Luto no candomblé. Mãe Giselle de Iemanjá partiu aos 92 anos
O povo do axé está de luto. Sobretudo as centenas de filhos-de-santo de Giselle Cossard, antropóloga marroquina, filha de franceses. Ela se encantou pelo Brasil, virou ialorixá muito amada pelos discípulos, e levou a sabedoria do candomblé para as universidades da Europa.
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Por: Equipe Oásis
A mãe de santo Giselle Cossard, referência no candomblé do Rio de Janeiro e do Brasil, morreu no dia 20 de janeiro, aos 92 anos. Antropóloga nascida no Marrocos, filha de franceses, se encantou pelo Brasil ao vir com o marido diplomata e não só se converteu à religião de matriz africana como levou os conhecimentos e a sabedoria do candomblé para a Europa. Mãe Gisellle de Iemanjá, como ficou conhecida, escreveu vários livros e teses acadêmicas sobre essa religião para as universidades francesas.
Giselle Cossard chegou ao Brasil na década de 1960, depois de ter atuado, na juventude, como espiã da Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial. Em sua estadia no Rio, iniciou-se no candomblé, se tornou mãe de santo e recebeu o nome iniciático de Omindarewá. Seu terreiro em Santa Cruz da Serra, em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, tem hoje cerca de 300 filhos de santo.
Ivanir dos Santos, da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa no Rio, diz que a história da conversão de Giselle ao candomblé ocorreu em um momento em que a religião era alvo de preconceito e discriminação. “Ela se converteu da maneira mais tradicional ao candomblé, em sua raiz. Virou uma verdadeira embaixatriz dessa tradição cultural africana”.
Diretor de Intercâmbio Cultural do Consulado da França no Rio, Bertrand Rigot-Muller, classificou a trajetória de vida da antropóloga como completamente “fora do comum”. “Ela buscou se aproximar das tradições do brasileiro, povo que é espiritual por cultura”. Mãe Giselle foi sepultada no Cemitério da Ordem Terceira da Penitência, na Zona Norte do Rio.
CANDOMBLÉ À FRANCESA
Gisele Cossard, a mãe de santo Omindarewá, abandonou tudo para viver para a religião
Por: Marina Navarro Lins. Fonte: Jornal Extra (Publicado em 2014)
Para encontrar a casa da mãe de santo Omindarewá, no bairro Santa Cruz da Serra, em Duque de Caxias, é só perguntar pela francesa. Os muros altos escondem uma grande construção, com os quartos dos filhos de santo e dos orixás, e um jardim repleto de irokos (árvores sagradas). Sob roupas e colares típicos do candomblé - religião de origem africana -, uma senhora de olhos azuis desafia os seus 90 e tantos anos e comanda um dos terreiros mais conhecidos do Brasil.
Gisele Cossard nasceu em uma família francesa e católica, que morava no Marrocos, em 1923. O pai era professor e a mãe, pianista. Voltou para a França e esteve no olho do furacão durante a Segunda Guerra Mundial.
- Abrigamos o filho de um amigo da família, que estava fugindo dos alemães, e participei da resistência com ele. Enviávamos informações sigilosas para a Inglaterra. Depois, nos casamos - contou a mãe de santo.
Após a guerra, Gisele e Jean Binon viveram oito anos na África, onde ele dava aulas de francês. Foi o primeiro contato da futura Omindarewá com a cultura do Continente Negro.
Em 1959, Jean foi nomeado conselheiro cultural na embaixada da França no Rio de Janeiro. A vida de recepções e jantares não agradou Gisele.
- Comecei a frequentar terreiros em favelas. Foi quando conheci meu primeiro pai de santo, Joãozinho da Gomeia, de Caxias.
O rito de passagem de Omindarewá
Escondida do marido e dos dois filhos, Gisele Cossard frequentava as festas do candomblé em Caxias.
- Descobri uma religião que tinha mais a ver comigo. Era só espectadora até que, em 1960, desmaiei numa festa de Iansã. Foi o primeiro contato com os orixás e, logo depois, fiz minha iniciação - contou.
Gisele voltou para a França e foi a primeira da família a se divorciar. Apresentou uma tese sobre o candomblé e, em 1972, conseguiu retornar ao Brasil.
- Queria continuar a ligação com o terreiro, mas meu pai de santo morreu. Foi quando conheci Balbino Daniel de Paula, meu segundo mestre. Ele era da nação Ketu e fiquei encantada com os rituais deles.
Quem apresentou Balbino a Gisele foi o fotógrafo francês Pierre Verger, amigo dos dois. O pai de santo convenceu Omindarewá a fazer um terreiro em sua casa, recém-comprada em Santa Cruz da Serra.
300 filhos de santo
Em seu terreiro, Omindarewá joga búzios e faz trabalhos (oferendas a orixás, limpezas espirituais, iniciações) há 40 anos. Ela já perdeu a conta de quantos filhos de santo tem.
- No início, foi difícil conseguir clientes, as pessoas ficavam com pé atrás por eu ser branca e estrangeira. Hoje, tenho cerca de 300 filhos de santo, mas também recebo gente de fora do candomblé, do Brasil todo e até de outros países - afirmou Gisele.
Há cinco anos, Rosemari dos Santos - ou Akindele - estava com outros filhos de santo de Omindarewá colocando oferendas no quarto de Iemanjá, quando a orixá “falou” que ela seria a herdeira do terreiro.
- Hoje faço quase tudo aqui dentro. A mãe Gisele é maravilhosa, para ela não existe filho feio. É também uma guerreira, construiu tudo sozinha - declarou Akindele, de 40 anos.
Da França, Gisele ficou apenas com o sotaque. As fotos do período foram destruídas com uma das fortes chuvas muito conhecidas pelos moradores de Santa Cruz da Serra. O candomblé virou sua vida inteira.
Vídeo: A embaixatriz dos Orixás
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