Itatiaia: Um tesouro no alto da serra
Mais antigo parque nacional do Brasil, com localização privilegiada – entre São Paulo e Rio de Janeiro, perto da Via Dutra –, o Itatiaia é um símbolo da imensa beleza natural do nosso país e da sua também enorme negligência em administrá-lo
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Por Eduardo Araia
Quase à beira da Via Dutra, entre as duas maiores metrópoles do país, São Paulo e Rio de Janeiro, está localizado o nosso primeiro parque nacional. Esse simples fato já bastaria para tornar o Parque Nacional do Itatiaia um exemplo do que temos de melhor para mostrar aos brasileiros (e, em tese, aos estrangeiros que a Copa do Mundo e a Olimpíada trarão) em termos de conservação da natureza, certo? Nem tanto.
Desfrutar desse patrimônio natural implica usar a infraestrutura oferecida pelo responsável pelo equipamento (leia-se Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio – ou, no frigir dos ovos, a União), sobretudo em termos de acesso e apoio, e aí a situação fica delicada, para dizer o mínimo. Uma estrada federal espantosamente precária para a importância (inclusive simbólica) do lugar e carência de funcionários são as evidências mais gritantes da falta de verbas crônica com que o setor é obrigado a conviver.
Mas quem quiser encarar o desafio não irá se arrepender. Itatiaia é um tesouro que merece não uma, mas várias visitas. Para começar, são dois parques em um, com acessos diferentes; cada um deles tem diversos e peculiares atrativos, que um fim de semana dificilmente consegue esgotar. Adeptos de caminhadas, de montanhismo, observadores de pássaros, pessoas que gostam de natureza ou querem sossego num lugar sem a onipresença de celulares e internet vão ter razões de sobra para apreciar a viagem.
Pico das Agulhas Negras, o sétimo mais alto do país
Itatiaia (“pedra cheia de pontas”, em tupi) está situado no maciço de mesmo nome, na Serra da Mantiqueira, em terras do sudoeste do Rio de Janeiro (nos municípios de Resende e Itatiaia) e do sul de Minas Gerais (Bocaina de Minas, Alagoa e Itamonte), quase na divisa com São Paulo. Seus 30 mil hectares (300 km2) abrangem desde terrenos mais baixos, cobertos por Mata Atlântica, até algumas das nossas mais elevadas montanhas, como o Pico das Agulhas Negras (2.787 metros de altitude, o sétimo maior do País).
As terras onde hoje se assenta o parque pertenciam ao primeiro grande empresário brasileiro, o Visconde de Mauá. O Ministério da Fazenda adquiriu-as em 1908 para instalar dois núcleos agrícolas destinados a colonos estrangeiros. Como a iniciativa fracassou, os terrenos foram repassados ao Ministério da Agricultura, que em 1929 criou ali uma estação biológica.
Desde 1913, porém, o botânico Alberto Loefgren já defendia a conversão da área em parque nacional. Debatida naquele ano numa conferência na Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, a ideia foi endossada por vários outros pesquisadores. O parque, porém, só foi criado em 1937, por decreto do então presidente Getúlio Vargas. Em 1982, outro decreto, do presidente João Figueiredo, adicionou aos 12 mil hectares iniciais outros 18 mil hectares – e, ao avançar sobre propriedades com escritura lavrada, produziu um imbróglio cuja solução se arrasta há décadas (ver quadro).
O parque tem dois grandes ambientes. O primeiro é a úmida e verdejante parte baixa, mais recomendada para quem não faz tanta questão de frio e prefere programas menos exigentes (cerca de 90% dos pouco menos de 100 mil visitantes de 2013, pelas estatísticas do parque). Ali se concentra a maior parte das mais de 1.200 espécies animais do parque, como macacos (entre os quais o ameaçado mono-carvoeiro), preguiças, lobos-guarás, cachorros-do-mato e jaguatiricas. As aves são um espetáculo à parte: mais de 300 espécies diferentes – entre as quais beija-flores, codornas, juritis, pica-paus, sabiás, tucanos e gaviões – produzem um festival de cantos que cativa os visitantes urbanos. Os pássaros do Itatiaia já constituem um chamariz especial no parque, atraindo pessoas do Brasil e do Exterior.
