Por Tereza Kawall
Lembro-me bem de um dia, num velório familiar, todos ainda confusos com a partida súbita de um primo ainda jovem, tentando achar a palavra e a emoção certas, se é que elas existem para essas ocasiões, quando de repente, em voz alta e sonora, minha filha, de sete anos, lançou-me a pergunta fatal:
– Mãe, para onde foi o fulano?
Certos assuntos e perguntas chegam em nossa vida assim de sopetão, sem aviso prévio e se instalam à nossa frente, como que olhando para nós, indagando algo que não temos como compreender e muito menos responder. Dando asas à imaginação ou lembrando possíveis respostas teríamos:
1. Fulano foi para o Céu!
2. Falamos sobre isso depois…
3. Um simples e retraído: “Não sei”.
No meu entender, a questão da morte sempre foi um tema complicado e misterioso, pois ela em si mesma é “a” pergunta, que se amplia como um “ zoom” imediatamente quando sai da teoria para o evento, da imagem para o acontecimento. Difícil de entender, aceitar, decifrar e absorver sua presença que também se traduz por falta e saudade…
Para muitos de nós, é nesse momento de dor e perplexidade que algo se instala em nossas vidas, pedindo uma reflexão, um silencio, uma pausa compulsória para a agitação que o mundo externo nos impõe. Esse algo que surge, e que poderá ou não permear nossas experiências e relacionamentos, nossos valores, nossas crenças pode ser a religião, ou a crença em algo maior e desconhecido, e que, portanto, poderá ser tanto fonte de consolo quanto de proteção em momentos mais duros da vida.
Nessas horas, além da religião, recorremos também aos gurus, aos astros, aos médicos, ao espiritismo, ao budismo, às filosofias, aos poemas inspiradores; como apaziguar nossas dúvidas, especialmente a principal delas: afinal o que estamos fazendo aqui? De onde viemos e para onde vamos? Quem criou esse mundo onde vivemos?
A família contemporânea passou nestes últimos 40 anos por mudanças profundas em sua estrutura básica, os papéis e funções de pai e mãe – marido e mulher, valores afetivos e morais, enfim, a anatomia e a fisiologia da vida familiar não são as mesmas que foram na época de nossos pais e avós.
Como mudanças não são fáceis, tudo isso ocorreu às custas de muito suor e lágrimas de toda uma geração, mas, viva! Somos hoje mais livres, mais honestos e já não precisamos nos culpar por padrões morais rígidos e obsoletos, nossos filhos podem ter pais separados e nem por isso são menos amados ou aceitos pelo mundo, por exemplo.
Sem dúvida, nosso mundo moderno avançou muito em termos tecnológicos, mas em igual medida está cada vez mais confuso e complexo, uma verdadeira Torre de Babel.
Nunca é demais lembrar que os transtornos psíquicos que atormentam o homem contemporâneo são de muito interesse para a lucrativa indústria farmacêutica.
Assistimos hoje uma enorme “ onda” do fenômeno da espiritualidade e seus atributos que vão desde o comércio de relicários, oratórios, imagens religiosas, acessórios de moda, passando pelo universo holístico das terapias alternativas, que, voltadas para o bem estar físico e psíquico, vieram para ficar. Escolas de yoga e meditação, assim como o budismo e outras crenças orientais se expandem no Brasil e em todo o Ocidente.
A espiritualidade passeia por aí, com muito destaque, de mãos dadas com a física quântica, a psicologia, a medicina, a neurociência, a arte, e está presente nas empresas, em livros, filmes e seminários. Uma espécie de joint venture sem finalidade econômica.
Neste apelo incansável para o mundo sutil e espiritual já estudamos a Inteligência Emocional, as inteligências múltiplas, e agora nos debruçamos sobre a Inteligência Espiritual. O que seria isto afinal?
Diferença entre religião e espiritualidade
Todos sabemos que a espiritualidade é um elemento constitutivo do ser humano, sempre esteve presente em todas as antigas civilizações e culturas, e que possui uma natureza arquetípica, ou seja, que é comum a toda humanidade. Gregos, romanos, árabes, judeus, latinos, indígenas, todos, sem exceção, criaram seus mitos, deuses e cultos.
Há um paradoxo interessante no nosso mundo moderno, pois apesar da ganância e da irresponsabilidade daqueles que detém o poder no planeta, assistimos hoje também o florescimento e a emergência de uma espiritualidade renovadora, que está crescendo de forma inusitada, fora dos contextos religiosos tradicionais. .
Estudiosos do assunto fazem uma clara diferença entre o que se entende por religião e espiritualidade. Na religião temos as práticas de rituais tradicionais, seculares, que geralmente seguem valores mais rígidos em relação a formas de comportamento, e colocam normas de moralidade e códigos de valores estabelecidos.
