depois desta entrevista. Psicoterapeuta de linha junguiana, foi uma grande pesquisadora de mitos brasileiros e seus significados
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Entrevista a: Andiara Maria, concedida em Goiânia
Como uma pequena imagem quebrada, encardida, pescada no rio, tornou-se a santa padroeira do País e tem sido capaz de atravessar séculos inspirando uma devoção que atrai anualmente 7 milhões de romeiros ao maior centro de peregrinação da América Latina? Em busca de respostas que ultrapassam as fronteiras da religiosidade, a psicoterapeuta junguiana se entregou de corpo e alma à pesquisa do que ela considera um dos grandes mitos brasileiros: Nossa Senhora da Conceição Aparecida.Sua busca resultou no livro Aparecida do Brasil, a Madona Negra da Abundância, lançado pela Editora Paulus.
Com a emoção que move os buscadores, o olhar perspicaz da mestra e doutora em psicologia clínica, a experiência de mais de 30 anos de consultório e os conhecimentos reunidos em inúmeros estudos sobre os símbolos sagrados do feminino, Lucy seguiu os passos de Aparecida. Viajou no tempo, recompondo o cenário político, social e econômico no qual emergiu a padroeira. Seguiu o rastro da Madona Negra indo em busca de diversas manifestações do seu arquétipo. No Havaí, fez contato com Pele, a deusa dos vulcões. Na Suíça, se emocionou com a Madona de Einsiedeln, e do mesmo modo com a Madona de Czestochowa, na Polônia, e Nossa Senhora de Guadalupe, no México.
Em seu consultório em Goiânia (GO), onde viveu até falecer a 26 de agosto de 2011, Lucy se empolgava ao revelar os muitos significados do mito de Aparecida. Os olhos de um verde profundo, normalmente tranquilos, se agitavam. Os cabelos e a pele acobreados ganhavam ainda mais vida. Os braços da autora de Dance e Recrie o Mundo assumem gestos largos. Aparecida, ensina Lucy, nos adverte sobre a necessidade de cuidar melhor dos nossos recursos hídricos e nos indica como curar as feridas da alma coletiva brasileira e tornar mais íntegro o caráter nacional, pondo fim à corrupção e às desigualdades sociais para que tenhamos, enfim, abundância.
Você estuda o feminino sagrado há mais de 3 décadas e, em 1996, já havia abordado o milagre e Aparecida em uma pesquisa sobre as divindades femininas do Brasil. Seu interesse pelo tema nasceu ali?
Sim, na época eu me debrucei sobre Aparecida e a questão do sagrado feminino, mas essa fase teve uma intermitência, logo eu já estava estudando outros temas. Conscientemente não estava ligada em Aparecida. O que me levou de volta a ela foram algumas viagens. No Havaí, por exemplo, tomei contato com Pele, a deusa dos vulcões. Era uma completa novidade para mim. Foi algo que ficou no meu inconsciente fazendo uma teia. Mais tarde, na Inglaterra, comprei vários livros, entre eles A Madona Negra, de Ean Begg. Ele teve todas as profissões do mundo e, já no fim da vida, foi fazer um curso de formação junguiana e se interessou pelo assunto. Ele levantou 450 Madonas Negras cristãs, no eixo da Europa e dos países de língua inglesa. No livro dele há um trecho sobre Aparecida e, quando percebi, estava profundamente atraída pela figura da Nossa Senhora Aparecida do Brasil, sendo que eu não era devota.
Isso motivou sua pesquisa?
Não. Eu já morava em Goiânia e, quatro anos atrás, de repente, acordei pensando em Aparecida, me senti motivada a me debruçar sobre ela e comecei a pesquisa.
Você trata Aparecida como um mito brasileiro. O que confere a ela esse caráter?
O mito é um sonho coletivo e o Brasil sonhou com a Madona Negra, que apareceu e foi chamada Aparecida.
Sonhou como?