Fartura de samambaias
Como efeito da passagem dos colonos no início do século 20, boa parte da cobertura original de árvores se perdeu, substituída por espécies plantadas pelos moradores. A riqueza vegetal, porém, impressiona – há desde cedros, ipês, paineiras e várias espécies de canelas até o raro pinheiro-do-paraná, além de fartura de samambaias.
Mas muita gente quer mesmo é conhecer as cachoeiras e piscinas naturais da área. Itatiaia é um divisor de águas das bacias dos rios Paraíba do Sul e Grande, e vários cursos d’água nascem ali. Os destaques da parte baixa são os rios Campo Belo e Maromba, cujas águas cristalinas formam algumas das principais atrações locais. A cerca de 1.150 metros de altitude, por exemplo, o Maromba despenca 40 metros para formar a famosa cachoeira Véu da Noiva, e logo a seguir desce para outra queda d’água e uma piscina natural que leva o nome do rio. O Campo Belo forma as belas cachoeiras e piscinas naturais de Itaporani e Poranga, além do Lago Azul – uma ampla e sedutora piscina natural cuja proximidade do Centro de Visitantes a torna concorridíssima. A água é fria em todos esses locais, mas o banho vale a pena. Outro aviso importante: rústica, a trilha que leva ao Véu da Noiva exige um bom par de tênis e razoável condição física.
Dois mirantes enriquecem os atrativos da parte baixa. Três Picos, ponto situado a 1.662 metros de altitude, no fim de uma trilha de seis quilômetros no meio da mata, propicia uma vista privilegiada do vale do Paraíba do Sul, da Mantiqueira e da Serra do Mar. O Mirante do Último Adeus, a dois quilômetros da entrada do parque, oferece belas vistas do vale do Rio Campo Belo e da Serra do Mar.
Quem gosta de informações didáticas sobre o lugar em que está deve conhecer o Centro de Visitantes, a pouca distância da entrada do parque. Ali estão o Museu Regional da Fauna e Flora (com um bom acervo de plantas, mamíferos, répteis, aves e insetos da região), uma biblioteca técnico-científica, um auditório com 64 lugares e um laboratório científico. Exposições temporárias ajudam a movimentar a programação do local.
Na parte alta do parque, também chamada de Planalto, a paisagem muda drasticamente. Depois de vencer um trecho da BR-485 que faz o precário trajeto da parte baixa parecer uma autoestrada alemã, o visitante se vê diante de um planalto com altitude média de 2.450 metros, marcado por várzeas, vegetação mais rasteira, temperaturas inferiores às da outra seção do parque (que podem inclusive chegar a -15 °C no inverno) e grandes formações rochosas. É um cenário aberto, propício a caminhadas e escaladas. E também traiçoeiro: as variações climáticas e a possibilidade de se perder tornam arriscado percorrê-lo sem ter ao lado um guia ou alguém que conheça bem a região.
Gavião real e suçuarana
Vegetação rasteira não significa desinteressante. Ali se encontram espécies não encontradas em outras regiões do Brasil. Há, por exemplo, belos exemplares de orquídeas terrestres, bromélias, quaresmeiras, brincos-de-princesa, margaridas e lírios. Também mais modesta, a fauna local tem como destaques os ameaçados gavião-real e suçuarana e dezenas de espécies de anfíbios, como o sapo flamenguinho e o lagarto mabuia.
As montanhas, com o Pico das Agulhas Negras à frente, são o grande chamariz dessa região. Um dos passeios mais populares tem como destino a Serra das Prateleiras, de cujo topo se aprecia uma imponente vista do vale do Paraíba do Sul. A área tem diversas vias de escalada, com vários graus de dificuldade, e seus arredores contêm muitos lagos e formações rochosas atraentes, como a Pedra da Tartaruga e a Pedra Assentada. A Pedra do Altar, com uma face desafiadora, é outra preferência dos montanhistas. Para quem sentir saudade de água corrente, a Cachoeira de Aiuruoca, acessível por uma trilha de seis quilômetros, será um regalo para os olhos (mas a água certamente vai estar gelada).