Já na espiritualidade podemos observar práticas mais pessoais e espontâneas, em que as experiências se dão de maneira mais criativa, e a relação com Deus não está necessariamente atrelada a uma religião especifica. A questão da autonomia espiritual é importante, sem dúvida, pois ela nos libera ao exercício de práticas e rituais independentes de hora e lugar, templo ou igreja.
É interessante notar esse movimento: se antes muitos de nós tínhamos que ir às igrejas, agora podemos ter nossos altares em nossa sala, quarto ou jardim, e assim praticar nossa fé, seja ela qual for, orar e meditar em nossas casas, num exercício de mais simplicidade e autenticidade.
E lá estão eles, os símbolos da nossa fé e criatividade, representando nosso eu mais íntimo, num universo que inclui os mais variados elementos: imagens, fotos de gurus, flores, velas, cristais, incensos, frases… Numa verdadeira miscelânea psico-espiritual!
Elementos que podem falar de várias linhas religiosas, pois temos ali entrelaçados o oriente e ocidente, o budismo, o judaísmo, o cristianismo, espiritismo, candomblé.
Modismo? Superficialidade? Essa multiplicidade é bem vinda e aceita pelo povo brasileiro, cujo temperamento é extrovertido e curioso, e por tradição muito aberto aos diferentes cultos de muitas tradições religiosas. Hoje podemos ver a família híbrida, em que o pai vai ao centro espírita, a mãe é adepta do budismo, mas ambos acham razoável que o filho seja batizado na tradição católica, ou faça o bar mitsvah. Somos ecumênicos por natureza, por influências da miscigenação da nossa colonização.
E a família?
E como é que os pais e educadores lidam com esta religião mais “oxigenada”, mais aberta, e, sobretudo, como fazer para transmitir tudo isso aos nossos filhos?
É sempre bom lembrar que o exemplo é o mais eficiente professor, e que todos aprendemos as coisas fazendo, ou observando como se faz: aprendemos a nadar nadando, cantar cantando, pensar pensando. O mesmo vale para a vida espiritual, pois tudo o que queremos desenvolver envolve prática e continuidade.
Quem de nós nunca ouviu na infância: pede para o seu anjo da guarda, vai com Deus, ou que o espírito santo te ilumine? E ainda mais recentemente: muito axé pra você! Ou ainda: shanatová, namasté, saravá, om nama shiva… E assim, quase como num mantra, repetimos essas expressões quando celebramos uma alegria, ou quando desejamos e pedimos proteção para nós mesmos, nossos filhos, amigos e familiares, e tudo isso nos acompanha sempre que sentimos seremos amparados em momentos difíceis.
A oração é uma forma de estabelecer contanto com algo que nos transcende, ou é superior à nossa vontade pessoal e esse momento em si já é apaziguador, pois envolve uma reflexão, uma interiorização. Oramos para agradecer os alimentos, oramos antes de dormir, oramos para pedir graças, proteção e saúde para si e para outros. A meditação pode ter também essa finalidade, assim como promover mais serenidade, saúde física e espiritual.
A prece, sendo o contato com algo que é sagrado e feita numa atitude de respeito e reverência é algo desejável e que pode ser ensinada às crianças, nos fala de uma experiência que exercita uma atitude de fé, que pode ser fundamental ao longo dos embates da vida, dos sofrimentos que fatalmente virão.
Todos queremos ter a quem recorrer, não é a toa que oramos para divindades que são Mães ou Pais, independente da filiação religiosa.
Portanto, a espiritualidade ou as práticas religiosas envolvem não só crenças, valores, aspectos emocionais como conexão, sentido para a vida mas também comportamentos, tais como preces, formas de relacionamentos e atitudes que incorporem esses conteúdos e que tenham esse significado na vida cotidiana.
Deus como experiência
Já vimos que a relação com Deus pode chegar pela experiência da morte e do luto, mas isso é só uma parte dela. Mas a fé, ou o abstrato conceito de Deus pode ser ensinado a uma criança? Ou se trata de algo inerente, fruto de uma experiência pessoal e intransferível? Sem dúvida que o temperamento de cada um de nós é sempre determinante, mas há algo que a criança vê e percebe e que sempre influenciará, ao menos parcialmente, suas escolhas e o modo ver e sentir a vida.
Deus, em todas as religiões, é uma experiência de transcendência e plenitude, mas, principalmente de Amor. De alguma forma ou de outra, todas elas sugerem: ama teu próximo como a ti mesmo.
