Líderes tiranos: Eles estão em toda a parte, e não apenas na política
Se você vive num país mais ou menos democrático, o mais próximo a que você pode chegar de experimentar a vida em uma ditadura é no trabalho. Não apenas em circunstâncias políticas ou religiosas as pessoas são moldadas para seguir um líder cegamente. E sofrer as consequências.
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Por Nick Cohen, colunista do The Observer, Londres
Os seguidores dos grandes líderes sabem que ele fica “absolutamente perturbado” ao menor sinal de desvio da linha do partido. Ele expõe seu desprezo pelo ofensor em público, para que todos aprendam o preço da heresia. Vá além de pequenas infrações da disciplina partidária e levante dúvidas sérias quanto à “visão” do líder sobre dominação global e isso será o seu fim. “Você está frito”, ele diz, e seus capangas o levam embora.
Nos bastidores, seus subordinados murmuram que o líder é um “sociopata” sem “nenhuma capacidade de compaixão”. Porém mesmo que ele os aterrorize, seu ódio por ele está longe de ser integral. Quando relaxa, o grande líder pode ser encantador. Seus favores trazem recompensas. Quanto mais você sobe na hierarquia, mais bênçãos recebe e mais acredita nos propagandistas do líder quando eles saúdam sua “originalidade” e “rigor”: A história está clamando pelo líder. Seu poder está crescendo. O glorioso dia em que o mundo reconhecerá sua grandeza está chegando.
Eu poderia estar descrevendo a União Soviética de Stálin ou a “Igreja” da Cientologia. As acusações de novembro passado de que maoistas no sul de Londres mantinham mulheres como escravas podiam nos remeter de volta ao mundo perdido do marxismo-leninismo. O Partido Comunista britânico exigia conformidade intelectual absoluta. O Partido Revolucionário dos Trabalhadores das atrizes Vanessa e Corin Redgrave e o Partido dos Trabalhadores Socialistas queriam submissão absoluta, incluindo a submissão sexual das mulheres. Enquanto isso, o Partido da Independência do Reino Unido (Ukip, na sigla em inglês) parece uma versão de direita de alguma seita marxista. O culto da personalidade de seu líder, Nigel Farage, não permite que outro político concorra com ele nem que um integrante do Ukip responda a alguma observação sua.
Qualquer ruptura da ortodoxia o deixa furioso
Nessas circunstâncias, o retrato de um tirano surge na biografia de Fred Goodwin escrita por Iain Martin, Making it Happen: Fred Goodwin, RBS and the Men Who Blew Up the British Economy (Fazendo Acontecer: Fred Goodwin, o RBS e os Homens que Explodiram a Economia Britânica, um dos melhores livros de 2013, na minha opinião). Como um secretário-geral comunista ou fanático religioso, ele ficava enfurecido com a menor ruptura da ortodoxia: não usar a gravata da empresa; colocar um tapete em um escritório do Royal Bank of Scotland de uma cor que não era exatamente a certa. Os propagandistas que elogiaram seu rigor e independência trabalhavam para a revista Forbes, o Pravda (jornal oficial do Partido Comunista da União Soviética) do capitalismo corporativo. De um sonolento banco escocês, o RBS foi levado por Goodwin à condição de um “player” global. Assim, a história, de fato, parece defendê-lo – por algum tempo.
Com a Grã-Bretanha claudicando em 2014 feito um mendigo surrado, deveríamos aceitar que as empresas podem ser tão loucas e ditatoriais quanto qualquer movimento milenarista. As pessoas resistem à comparação porque os negócios parecem empreendimentos modestos. Os devotos perseguiam hereges e apóstatas e os comunistas puniam todos os dissidentes porque acreditavam que o reino de Deus ou o paraíso dos trabalhadores poderia ser deles se os fiéis seguissem o único caminho verdadeiro.
