Massa cinzenta - O cérebro é democrático
O mais completo atlas do cérebro até hoje realizado abre caminho a novos modos de estudar esse órgão. E demonstra que ele não tem nenhum preconceito. No fundo, em matéria de cérebro, somos todos praticamente iguais
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Por: Equipe Oásis
Na face do planeta perambulam hoje mais de sete milhões de cérebros humanos vivos e em funcionamento no interior de cabeças brancas, negras, mulatas, amarelas e vermelhas. Todos esses cérebros são muito mais semelhantes entre si do que até há pouco acreditava a maioria dos cientistas. Esta é uma das conclusões tiradas pelos pesquisadores do Allen Institute for Brain Science, de Seattle, EUA, (http://www.alleninstitute.org) em um estudo recentemente concluído que levou à realização do mais completo mapa cerebral até hoje elaborado: o Allen of Human Brain Atlas. Todo o material relativo a esse atlas pode ser baixado gratuitamente no site do Allen Institute ou pelo link: API for the Human Brain Atlas
Ed Lien, neurocientista do Allen Institute, e os seus colegas analisaram 500 áreas de cada um dos dois hemisférios do cérebro humano, conseguindo evidenciar mais de 100 milhões de expressões genéticas. O estudo mostrou que cerca 84% dos genes humanos possui uma expressão em alguma área do nosso cérebro, com esquemas que são praticamente iguais de indivíduo para indivíduo. "A pesquisa demonstra a validade de uma análise global das expressões genéticas cerebrais como instrumento para compreender a fundo o desenvolvimento do cérebro e das suas patologias", explica Lien em entrevista para a revista Nature, onde foi publicado o estudo.
Uma por todas, todas por uma
Várias descobertas curiosas e confirmações importantes foram obtidas a partir dessa pesquisa. As regiões vizinhas ao córtex, por exemplo, são mais semelhantes entre um indivíduo e outro do que as regiões mais distantes: as implicações dessa descoberta ainda não são muito claras mas, segundo os cientistas, poderiam ajudar a compreender os modelos de desenvolvimento e evolução do cérebro humano no decurso dos milênios. Essas diversas outras regiões, além disso, embora controlando funções diversas como a visão, a audição, a capacidade de memorização e a de solucionar problemas, seriam estruturalmente muito parecidas entre si. Isso significa que bastaria compreender a fundo o funcionamento de uma dessas zonas para obter-se a chave de acesso a todas as outras.
Os hemisférios direito e esquerdo, por outro lado, não apresentam uma diferença substancial na sua arquitetura molecular. Isso sugere que a origem de algumas características peculiares em cada indivíduo – a linguagem, por exemplo - não deve ser buscada na diversidade das estruturas cerebrais, mas apenas nas variações e personalizações de alguns circuitos.
Uma neurologia das moléculas
O estudo também forneceu um novo ângulo de visão a respeito do funcionamento do cérebro a nível molecular, ou seja, o nível no qual atuam as doenças degenerativas e também os fármacos que as combatem. Descobriu-se que as sinapses não são todas iguais, mas variam profundamente segundo o gene que as ativou. "As mutações das sinapses com frequência estão ligadas a graves doenças neurológicas", explica Seth Grant, professor de neurociências moleculares da Universidade de Edimburgo e coautor do estudo.
Ficou comprovado também que nossas experiências modificam as sinapses (as conexões entre os neurônios) e essas alterações, que são permanentes, são as responsáveis pela memória. Na prática, quando acontece alguma coisa de que nos recordaremos no futuro, gera-se no cérebro um sinal elétrico que provoca variações químicas e estruturais nos neurônios. Essas variações são possíveis graças a uma cadeia de reações que envolvem diversas moléculas, entre elas os íons de cálcio e algumas enzimas e neurofinas. O resultado final desses processos é a potencialização das sinapses. Esta confirmação deverá fortalecer e dar impulso à recente teoria neurocientífica segundo a qual o cérebro não envelhece e se renova constantemente enquanto o indivíduo se manter no aprendizado de novas coisas. Nesse sentido, as primeiras conclusões é que certos aprendizados são mais eficazes do que outros na preservação da juventude cerebral. Entre os mais eficazes estão o aprendizado da música, sobretudo a instrumental e o canto, e o aprendizado da informática.
