Masdar, a cidade do deserto: Uma miragem que se torna realidade
Masdar é um milagre da tecnologia surgido no meio do deserto. Em construção perto do emirado de Abu Dhabi, este projeto de uma ecocidade duradoura e inteligente é o mais ambicioso do mundo. Viaturas ecológicas automatizadas, concentrador solar, arquitetura revolucionária... Masdar é um modelo de inovação tecnológica.
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Por: Dan Baun - Da revista Popular Science, Nova York
Masdar parece uma miragem. De longe, a cidade parece um grande edifício multicolorido erguido no horizonte. A ilusão deve-se em parte à sua situação singular: perto do aeroporto de Abu Dhabi, do outro lado da rodovia do Golfo Pérsico, numa parte muito inóspita do deserto.
Masdar está separada do centro de Abu Dhabi por 30 quilômetros de planície, na qual se espalham enormes edifícios e palácios distribuídos numa planta urbana quadriculada de ruas e avenidas de seis vias, enormes… e vazias. Uma aberração urbana como ainda não tinha visto em nenhum outro lugar.
Mas a ilusão também tem a ver com densidade populacional. Projeto urbanístico estimado entre 18 e 22 bilhões de dólares, Masdar deverá abrigar cerca 40 mil habitantes numa área de pouco mais de 5 quilômetros quadrados. Será a ecocidade mais ambiciosa do mundo. Nela, os veículos serão proibidos. Os visitantes terão de deixar os veículos num parque de estacionamento gigante ao norte da cidade.
Enquanto estaciono, um ocidental com aspeto bem cuidado, de terno escuro apesar do calor, sai da sombra para se apresentar. Stephen Severance, americano de 45 anos, é o gestor do programa. Chegou a Masdar há quatro anos, após ter trabalhado algum tempo no gabinete de consultoria Booz Allen.
Veículos sem fumaça nem condutor
Ele me conduz por entre as fileiras de carros parados. Chegamos diante de portas de vidro fumê. Num sopro, elas se abrem para um átrio de mármore. Atrás de outras portas envidraçadas nos espera o serviço do Trânsito Rápido Personalizado - Personal Rapid Transit, ou PRT. São pequenos veículos brancos sem condutor que garantem um transporte ecológico.
Severance e eu nos sentamo frente a frente, a porta deslizante se fecha e, a uma velocidade um pouco inferior a 25 quilômetros hora, a pequena nave com rodas penetra numa caverna gigantesca. Avança quase sem ruído sobre pneus de borracha, seguindo imãs enterrados no solo e recorrendo a sensores de proximidade para evitar as colisões.
Originalmente, o PRT deveria servir toda a cidade, faz saber Severance. Mas teria sido preciso arranjar tanto espaço por baixo dos imóveis que toda a cidade teria de ser erguida sobre pilares de 6 metros de altura. O centro da cidade, que ocupa aproximadamente 1 quilômetro quadrado, foi construído desse modo, sobre pilares, mas sobreelevar todo o conjunto seria demasiado caro. Até o momento, a escolha das infraestruturas de transporte não foram determinadas. Poderão ser ônibus elétricos ou pequenas viaturas solares.
Uma cidade com emissão zero
Enquanto o nosso veículo desliza para a sua vaga no estacionamento, uma voz eletrônica lembra para que não esqueçamos os nossos objetos pessoais. Entramos na praça do terminal, por baixo do Instituto Masdar, e subimos uma grande escadaria em forma de caracol que nos conduz a um pátio exterior, ao nível da rua.
Meia dúzia de edifícios de médio porte erguem-se lado a lado, separados por um estreito labirinto de pátios ligados entre si. Severance me leva para visitar uma estranha série de lojas que constituem o bairro comercial de Masdar: um restaurante de sushi, um café, um minimercado, uma agência de viagens, uma agência de telefones celulares, etc.
O governo desse minúsculo estado do sul do Golfo Pérsico se lançou numa aventura que nenhum outro país tentou: construir a partir do nada uma cidade com emissão zero de carbono, que não produza resíduos, num recanto inexplorado do deserto. Masdar deverá ser uma experiência, um campo onde se poderiam testar em larga escala tecnologias limpas e projetos de energia renovável. A universidade local, especializada em tecnologias duradouras e parceira do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), deverá ser uma grande incubadora de ideias, ao mesmo tempo em que uma frota de viaturas elétricas, sem condutores, transportará as pessoas pela cidade.
