Loucos pela vida

Na Grécia antiga, ser louco era considerado por Sócrates e Platão um privilégio de poucos que, com seus delírios, tinham acesso às verdades divinas



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Numa época em que inclusão é a palavra da moda, tanto quanto sustentabilidade, vale refletir um pouco sobre o tema. Vale pensar se a grande possibilidade de inclusão de muitos não passa, simplesmente, da inclusão deles no nosso campo de visão.

Frequentemente usamos o termo loucura para denominar situações ou atos inusitados e, principalmente, quando queremos exagerar qualquer coisa. Dizemos "sou louco por você", "sou louco por chocolate", ou gritamos "você vai acabar me deixando louco!" quando a raiva nos faz perder o controle. Quem nunca esteve à beira de um ataque de nervos que atire a primeira pedra nos descontrolados.

Porém há os loucos de verdade (nós somos loucos de mentira). Há aqueles que nasceram assim, loucos mesmo. E digo mais: há muitos deles espalhados por aí, relegados à sátira pública e ao puro abandono.

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No processo histórico da loucura, já foram instituídos muitos termos e valores diferentes para um louco. Chega a ser engraçado pensar que, na Grécia antiga, ser louco era considerado por Sócrates e Platão um privilégio de poucos que, com seus delírios, tinham acesso às verdades divinas. A valorização da desrazão.

Essa valorização nunca chegou ao Brasil. Pelo contrário, de modo geral, nem as famílias queriam seus loucos e acabavam invariavelmente, trancando-os em casa ou despejando-os nas ruas. Em meados do século XIX, passaram a ser recolhidos em asilos. Não eram recolhidos por solidariedade, e sim para que as ruas ficassem limpas daquele tipo de pessoas com doenças na alma. Prostitutas, mendigos e loucos foram colocados no mesmo caldeirão por muitos anos, até serem percebidos de forma diferente. A partir daí, os asilos se transformaram em manicômios ou hospícios.

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Doente da alma, pessoa com sofrimento psíquico, doente mental, alienado, transtorno mental, lelé da cuca, doido, pinel, esquizofrênico, necessidades especiais, seja qual for o nome dado aos loucos, eles sempre foram - e ainda são - severamente excluídos do convívio social. Essa exclusão, sim, gera doenças na alma.

Recentemente, pude conhecer um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), em função de um trabalho de faculdade. Lá, eu conheci não somente heróis anônimos como um caminho possível na tão mal falada Saúde Pública. Os usuários vão pela manhã e por todo um dia recebem cuidados. Fazem as refeições, aulas de arte, canto, expressão corporal, terapia, manicure, corte de cabelo e são medicados. No final da tarde, vão para casa. Em casos graves, o usuário pode ser atendido em domicílio. Foi então que tomei conhecimento da luta antimanicomial e soube que, graças a essa árdua luta, existe o Caps hoje. Aprendi também que é possível tratar quem não pode pagar. Esse Caps que eu conheci, não deixa de atender ninguém. Quem chega até lá recebe tratamento.

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O que mais me chamou a atenção foi descobrir o quanto é possível se fazer com boa vontade. Os profissionais e voluntários são verdadeiramente comprometidos com o ser humano, fazem tudo com empenho e dedicação. Conversando com alguns usuários, ouvi a mesma resposta: lá é um lugar em que eles se sentem amados, se sentem gente. Lá falta tudo: espaço, material, medicamento, profissionais, verba, atenção do governo. Mas, com a boa vontade, aprenderam a multiplicar o pouco que tem. E esse pouco tem feito diferença em vidas humanas.

Foi jogada em mim a centelha do caminho possível. Percebi que muitas coisas realmente importantes estão muito além do meu campo de visão.

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Constatei que os loucos pela vida estão em toda parte. São esses heróis que trabalham dia a dia para o que der e vier. São os que conseguem chegar lá após anos de exclusão e tratamento errado. Chegam lá porque querem fazer parte da vida, simplesmente porque são loucos pela vida.

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