Itatiaia, enfim, reserva atrações para os mais variados gostos, e nem mesmo o “fator Brasil” de despreparo e negligência do país com suas riquezas naturais é capaz de diminuí-lo. Se, enfim, o governo federal olhar com a devida atenção seus parques nacionais, esse merece – por história, geografia e patrimônio natural – ser transformado num case de excelência na área.
Nó fundiário
Setenta e quatro anos depois da criação de seu primeiro parque nacional, o Brasil ainda está longe de saber o que quer exatamente dessas áreas. Não surpreende, portanto, que o muito bem localizado Itatiaia tenha meios de acesso ruins e poucos funcionários para atender os cerca de 100 mil visitantes anuais. Tampouco causa surpresa ali a falta de regularização fundiária – um problema que, afirma o presidente do ICMBio, Rômulo Mello, atinge 40 milhões dos 78 milhões de hectares das unidades de conservação federais.
A lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), do ano 2000, diz que parques nacionais não podem conter propriedades privadas; seus donos teriam de ser desapropriados e indenizados o mais rápido possível. Nos 18 mil hectares incorporados ao Itatiaia em 1982 há vários imóveis particulares instalados legalmente ali há muito tempo (o Hotel Donati, por exemplo, foi fundado em 1931, antes da criação do parque). Sem dinheiro para indenizá-los, o governo federal foi empurrando a situação com a barriga. Enquanto isso, as propriedades se tornaram áreas de preservação permanente, subordinadas a regras de uso específicas.
Para desfazer o imbróglio, a Associação dos Amigos do Itatiaia (AAI), que reúne os proprietários, tentou em 2008 converter 1.300 hectares do parque (nos quais fica a maioria das casas e hotéis) em Monumento Natural, área protegida que comporta imóveis particulares. Um ano depois, porém, o então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, rejeitou a proposta e decidiu dar sequência a um plano do ICMBio para enfim implementar o parque.
Em dezembro de 2010, dois dos imóveis em litígio passaram para a União, num negócio divulgado pela direção do parque como início das desapropriações. O processo avançou nos anos seguintes, com novos acordos, aquisições e até uma doação (em 2011). Mas, com a falta de sintonia entre os dois lados (e as projeções de gastos com indenizações feitas a partir dos consideráveis valores pagos aos ex-donos dos imóveis negociados em 2010), a certeza é que essa disputa não termina tão cedo. Os visitantes do Itatiaia torcem pela melhor solução para a coletividade – que reverta, naturalmente, numa infraestrutura capaz de acolhê-los como merecem.
SERVIÇO
Como ir: 1) Parte baixa – A partir do km 316 da Via Dutra (altura de Itatiaia), pela BR-485. 2) Parte alta: pela BR-354 (Rio–Caxambu), que começa no km 330 da Dutra; no trecho denominado Garganta do Registro, a estrada se liga a outro segmento da BR-485, que leva à segunda entrada do parque.
Onde ficar – Parte Baixa: Hotel Donati (fones 24.3352-1110 e 24.3352-1509, site www.hoteldonati.com.br, e-mail donati@hoteldonati.com.br) – Esse hotel a cerca de 850 metros de altitude, que já hospedou Vinícius de Moraes e o pintor Alberto Guignard, harmoniza rusticidade e conforto na dose certa, com culinária saborosa e guias para passeios. Hotel do Ypê (fone 24.3352-1453, site www.hoteldoype.com.br) – A 1.250 metros de altitude, o Ypê também investe na fórmula alimentação caprichada e contato facilitado com a natureza por meio de guias. Parte Alta: Abrigo Rebouças – Essa opção oferecida pelo parque, a 2.540 metros de altitude, tem capacidade reduzida; as reservas são feitas pelos telefones (24) 3352-1292 e (24) 3352-8694. Hotel São Gotardo (fone 35.3363-9000, site www.hotelsaogotardo.com.br) – Opção requintada, tem uma vantagem para quem deseja visitar o Planalto: fica na frente da entrada do parque, a 1.750 metros de altitude.
Outras informações: site www.icmbio.gov.br/parna_itatiaia, fones 24.3352-1292 e 24.3352-8694.
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