Ela é uma cocriação nossa, porque os outros fatores são mistério, fazem parte do mistério. Por que ela é um sonho nosso? Tentei entender isso levando em conta as condições sociais, históricas e antropológicas que faziam parte da psique das pessoas naquela hora. Qual era o estresse, o anseio e o sofrimento delas, qual era aquela condição que daria, em termos da psique, a descoberta de uma fonte de misericórdia, de uma fonte de alívio e de proteção. Elas eram totalmente deserdadas ali, e não só os escravos. Todos estavam abandonados pelos órgãos públicos.
Todos sabem que a imagem de Aparecida foi pescada aos pedaços no rio Paraíba, mas pouca gente conhece os detalhes da história.
Os pescadores estavam angustiados, porque eram considerados bons a ponto de receber a encomenda de pescar parte do banquete em homenagem ao conde de Assumar, o novo governador da província de São Paulo e Minas Gerais, que passava pela Vila de Guaratinguetá, com uma comitiva de quase 500 pessoas. Você imagina, tinha de ter muito peixe. Eles passaram a noite pescando. Navegaram pelo rio e não pescaram nada. Mas João Alves, seu pai, Domingos, e seu tio Felipe não desistiram, apesar do cansaço. O rapaz foi quem apanhou primeiro o pedaço do corpo e, depois, a cabeça. Isso sempre me intrigou. Como é que a água do rio está passando e vem um pedacinho da cabeça da santa? O que é isso? De onde vem? Isso é um mistério. E esse é o lado do mistério que acho apaixonante.
Existe ainda o detalhe de que, depois que ele encontrou a santa, a pesca foi abundante.
Esse é o milagre.
Qual é o simbolismo dessa história: um pescador joga a rede e pesca o corpo e, depois, a cabeça de uma imagem, num rio caudaloso. Ao unir as duas partes, percebe que é uma Nossa Senhora negra...
O simbolismo pode ser visto em vários níveis. Naquela hora, ela foi identificada como uma santa católica. Eles não sabiam qual era a Nossa Senhora e a chamaram Aparecida. Aparece, Aparecida! Não havia esse nome no Brasil nem registro civil de alguma mulher batizada com esse nome. Também não era nenhuma santa de igreja até aquele momento. Então ocorreu a circunstância, a ânsia de eles acreditarem no milagre para salvar sua sobrevivência. Foi nessa condição que nasceu o mito. O mito se torna um sonho coletivo, mas na sua origem pode ter ocorrido com um grupo pequeno de pessoas ou, às vezes, uma pessoa que teve uma experiência que a gente conhece como sendo o encontro com o mistério, uma experiência luminosa, como quem pensa: "Hum, entendi! Pesquei uma santa quebrada, mas é uma santa e ela vai nos ajudar." Aí vem o mistério, a rede cheia de peixes. E a conjuntura começa a sair do controle racional, porque várias pessoas se aproximam daquele evento e dizem: "Aqui tem um toque de mistério. Vamos rezar, vamos pedir."
Surge uma santa negra, num país onde reinava a escravidão, e, de repente, todos começam a cultuar a imagem.
Mas eram os negros, os mamelucos, os indígenas e os mulatos que estavam com ela. Demorou dez anos para que o pároco da cidade se interessasse. E temos de perguntar: por que essa história não acabou? Por que não foi sufocada e, apesar dos ataques que ainda sofre, por que a crença se espalhou pelo Brasil inteiro? Diante de um mito, é preciso avaliar o contexto histórico. Ele pega uma amplitude da psique coletiva, portanto, da cultura daquele momento, e não só daquele local, mas da cultura do país. A partir disso, passa a ser vivido pelas pessoas como se fosse um ser vivo que respira com elas. Assim, Aparecida vai se tornando padroeira daquele lugar, padroeira do Brasil. Ela está dentro de nós e, ao mesmo tempo, é um ser psíquico que extrapola as nossas mentes, porque senão teria morrido quando acabou aquela geração que viveu a escravidão. Nós estamos a três séculos disso!
Você defende a tese de que Aparecida é uma manifestação do arquétipo da Madona Negra. Como funciona esse arquétipo que se manifesta tanto em um país mestiço, como o Brasil, quanto em países de raça caucasiana?