As empresas não querem o mundo ideal descrito na Utopia. Elas só querem ganhar dinheiro. Mas Dennis Tourish, a maior autoridade acadêmica da Grã-Bretanha quando o assunto é como as hierarquias impõem a obediência, não tem nenhum problema com a comparação. Seu livro mais recente, The Dark Side of Transformational Leadership (O Lado Escuro da Liderança Transformacional), coloca a Militant Tendency (corrente trotskista forte no Partido Trabalhista britânico nos anos 1970 e 1980) ao lado da Enron, o “suicídio revolucionário” em massa de seguidores do reverendo Jim Jones em Jonestown, na Guiana, ao lado da liquidação em massa da riqueza da Grã-Bretanha pelos bancos. Os fins de um L. Ron Hubbard (o criador da Cientologia) ou de um Fred Goodwin podem ser incompatíveis, diz ele, mas os meios são os mesmos.
O CEO (presidente executivo) é um milagreiro
Em qualquer um dos casos, a linguagem dos negócios tornou-se cada vez mais cultuada. Na teoria da “liderança transformacional”, que domina as escolas de negócios, o CEO (presidente executivo) é um milagreiro. Em Transformational Leadership, de Bernard Bass e Ronald Riggio, ele é descrito não por algum crédulo articulista da Forbes, mas por dois acadêmicos americanos supostamente inteligentes. O líder transformacional “inspira” seu seguidor para “alcançar resultados extraordinários”, dizem eles. Ele os “capacita” para “superar o desempenho esperado” e mostrar um “compromisso com a organização” cada vez maior.
Não vejo por que alguém deva achar a comparação com os fanáticos tão difícil de aceitar, e não apenas porque a ideia de que os CEOs podem fabricar novos e melhores subordinados corresponde à crença de Trotsky de que a revolução iria criar um “novo homem que se eleva a um novo plano”.
Se você vive num país mais ou menos democrático, o mais próximo a que você pode chegar de experimentar a vida em uma ditadura é no trabalho. A menos que tenha sorte, você vai descobrir que a administração é a fonte de todas as ideias e de todo o poder. Em 2012, o salário médio dos CEOs nos Estados Unidos foi de US$ 14,4 milhões, enquanto o salário médio dos empregados foi de US$ 45.230. Na Grã-Bretanha, uma comissão do governo descobriu que o bônus médio anual pago a 300 diretores da FTSE (Financial Times & Stock Exchange, a empresa dona da Bolsa de Londres) aumentou 187% em 10 anos, embora o preço médio de fim de ano das ações tenha caído 71%.
Acima de tudo, se você é funcionário público ou do setor privado, vai aprender que, se desafiar a autoridade, perderá a chance de promoção, e se desafiá-la em público, perderá o emprego. Para prosperar no ambiente de trabalho, assim como na ditadura, você tem de dizer aos líderes o que eles querem ouvir.
Desde que os executivos mais ricos do planeta derrubaram o mundo ocidental, tem havido um compreensível interesse pela psicologia do poder corporativo. Um experimento permanece em minha mente. Os pesquisadores dividiram os voluntários em grupos de três e atribuíram a uma pessoa em cada um desses grupos o título de “avaliador”. Meia hora depois, deram a cada grupo um prato de biscoitos. Os avaliadores pegaram mais biscoitos e espalharam migalhas enquanto comiam com a boca aberta. Depois de apenas 30 minutos, a convicção de que eram gerentes produziu ganância e a crença de que as regras normais não se aplicavam a eles.
Não duvido que, se necessário, os tribunais farão justiça em casos como o dos escravos dos maoistas londrinos. Mas é mais difícil encontrar justiça em outro lugar. Os escândalos bancários não conduziram a uma acusação. No geral, não houve interesse em tornar as hierarquias públicas e privadas menos fanáticas. Não se ouviu a esquerda clamar em algum lugar do mundo que é preciso ter representantes de trabalhadores em todos os conselhos de administração como condição mínima e inegociável, nem a direita admitir que a velha maneira de fazer negócios fracassou.
Nessas circunstâncias sombrias, cuide de si mesmo. Se você trabalha em uma organização onde não pode desafiar seus superiores sem medo das consequências, saia dela. Se ficar, você se tornará um adulador paranoico. Vai sofrer todas as consequências psicológicas de viver uma vida com medo em um playground dominado por valentões. As palavras de Dennis Tourish devem ser seu estímulo: a corrupção do poder pode ser ruim, mas a corrupção da impotência é pior.
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