Felizmente, a ecologia mudou e ampliou a nossa forma de compreender a natureza, está muito claro para todos nós que o planeta é um ser vivo e que todos os seus sistemas conversam entre si, da mesma forma que os órgãos do nosso corpo; nada funciona de forma independente. Assim, já não basta só ter esta consciência, é preciso atuar com ela, e o lado positivo é que o respeito e o amor pela Terra já são ensinados às crianças e aos jovens, pelos educadores, os pais, a mídia, etc…
E talvez hoje seja mais fácil perceber que esse deus/amor de que falamos está nas florestas, no riso das crianças, no céu estrelado, no nascimento, na morte, nas cores vibrantes das flores, dos pássaros, as conchas, os peixes, nos olhos dos nossos cães e gatos. São tantas as manifestações divinas, como não se maravilhar com todas elas? Como não perceber que há uma inteligência maior que está e é presente em tudo?
Essa nova espiritualidade ainda que desobrigada de rituais convencionais, certamente mantém os valores que são comuns entre todas as tradições religiosas e, portanto, a essência dos ensinamentos é a mesma.
Pode ser semeada na caridade, no altruísmo, no respeito ao outro, ao diferente, na generosidade, no perdão, na compaixão. Talvez seja esta a faceta mais humanizada da espiritualidade que chega no século 21, que aceita, inclui e protege.
E para isso, não importa se nascemos católicos, budistas, judeus, hinduístas ou muçulmanos.
Importa, sim, passar aos nossos filhos a noção de que Deus é amor. Mãos à obra!
Principais religiões
Hinduísmo – Sistema religioso politeísta.Contempla o dogma da Trimurti, uma trindade formada por três deuses: Brahma, o supremo criador do universo; Vishnu, aquele que preserva a criação, e Shiva, aquele que destrói para construir algo novo. Os Vedas e os Upanishads são os textos sagrados do hinduísmo.Essa religião se sustenta na lei do Carma, que diz que o bem produz o bem e o mal produz o mal. Há também a idéia de ciclos de mortes e renascimentos, e que para que haja a libertação gradual da alma, o indivíduo, através de boas ações, pode romper o ciclo de reencarnações.
Budismo – O budismo foi fundado por Sidartha Gautama, que viveu na Índia entre 560 – 480 AC. Buda, o IIuminado, alcançou a iluminação espiritual por volta dos 35 anos de idade, deixando os ensinamentos para os seus discípulos. O budismo afirma que o sofrimento faz parte da vida, e a libertação é não ter desejos, compreender a transitoriedade de tudo e todos; exercendo desapego pode -se alcançar o Nirvana. Idéia de amor e compaixão são centrais na ética budista assim como as práticas de meditação para essenciais para o caminho de iluminação.
Judaísmo – Sistema religioso monoteísta em que Deus é único, criador do mundo e senhor da história. Toda vida depende dele e tudo o que é bom flui dele. O Judaísmo dá destaque a uma série de qualidades eticamente boas: a generosidade a hospitalidade, a boa vontade para ajudar, a honestidade e o respeito pelos pais. A Kabala é um sistema filosófico religioso que investiga a natureza divina e o universo, é uma vertente mística do judaísmo. A palara Kabala significa “recepção”.
Cristianismo – Religião monoteísta derivada do Judaísmo, e que divide com ele o mesmo livro de profecias, a Bíblia. Para uns, ela é o Antigo Testamento, para outros, acrescentou-se o Novo, que conta a história de Jesus, que nasceu judeu e tornou-se o messias tão aguardado nas escrituras. Considerado o filho de Deus, Jesus tem uma natureza humana mas também divina, Os temas da crucificação e ressurreição são essenciais na compreensão do cristianismo.O nascimento de Jesus deu origem a novo calendário: a história passou a ser contada antes e depois de Cristo.
Islamismo – Sistema monoteísta, surgiu a partir do ano 610 DC. Segue as leis do Alcorão, a palavra de Deus revelada ao profeta Maomé. O significado da palavra “ Islã” é “submissão voluntária a vontade de Deus”. O homem tem um propósito especial na Criação, é um servidor de Deus, essa é sua razão de viver. O islamismo segue as leis do Alcorão e do profeta Maomé, que fala sobre as leis éticas e as leis dos mistérios divinos. Os homens devem ter fé em Allah, na existências dos anjos, nos livros sagrados, nos profetas e no dia do julgamento. O sufismo é a vertente mística do Islamismo.
Tradições animistas – São os sistemas religiosos mais antigos que existem, caracterizados por atribuírem uma alma a todas as coisas, seres e objetos – sejam eles animados ou animados. No Brasil, hoje, são representadas sobretudo pelos cultos de matriz africana como o candomblé, de matriz indígena ou cultos sincréticos, como a umbanda. No candomblé, a alma essencial e transcendental das coisas, dos seres e dos objetos é chamada de orixá. O poder que emana de cada orixá é chamado de axé.
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