É assim mesmo, estranho. O impacto que tive na Suíça ao conhecer a Abadia da Madona Negra de Einsiedeln foi enorme. O local é um centro de peregrinação que inspira a devoção de católicos e até mesmo de protestantes. Lá, você mergulha num simbolismo mais profundo que ultrapassa a cor da pele, aqui no Brasil bastante vinculada à escravidão. Percebe que esse negro é também a noite de onde emerge tudo o que é criado. Dentro de uma amplificação possível nessas condições, esse é o negro do útero da terra. As Madonas Negras têm uma relação muito interessante com Gaia, com a própria Terra, com o próprio planeta. Essa imagem do feminino parindo tudo. A Madona Negra é uma formulação da Grande Mãe Terra.
O que as Madonas Negras têm em comum, além da cor?
A Madona Negra traz uma espécie de conteúdo encontrado inclusive em madonas anteriores ao cristianismo, no sentido da relação com nossos instintos básicos; portanto, da relação com a sobrevivência, da relação com a criação, com a fertilidade do planeta e da mulher. E, numa forma mais ampla, com a criatividade, com a capacidade de inventar, de se criar maneiras não apenas de sobreviver, mas também de evoluir. Há uma circunstância muito interessante nos lugares mais pesquisados por mim, como a Polônia, a Suíça, o México e o Havaí: a crise social de identidade daqueles povos. Nesses momentos de crise social, se ela não emergiu, emerge. E, quando emerge com essa força telúrica, ela representa a capacidade do povo de se reorganizar e lutar pela própria identidade. Há uma crise de identidade ameaçando a constituição do povo.
Qual era a crise que o Brasil atravessava quando a santa foi encontrada?
A nossa mestiçagem. Há um dado que acho importante: ela não caiu negra no rio, mas colorida. Era policromada e teria ficado tanto tempo dentro do rio a ponto de embeber-se de uma mistura de lodo. Maria Helena Chartuni (a artista plástica que restaurou a imagem da santa depois que ela foi roubada e quebrada, em 1978) me disse: "Lucy, os resquícios de cor estavam dentro de alguns dos fragmentos que me trouxeram." Antes se imaginava que alguém a tivesse esculpido negra para significar que era a Nossa Senhora dos escravos. Aí entra mais uma dose de mistério, porque foi a água do rio que a deixou negra.
Está claro que Aparecida é uma metáfora da alma negra do Brasil. Mas, além disso, existe o fato de que ela emerge das águas, assim como outras divindades femininas brasileiras.
Em Aparecida, o que me chama a atenção é que ela emerge do rio e, aos poucos, descubro que ela foi cocriada pelo rio. Aqui já se tem uma condição que surge com a água, a água criando a imagem de Aparecida como nós a conhecemos. E isso dentro de um rio que se tornou de grande importância econômica e social para aquela região. Pela nossa grande abundância de água, temos madonas brasileiras envolvidas com os rios e com o mar, de norte a sul. A qualidade da interação que nós temos com as águas é que precisa agora receber uma atenção mais cuidadosa. As águas falam para a nossa psique, se comunicam conosco no nível subliminar. São poderosas. Aparecida emerge do rio para nos mostrar que a água não é silenciosa e, como a nossa psicologia está voltada para esse feminino das águas, ela representa a maternidade das águas. As águas vivas nos têm e vão nos parindo o tempo inteiro. Uma das fontes para essa minha compreensão da parição das águas (parição, não aparição!) é o mito disseminado na Amazônia inteira de que o povo das águas, como são chamados os indígenas, veio de uma transformação de seres que habitavam dentro dos rios.
Os índios Carajás, do rio Araguaia, têm o mesmo mito. Antes de serem homens eram peixe, o aruanã.
É isso!
De certa forma, essa é a teoria científica, a vida começou nas águas.
Sim. Então, você vê um dado do inconsciente coletivo universal com a vestimenta que ele tem para nós. As águas significam símbolos de uma natureza profundíssima enquanto origem, transformação e regeneração. E Aparecida resume tudo isso numa figura humanizada.
Qual seria a mensagem de Aparecida emergindo das águas?
Considerar a água um ser vivo. Cuidar com sabedoria dos nossos recursos hídricos.
É uma mensagem bem atual, mas e naquele momento histórico?