No projeto original, todos os edifícios deveriam ser cobertos por enormes telhados fotovoltaicos. Os primeiros esboços parecem coisa de ficção científica.
Dispensar a energia fóssil
Ao longo dos anos, o projeto se concretizou. Habitações, escritórios e lojas com alta eficiência energética foram saindo da terra. Em 2009, a Agência Internacional para as Energias Renováveis escolheu a improvável opção de instalar a sua sede em Abu Dhabi.
Em 2011, os 70 alunos do primeiro curso de mestrado do instituto de Masdar obtiveram seus diplomas. Em 2012, a Siemens, gigante alemã das tecnologias, efetuou no local os últimos retoques da sua nova sede para o Médio Oriente. Foi nesse momento que a experiência - de início, pouco mais do que um gesto nobre - adquiriu outra importância: um modelo de desenvolvimento duradouro em grande escala.
Mas nem mesmo uma cidade assim futurista, posta no mundo graças à vontade de alguns e ao dinheiro do petróleo, está imune às vicissitudes do presente. A crise financeira de 2008 obrigou os arquitetos a reverem as suas ambições em baixa.
O orçamento foi reduzido em cerca de quatro bilhões de dólares e os engenheiros tiveram de renunciar a algumas das suas ideias mais inovadoras. Os complexos telhados solares foram substituídos por áreas de plantas de energia solar situadas na periferia da cidade. O sistema de transporte PRT, pensado originalmente para toda a cidade, ficará reduzido ao centro.
Além disso, no projeto inicial pensava-se em dessalinizar a água através do recurso à energia solar, mas descobriu-se que a água dos poços era três vezes mais salgada do que a do mar. Dessalinizá-la exigiria, portanto, muito mais energia. Diante do problema, a utilização da água será severamente controlada.
Campeã da energia solar
Em resumo, comparados com a audaciosa aventura que Masdar deveria ter sido, os novos planos poderão decepcionar. Mas existe um capítulo no qual Masdar não tem direito a erro: o da eletricidade de origem solar. O emirado de Abu Dhabi, onde a temperatura chega aos 50 graus centígrados e onde cada gota de água tem de ser dessalinizada, consome tanto gás natural para gerar eletricidade que se tornou um dos maiores importadores da região. Com Masdar, o país tenta justamente provar que é capaz de criar eletricidade, dispensando as energias fósseis como aquelas derivadas do petróleo e do gás.
Entre os diferentes projetos solares aqui desenvolvidos, o principal é uma central de concentração situada a 150 quilômetros da cidade. Vou até lá no segundo dia da minha estada.
A central é composta por 192 coletores de forma alongada, com 100 metros de comprimento por 6 de largura, constituídos por espelhos cilindro-parabólicos. Um tubo de aço revestido de vidro, que transporta óleo sintético, corre ao longo de cada coletor. As bombas elétricas demoram cinco minutos para encaminhar 4 litros de óleo de uma extremidade do coletor até a outra, fazendo-o depois retornar através de outro coletor; bastam esses cinco minutos, sob a irradiação concentrada do Sol, para aquecer o óleo a uma temperatura que ronda os 400 graus centígrados. Os tubos atravessam seguidamente uma piscina de água.
O calor transforma a água em vapor que move uma turbina e esta, por sua vez, um gerador elétrico. O óleo resfriado é reenviado para os coletores a fim de ser aquecido de novo. Pistões hidráulicos geridos eletronicamente orientam os espelhos para acompanharem a trajetória do sol no céu.
A tecnologia solar concentrada dá passos de gigante. No ano passado permitiu produzir cerca de 2 gW - energia elétrica suficiente para abastecer dois milhões de lares - e os projetos em curso deverão garantir uma produção quatro vezes mais elevada.