Imagens do cérebro
Os mistérios da mente e do cérebro pouco a pouco se desvelam a nossos olhos graças aos progressos da ciência. Novas técnicas fotográficas, por exemplo, são capazes de produzir imagens nunca antes observadas do emaranhado constituído por nossos neurônios e do seu funcionamento. A galeria abaixo é composta de uma seleção de 10 imagens extraordinárias, não apenas pelo seu valor científico, mas também pela sua beleza.
1 Os caminhos do cérebro
Um rapaz de 20 anos possui cerca de 176 mil quilômetros de circuitos cerebrais organizados entre o encéfalo e a medula espinal. Trata-se daquela "massa cinzenta" – o conjunto dos circuitos de fibras nervosas – que coloca em conexão as centenas de bilhões de neurônios presentes em nosso cérebro. Esse extraordinário "emaranhado" de fios nervosos é o responsável pela passagem de informações entre as várias áreas cerebrais. Ele é, também, o principal alvo de algumas patologias degenerativas como o Mal de Alzheimer, que destrói progressivamente as células cerebrais provocando a perda da memória e de muitas outras funções cognitivas. Nesta imagem, em cores falsas, a substância cerebral é visualizada através do "imaging" do tensor de difusão (DTI), uma técnica de neuroimagem que evidencia a passagem das moléculas de água no interior dos tecidos.
2 Mergulho no cérebro
O delta do rio Nilo quando encontra o mar? Não, o que mostra a fotografia é o que acontece normalmente em nosso cérebro, mas não podemos ver. Através de uma espessa ramificação de artérias (que pode parecer um grande rio e seus afluentes), o sangue rico de oxigênio é distribuído a cada um dos ângulos do cérebro. O que vemos na foto é uma arteriografia, um exame que avalia o estado de saúde dos nossos vasos sanguíneos.
Com um cateter extremamente fino, introduzido com anestesia local em uma artéria, injeta-se um líquido de contraste que se mostra opaco ao raio x e portanto bem visível, em branco, nas chapas radiográficas (embora nesta foto tenham sido usadas cores falsas). O procedimento é um tanto invasivo, porém muito útil para se detectar obstruções ou lesões arteriais perigosas que poderiam causar, por exemplo, um derrame cerebral.
3 "Cola" inteligente
Em relação aos neurônios – protagonistas indiscutíveis e unidades básicas do funcionamento do cérebro – as células da glia (também chamadas neuroglia ou simplesmente glia, palavra grega para "cola", ou gliócitos, são células não neuronais do sistema nervoso central que proporcionam suporte e nutrição aos neurônios). Tais células, aqui vistas numa micrografia de imunofluorescência, durante muito tempo foram relegadas as papel de simples suportes físicos do sistema neuronal. Mas a sua função de nutridoras das células cerebrais é fundamental para o correto funcionamento da comunicação sináptica. Esse colante natural isola e protege os neurônios dos agentes patógenos, mantendo-os no seu devido lugar ao preencher os espaços entre um neurônio e outro, além de regular a quantidade de importantes substâncias químicas como o potássio, que desempenha um papel essencial na química da transmissão neuronal. Os especialistas suspeitam que sua contribuição no processo de análise das informações cerebrais ainda não é bem conhecido, e pode ser muito mais importante do que atualmente se sabe.
4 Com a boca na botija
A ação existe, embora não seja visível. Esse neurônio, com efeito, foi "capturado" (e redesenhado no computador) no momento exato em que estava para transmitir um sinal. O nosso cérebro contem bilhões de neurônios que se comunicam e trocam informações através das sinapses (conexões elétricas). Tais mensagens químicas são fundamentais para a formação dos pensamentos, o controle dos movimentos do corpo e os nossos comportamentos.