Naquela hora, o que ficou mais evidente em Aparecida foi a identidade pela cor. A paixão por uma Nossa Senhora que parece a mãe negra da gente. Nessa fase ela é o ouro negro, que virou ouro preto, a grande protetora de quem buscava o ouro. Ele movia a economia na época, e, por conseguinte, o peixe, a sobrevivência. Hoje, nós não a vemos mais só assim. Vamos dando conotações diferentes para a mesma imagem.
A questão de ela ter vindo sem cabeça, por exemplo, até agora nunca foi levantada. Mas não é ao acaso que Aparecida vem com a cabeça quebrada. Eu, que trabalho em psicologia com o corpo, dentro da noção junguiana do que é uma integridade, digo: corpo e cabeça são pares de opostos.
E você dá vários significados para esses pares de opostos.
Faço uma listinha, porque isso é muito complexo. Hoje, estamos dando uma conotação bem profunda da busca da integridade, isso quer dizer caráter, caráter íntegro.
No mito de Aparecida, cabeça e corpo cortados representam uma fragmentação da alma brasileira?
Em primeiro lugar, não entendi isso sozinha. Entendi estudando outros autores brasileiros que, de certa forma, estão aí mencionados, como o Sérgio Buarque de Holanda, o Roberto Gambini e o diplomata Meira Pena, que se debruçou sobre o povo brasileiro. Aparecida representa a divisão que nós temos entre uma herança materialmente trazida pelos europeus, no sentido de uma civilização racional e baseada na ordem e no progresso, e uma herança indígena em que a lógica era outra, a organização era outra. Os povos indígenas acreditam que tudo no universo tem alma – as pedras, as plantas, os animais, não só as pessoas – e procuram viver em consonância com esses elementos. O mundo europeu tinha perdido essa visão animista e adquirido outra, que nós caracterizamos como cristã e também científica. Não se vê a alma das coisas dentro da ciência. É essa característica que hoje parece estar como uma espécie de grande desafio, "me decifra ou eu te devoro", dentro da nossa personalidade enquanto povo. Ou seja, nós vamos ter progresso e ordem neste país sacrificando totalmente o outro lado, o lado que reverencia e respeita a natureza, curte essa natureza exuberante do País, o lado que gosta da sexualidade, gosta de festa?
Mas você também analisa a divisão entre cabeça e corpo em um contexto bem político.
Cabeça enquanto governo, corpo enquanto nação. Realmente, a nação é como o corpo de um ser e o governo deveria ser a cabeça, capaz de organizar. Mas no Brasil, no momento, eu vejo uma separação impressionante. A abundância só vai acontecer quando o corpo e a cabeça estiverem unidos.
Cabeça e corpo continuam separados como há 300 anos?
Sim! Digo que o Imposto de Renda hoje é uma continuação piorada do quinto que o conde de Assumar veio cobrar aqui. Aliás, é até maior, não é nem um quinto, é um terço, se não for mais. E a gente não sabe para onde vai o dinheiro. Então, o corpo e a nação de um lado e o governo e a cabeça de outro continuam tão afastados quanto no tempo do Brasil Colônia. É preciso assumir: "Tenho cabeça e corpo, então eu vou me administrar." No plano da democracia, não é mais admissível dúvida, nós temos de nos governar. Cada um de nós. Essa associação provoca dois tipos de comportamento que tento caracterizar: 1º) "Não confio no governo." 2º) "Digo que não confio, mas, se puder, quero estar lá e, quando estiver, esqueço tudo o que ficou lá trás." As dificuldades que enfrentamos como povo, como nação, de dar às coisas começo, meio e fim, fazer projetos e terminá-los são tão grandes que me levam a dizer: "Puxa vida, Aparecida daqui a pouco vai sofrer outro ataque, vai se despedaçar toda." Porque ela está representando o despedaçamento dentro de nós.
Você tocou em um ponto interessante: essa imagem já foi vítima de vandalismo duas vezes. Por quê?