Um projeto de investigação em si mesmo
É ainda pouco, em comparação com outras fontes de energia renovável, como a fotovoltaica (que gerou 20 vezes mais eletricidade no mundo no final de 2010) e a eólica (100 vezes mais). Mas a energia solar concentrada tem os seus pontos fortes. Dessas três fontes, é a única capaz de criar calor, com o qual, além de se produzir eletricidade, é possível fazer muitas outras coisas, como dessalinizar a água. E contrariamente às centrais fotovoltaicas, as instalações solares de concentração também fornecem energia barata durante a noite, pois a armazenam sob a forma de calor e não requerem baterias dispendiosas.
Quanto mais tempo aqui permaneço, mais compreendo que cada elemento desta cidade é um projeto de investigação em si mesmo. Revestido por uma fachada de aço, o Instituto Masdar é uma confusão de mesas atulhadas de material eletrônico, de máquinas e de painéis de vidro cobertos de algoritmos rabiscados com canetas-marcador grosso. Cada laboratório concentra-se num tipo particular de tecnologia. No laboratório de bioenergia e ambiente, os alunos desenvolvem combustível microbiano capaz de gerar eletricidade a partir do tratamento dos resíduos.
No laboratório de tecnologias inteligentes para veículos elétricos e sistemas automotores são concebidas redes integradas que interligam condutores e veículos à rede rodoviária e às condições de circulação. Há também os que estão trabalhando em inteligência artificial, em nanomateriais, no armazenamento nanotecnológico da energia ou ainda nas células solares.
O principal projeto do Instituto: o Beam Down Solar Thermal Concentrator, gigantesca torre de espelhos plantada na orla da cidade. Não apenas permite concentrar radiação solar para produzir calor, mas, um dia, servirá para decompor a luz segundo diferentes comprimentos de onda, permitindo realizar experiências científicas, produzir energia térmica e gerar ainda mais energia.
Produzir o máximo de sombra
Numa tarde escaldante, encontro Stephen Severance num banco de pedra do centro de Masdar. Quero ter uma ideia da vida nesta cidade do futuro. Estou impressionado com a calma reinante: nenhum ruído de buzina, de motor ou de sirenes. Depois reparo na temperatura, muito mais amena que em Abu Dhabi. Estamos abrigados do sol.
Severance me conta que as construções, densas, foram concebidas para fazerem o máximo de sombra umas sobre as outras e também sobre os pátios que as separam. Os transeuntes podem sentar-se por alguns instantes sem sofrer com o calor e os edifícios requerem menos climatização. Somos igualmente refrescados por uma viva corrente de ar.
Severance me indica, do outro lado do pátio, uma torre oca apoiada em pilares de aço: um tubo vertical de 6 metros de largura, que se eleva à altura de cinco andares. Esta estrutura desvia os ventos frescos que sopram acima da cidade e os orienta para o pátio. A torre de vento é uma novidade: provavelmente foi inventada pelos persas, que já a utilizavam muitos séculos antes de o ouro negro trazer riqueza a esta parte do globo. Os engenheiros de Masdar aperfeiçoaram o sistema, instalando no alto da estrutura um tipo de persianas comandadas por computador, a fim de maximizar a sua eficácia. Os painéis abrem e fecham em função dos ventos predominantes. E alguns vaporizadores arrefecem o ar um pouco mais.
Os objetivos de Masdar foram revistos em baixa, mas seu interesse é agora maior ainda. Se a crise financeira não tivesse obrigado os engenheiros a reduzir suas ambições e a criar adaptações, o projeto teria sido pouco mais do que um brinquedo caríssimo de um emir do petróleo. Hoje em dia, a cidade de Masdar está ancorada na realidade econômica. Pode, portanto, dar lições ao mundo inteiro.
Nenhuma das pessoas com quem falei durante a minha estadia parece alimentar a ilusão de uma cidade perfeita. O mundo não irá arrasar as suas infraestruturas e começar a construir apenas cidades inteligentes para pedestres que funcionem a energia solar.
Masdar não é propriamente um modelo de desenvolvimento. É, no entanto, um modelo de inovação. Ao criar essa cidade impossível de reproduzir - isolada, dispendiosa e quase vazia -, seus arquitetos estão certamente inventando soluções que irão produzir um mundo melhor para todos.
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