Segundo um recente estudo, seria exatamente a atividade elétrica a influenciar a "linguagem" dos neurônios. Alterando essa atividade, que se inicia no sistema nervoso central, os pesquisadores descobriram que pode-se modificar o modo através do qual os neurônios "conversam" entre si. Tais descobertas poderão no futuro próximo serem utilizadas para corrigir alguns distúrbios psiquiátricos e cerebrais como a esquizofrenia, a depressão e o mal de Parkinson. Foto: Graham Johnson, Graham Johnson Medical Media, Boulder, Colorado
5 Girassóis geniais
Os neurônios do cerebelo também são chamados de células de Purkinje (em vermelho na micrografia feita com luz confocal): se para fazer trabalhar o cérebro de um adulto são necessários 150 bilhões de neurônios, os quais criam cerca de 20 mil interconexões, para o cerebelo as células de Purkinje conseguem produzir até 200 mil.
A existência dessas conexões, ou sinapses, foi descoberta no final do século 19 pelo fisiologista inglês Charles Scott Sherrington: não se trata na verdade de conexões físicas, já que entre dois neurônios interpõe-se sempre uma fissura microscópica. Para superar esse obstáculo, os sinais são capazes de mudar sua natureza e passar de elétricos a químicos.
6 Ida e volta das informações
O escaneamento a ressonância magnética coloca em destaque os caminhos das informações no cérebro. Torna-se visível, particularmente, o tecido neural chamado de "substância branca" ou "massa cinzenta", constituído principalmente de axônios revestidos de mielina e presente no cérebro e na medula espinal, garantindo a cooperação entre os dois hemisférios cerebrais. Em azul são visualizados os percursos neurais que vão do alto para baixo; em verde os que vão da frente (à esquerda) para trás (à direita); enfim, as linhas vermelhas evidenciam os percursos que vão de um hemisfério ao outro. A massa cinzenta preside a coligação e a interação dos estímulos motores.
7 Um olho dentro do corpo
Uma imagem assim tão detalhada do cérebro de um homem só foi possível a partir da introdução de uma metodologia revolucionária que mudou todo o modo de se fazer diagnósticos: a ressonância magnética nuclear. Essa técnica é baseada nos efeitos de um campo magnético de alta intensidade sobre os componentes atômicos dos tecidos. As forças geradas pelo campo causam alterações temporárias na disposição desses componentes. Aparelhos especializados registram os diversos sinais eletromagnéticos emitidos por átomos de várias naturezas. Já que não lança mão de radiações ionizantes, esse método é muito menos invasivo do que os demais e, além disso, é muito mais preciso.
8 A imagem de um cérebro sadio
A cada dia, novos progressos são feitos por cientistas de todo o mundo, empenhados em descobrir a fundo o funcionamento do cérebro. Tais progressos certamente irão ajudar no tratamento das patologias cerebrais, permitindo o desvendar cada vez mais completo dos mistérios da mente humana. Na foto, a imagem de um cérebro sadio obtida com ressonância magnética.
9 O pensamento em um grão de areia
Numa parte do cérebro do tamanho de um grão de areia podem ser encontrados até cem mil neurônios – para um total de cem bilhões de células de um cérebro médio no momento do nascimento: são elas que tornam possíveis a recepção e a retransmissão das informações que consentem a atividade cerebral.
Ter a possibilidade de observar a conformação de uma célula nervosa não significa, no entanto, desvendar por completo a complexidade da estrutura e da funcionalidade nervosa. De qualquer forma, é realmente espetacular essa micrografia colorida de um neurônio da retina agarrado a um vaso capilar.
10 Fósforos no cérebro
Uma fotografia, às vezes, pode demonstrar que a ciência também é pura arte. Aqui, quem dá um show são as células do plexo coroide: essas projeções de tecido não nervoso estão presentes nas cavidades encefálicas e estão envolvidas na produção do líquido cérebro-espinhal. As colunas verticais visíveis na foto representam exatamente essas células cujas pontas inchadas estão cheias de líquido que, uma vez expelido, circunda e protege o cérebro e a medula espinhal.
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