Muito mais. Só se fala de dois ataques porque foram mais bem documentados. É a mesma coisa que acontece quando, por exemplo, eu estou vivendo uma crise, passando uma situação difícil e aí tropeço na rua e torço o tornozelo, quebro uma perna. Seria um momento para eu parar e refletir um pouco. Como é que estou andando? Para onde estou indo? Como pessoa, isso é possível, mas, como povo, precisamos nos educar, falar e discutir muito e encontrar maneiras comuns de compreensão. Isso, enquanto o corpo de uma nação precisa de educação, e muita educação. Conhecimento.
De acordo com o mitólogo norte-americano Joseph Campbell, que você cita no livro, o mito tem quatro funções: espiritual, filosófica, sociológica e pedagógica. Quais seriam elas no caso de Aparecida?
A função pedagógica do mito diz o seguinte: enquanto você tiver a cabeça separada do corpo, você não tem fartura na vida. Cabeça significando capacidade de organização, previsão de recursos, planejamento, direção de vida. O corpo significando a força de trabalho, a alegria de viver e o gosto de saber que eu estou fazendo porque gosto de estar com as pessoas na fartura, na abundância. Alegria! Principalmente alegria de viver, e a sexualidade está dentro disso.
Já a função sociológica, mais ligada à cor de Aparecida, significa: precisamos aceitar de verdade a nossa morenice. Aparecida aponta para o perigo da dissociação coletiva por conta da discriminação. Nós temos sim, dentro de nós, uma inaceitação da nossa morenice. Somos um povo marrom! De várias tonalidades, do escuro ao ocre dourado. Então, essa já é uma questão ligada com a nossa sociologia e, portanto, com a evolução de indígenas e de descendentes afros na sociedade galgando postos, como Marina Silva, descendente negra dentro de uma candidatura à Presidência.
E a função espiritual?
Para mim, ela significa um alcance metafísico no seguinte sentido: a relação do feminino é a relação da escuta do mistério, da escuta mais atenta de poderes transcendentes que atuam nesse planeta, atuam no Sistema Solar e em outras esferas maiores que nós, seres humanos; comunicam com ondas magnéticas, e outras ondas que ainda não descobrimos, informações importantíssimas para que saibamos quem somos, de onde viemos e para onde vamos.
O feminino é capaz de abrir, acolher esse tipo de informação ainda não decifrado. Ele se traduz por essa qualidade da alma humana de poder, sejamos homens ou mulheres, receber uma informação que não decodificamos imediatamente no racional, mas sentimos que ela nos transforma.
O feminino no mundo, como abordagem do real, é essa abordagem que torna o visível e o invisível comunicantes. Primeiro, aceita o invisível como real também. Por que real? Porque me atinge, me modifica, me comove e me estimula. A função espiritual do mito Aparecida é a aceitação de um feminino sagrado que, neste país, fala em todos os recantos, simbolizando a integração necessária para a evolução da consciência coletiva do Brasil, no sentido de maior igualdade, solidariedade e criatividade.
O mito atua na psique coletiva independentemente da compreensão que se tem dele?
Ele atua tão forte na psique inconsciente da maior parte das pessoas que o mito Aparecida permanece vivo até hoje. Agora, cutucando meus colegas psicólogos, nós estamos no Brasil tentando formar a nossa cabeça, estudando mitos que foram vivos para povos do outro lado do mundo. Formidável! Fantástico! Já fiz esse caminho. Mas é preciso outro esquema para entender quem somos nós aqui, onde estamos. A gente deve parar de estudar deusas gregas, romanas e não sei mais das quantas e passar a estudar os nossos mitos, que são extremamente valiosos.
Prestaríamos um serviço de utilidade pública. Porque isso representa uma terapia socializada, vamos dizer assim. Temos de nos apoiar nos mitos da nossa gente. Eu cito o Macunaíma, mas há muitos outros que representam essa criação das questões da nossa psique, como os sonhos coletivos de grupos. E o que são sonhos coletivos? Estão representando o quê? Os nossos anseios frustrados, a nossa sombra, que são nossas dificuldades, como encostar o corpo, ser meio malandrinho, preguiçoso e assim por diante. É preciso que a gente se valorize. Nós criamos esses mitos.
Por fim, como uma imagem tão pequenina tem tamanha força? Você já encontrou uma resposta?
Tem um mistério. Nós nos debruçamos sobre o mistério não para obter respostas, mas para fazer outras perguntas.
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