Me tire do mundo de lobos

Na Índia, há quase 100 anos, foram descobertas duas crianças, Amala e Kamala, que viveram numa família de lobos. A primeira com um ano e meio morreu em contato com a civilização. A outra viveu por nove anos



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Cada dia que passa aumenta a sensação de que viver em uma caverna é o melhor negócio. Será mesmo? A sociedade está tão tresloucada que perdemos um pouco o rumo da compreensão humana. O episódio de Realengo reportado na imprensa deixou todos – sem exceção - atônitos, perplexos, boquiabertos, embasbacados. Falta-nos, é óbvio, capacidade para raciocinar no caminho de uma explicação, se é que é possível explicar.

A maioria de nós se considera moderna. Tem à disposição todos os aparatos tecnológicos e fazemos contatos cada vez mais virtuais. O olho-no-olho é trocado, quando muito, por um câmera-a-câmera. O mundo onde vivo não é o mesmo que o seu, nossas diferenças podem estar no quanto seu dia-a-dia é mais ou menos virtual do que o meu.

Nós, brasileiros, já presenciamos assassinatos em cinemas, bancos, supermercados, cadeias, bancas de jornal, hospitais, escolas, na Avenida Paulista, e até mesmo na nossa própria casa; enfim, assassinatos em todos os lugares. Por que ainda ficamos perplexos?

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Será que ficamos mais ou menos consternados ao saber quem foram as vítimas, indefesos ou armados, gays ou héteros, índios, negros, brancos, crianças ou adultos? O homicídio existirá enquanto a sociedade existir. Não adianta se esconder do fato; há que se encarar o problema de frente: o mundo está acelerado demais.

É como se estivéssemos todos correndo em direção a algum lugar e, no caminho, esquecêssemos de ajudar quem está à nossa margem. Imagine uma grande avenida e as pessoas em alta velocidade olhando para outras pessoas que não conseguem acompanhá-las, paradas, encapsuladas em seus pensamentos, em suas agruras, com suas dores e seus temores. Estes pensamentos muitas vezes são temperados por games violentos, palavras de ordem e atitudes subversivas de uma rede de computadores (internet) livre. Além disso, a convivência com a arrogância daqueles que conseguem os seus intentos sociais sabe-se lá a custa de atitudes antiéticas, a exemplo de pseudosucesso no trabalho, na escola. Essa evidente distância para obter tudo aquilo que desejamos, por vezes faz com que nos socorramos aos nossos mais primitivos instintos.

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Na Índia, há quase 100 anos, foram descobertas duas crianças, Amala e Kamala, que viveram numa família de lobos. A primeira com um ano e meio morreu em contato com a civilização. A outra viveu por nove anos. Seu comportamento era fruto de seu aprendizado e convivência com animais. Um ser arredio que até andava de quatro e apresentava traços de violência. Desenvolveu um pouco de sua inteligência humana, embora se alimentasse de carne crua e podre. Os recursos existentes na época não conseguiram fazê-la sobreviver. Tratava-se de um animal-gente resultado de uma fatalidade e que virou lenda.

 

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Atualmente os recursos são outros e, mesmo assim, nos perguntamos quantos animais-gente ainda temos por aí, talvez resultados da nossa própria e não menos animal correria tecnológica?

* Jacques Miranda é professor universitário

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