Mexilhão dourado. Uma invasão que ameaça o Pantanal e a Amazônia
Na década de 1990, o mexilhão dourado (Limnoperna fortunei) tomou carona em navios que vinham da Ásia para a América do Sul. Na década seguinte, esse molusco proliferou através dos sistemas fluviais sul-americanos, destruindo o habitat nativo e perturbando o funcionamento de usinas hidroelétricas e de tratamento da água. Espécie invasora, ela agora ameaça o inteiro ecossistema da Amazônia
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Por: Marcela Uliano da Silva (Em entrevista ao TED-Fellows)
A bióloga computacional brasileira Marcela Uliano da Silva é um dos cientistas que trabalham para tentar por um fim à invasão do mexilhão dourado. Ela desenvolve o sequenciamento do genoma do molusco pela primeira vez. Em recente entrevista ao TED-Fellows, blog da célebre organização de depoimentos em vídeo, Marcela explica como espera usar a informação obtida a partir do perfil molecular desse animal para parar a invasão atual e impedir as outras que acontecerão no futuro.
TED – Fale-nos sobre o mexilhão dourado. Por que ele representa um problema para a América do Sul?
Marcela Uliano da Silva – O marisco dourado é originário da Ásia e chegou à América do Sul ao redor de 1990, nos depósitos de água de lastro dos navios. Os primeiros mexilhões foram lançados no estuário do Rio da Prata, na Argentina, e rapidamente começaram a se espalhar pelo Rio Paraná, subindo o rio até alcançar as planícies do Pantanal. Nessas bacias fluviais, os mexilhões dourados se reproduzem em larga escala, e em ritmo rápido, se incrustando e entupindo os dutos das usinas hidrelétricas e das estações de tratamento de água. Ao mesmo tempo, o molusco ocupa o espaço das espécies nativas. Esses mexilhões chegaram a Itaipu – uma das maiores hidrelétricas do mundo – e foram além, alcançando agora várias hidrelétricas de São Paulo e Minas Gerais.
O mexilhão dourado, no entanto, não se espalha apenas através das águas de lastro e das larvas que sobem os rios nadando contra a corrente – o público também desempenha um papel muito ativo nessa invasão. Todos os anos, existem vários festivais de pesca em todo o sul e sudeste do Brasil, e o público vem a eles de carro, puxando seus barcos normalmente estacionados no sul. Quando colocam seus barcos na água, eles introduzem os mexilhões dourados em novos rios. Essa é a forma como eles foram introduzidos no Pantanal. E por isso a educação ambiental e o despertar das consciências nas pessoas é tão importante: precisamos evitar a introdução desses moluscos em novas locações.
TED – Como os mexilhões afetam o ecossistema nativo?
Os cientistas agora chamam o mexilhão dourado de “engenheiro ecossistêmico”, pelo fato de que, infelizmente, ele muda de ambiente com enorme facilidade e eficiência. Uma das suas características é a reprodução intensiva, com a criação de novas vastas populações. Ele se alimenta através da filtragem da água, de modo que, quando existem muitos mexilhões em uma zona, isso aumenta a transparência da água. Como resultado, a luz do Sol penetra muito mais profundamente na água, provocando alterações nos níveis do fitoplâncton e no equilíbrio das espécies que vivem na superfície. Em alguns rios já existem evidências de um aumento de 20% da população de peixes porque eles encontram nos mexilhões uma nova e abundante fonte de alimento. Mas quando você aumenta o número de peixes, acontece um efeito dominó, já que eles estão no topo da cadeia alimentar. Como consequência, quando ocorre uma invasão de mexilhões, ela transforma todo o ecossistema, fazendo diminuir a biodiversidade e homogeneizando o ambiente.
TED – Os mexilhões dourados constituem uma ameaça para a Amazônia?
Sim, com certeza, e esta é a principal razão para justificar nosso trabalho de desenvolvimento de uma solução baseada na genética. A Amazônia é a região de maior biodiversidade em todo o mundo. Se o mexilhão dourado chegar a ela, irá modificar o ambiente, da mesma forma que já o fez em outras bacias sul-americanas. Irá desequilibrar o ecossistema da Amazônia. E isso será um desastre.
TED – O que impediu, até agora, que o mexilhão dourado chegasse à Amazônia?
Além das campanhas educacionais para prevenir que as larvas do mexilhão se espalhem, existe um regulamento brasileiro chamado NORMAM 20, que obriga os navios comerciais que vão à Amazônia a jogar fora duas vezes suas águas de lastro antes de penetrarem na bacia do Amazonas.
As águas da bacia amazônica também variam muito em termos de características físico-químicas e, numa certa medida, isso tem ajudado a prevenir o estabelecimento do mexilhão dourado em certas áreas. No entanto, as assim chamadas “águas brancas” – que têm pH próximo do neutro e uma grande quantidade de minerais sólidos em suspensão – seriam receptivas ao mexilhão dourado. As águas das bacias do Paraná, do Paraguai e do Uruguai, nas quais o mexilhão já se instalou, têm características similares.
TED – Fale-nos sobre a tese que você publicou recentemente. Por que ela é importante?
Meu trabalho se destina a identificar os dados genéticos do mexilhão dourado, e a usar nosso conhecimento do perfil molecular desse animal de modo a impedi-lo de continuar a afetar e destruir o nosso meio ambiente.
Vídeo:
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