Imprensa e política. Trump perdeu as eleições por culpa da Fox News?
Ao que tudo indica, estamos perante mais um divórcio litigioso de Donald Trump. Nada, no fundo, de muito especial para um Presidente que, segundo as contas da revista New Yorker conseguiu sobreviver, ao longo dos seus 74 anos de vida, a um “impeachment, dois divórcios, seis bancarrotas, vinte e seis acusações de assédio sexual e a cerca de quatro mil processos judiciais”. Na foto de abertura, Donald Trump (esquerda) e o magnata da mídia, Rupert Murdoch.
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Por: Rui Tavares Guedes.
Fonte: Revista Visão, Portugal
Só que este é, na verdade, o fim de um romance que, durante anos, pareceu o casamento ideal entre um milionário transformado em político e uma cadeia de televisão em busca de audiências e de influência. Podia não ser uma relação de amor, mas era de grande e mútuo interesse: Trump tinha um palco para defender e apoiar as suas ideias, e a Fox News capitalizava audiências, com um estilo diferente ao dos outros canais. Um ganhava eleitores o outro acumulava milhões de dólares em receitas.
Só que, entretanto, tudo mudou. E, como sempre acontece nestas situações, foi Donald Trump quem fez questão de anunciar o desenlace. Naturalmente no Twitter e, ainda de forma mais óbvia, declarando que a culpa não era dele e que o “outro lado” já estava sofrendo as consequências.
“As audiências da Fox News colapsaram, completamente”, anunciou o Presidente, com o seu estilo habitual, indicando que isso sucede nos horários normais, mas especialmente ao fim-de-semana. E, mesmo que não apresente uma única prova sobre a descida das audiências, para Trump só existe uma explicação para essa queda: “Eles abandonaram a galinha dos ovos de ouro” – ele próprio, claro.
As consequências, no entanto, foram para os dois lados, conforme Trump fez questão de sublinhar, num dos 16 tweets e retweets que publicou na manhã de quinta-feira, 12, apontando o culpado para a sua derrota eleitoral: “A maior diferença entre as eleições de 2016 e 2020 foi a Fox News”. Ou seja: se a estação de Rupert Murdoch se tivesse comportado como há quatro anos, alega ele, Joe Biden não teria qualquer hipótese de ser o eleito para lhe suceder na Casa Branca.
Imbróglio Arizona
Os primeiros sinais do divórcio foram dados na (longa) noite eleitoral de 3 de novembro, quando a Fox News chamou a atenção por ter sido o primeiro órgão de comunicação social a atribuir a vitória de Joe Biden no estado do Arizona (que se viria a confirmar), com apenas 73% dos votos contados, quebrando algum sinal de resistência nos resultados que Trump manifestava até então. Segundo foi noticiado por Gabriel Sherman, da Vanity Fair, nessa mesma noite, ao sentir-se “atraiçoado", Trump terá imediatamente feito deflagrar uma “guerra civil”: telefonou a Rupert Murdoch para se queixar e pedir que aquele anúncio fosse revertido. “Murdoch recusou e a chamada terminou”, escreveu o jornalista, acrescentando que o magnata australiano da imprensa, proprietário também do Wall Street Journal e do New York Post, “há meses dizia aos seus colaboradores mais próximos que estava à espera de uma derrota de Trump”.
Segundo o Financial Times, no entanto, a chamada na noite das eleições não foi feita por Donald Trump, mas sim pelo seu genro Jared Kushner. O importante, todavia, é que a Fox não alterou a sua posição, recusando qualquer tipo de cedência à família ou campanha de Trump.
Histórias antigas
Embora este episódio tenha sido visível e desencadeado uma série de tweets enfurecidos de Trump, motivando até palavras de ordem contra a estação, das bocas dos seus apoiantes concentrados junto dos centros de contagem de votos no Arizona e na Pensilvânia, a verdade é que alguns sinais de divórcio já vinham de trás.
Isso começou a ser particularmente visível em julho, numa entrevista dada a Chris Wallace, no programa Fox News Sunday, em que Donald Trump não conseguiu esconder a sua irritação e mal-estar. Tudo porque Wallace, um dos mais qualificados e respeitados entrevistadores da televisão americana, na opinião insuspeita da CNN, foi verificando repetidamente e em direto as falsidades que Trump ia dizendo.
Mais tarde, também não passou despercebida a forma como o mesmo Chris Wallace perdeu a paciência com Donald Trump, por causa das suas constantes interrupções no primeiro debate com Joe Biden.
As coisas podem ter piorado a seguir, segundo revelou o Washington Post, quando Trump, que sempre exigiu um nível elevado de lealdade por parte da Fox, pediu que a estação fizesse um grande desconto para os seus anúncios de campanha. A resposta da Foz foi fria e seca: o preço é igual para todos. “O que deixou Trump extremamente infeliz com a Fox.”
Murdoch imune a Trump
A verdade é que Donald Trump não está habituado a ser contrariado. Os últimos quatro anos foram a prova disso mesmo, com a forma como foi despedindo e mudando os seus colaboradores mais próximos, com uma rapidez que nunca ninguém tinha assistido na Casa Branca.
“Com algumas exceções, muitos líderes do Partido Republicano passaram os últimos quatro anos a encolherem-se diante do presidente Trump, temendo que se o contrariassem fosse o suficiente para acabar com as suas carreiras políticas”, escreveu Joel Mathis, na The Week. “Acontece que existe um homem imune à intimidação e fanfarronice de Trump - Rupert Murdoch, o dono da Fox News.”
“Os presidentes vão e vem, mas Rupert Murdoch mantém-se”, concluiu também Michael M. Grynbaum, no New York Times.
Essa é, de fato, uma verdade insofismável, e que é perfeitamente adequada ao homem que construiu um império de media que, nas últimas décadas, tem espalhado a sua influência em três continentes, quase sempre a apoiar políticas conservadoras, mas sem nunca perder o sentido pragmático do negócio: embora tenha sido sempre um apoiante dos conservadores britânicos, numa determinada época Murdoch foi um aliado fiel do trabalhista Tony Blair. A sua história e do império familiar foi, segundo várias fontes, a inspiração para a série Sucession, da HBO.
Todos são dispensáveis?
“Os líderes da Fox News nunca o afirmarão em voz alta, mas acreditam que o seu império é maior do que o presidente Trump”, escreveu a CNN. E essa pode ser, aliás, uma das principais explicações para o fim do casamento de conveniência, que durou cinco anos, entre dois homens ambiciosos, mas profundamente diferentes.
Aprecie-se ou não o gênero, Murdoch é um cosmopolita, com casas em várias partes do mundo, conhecido por gostar de livros e de possuir algum sentido de autoconsciência. Trump, como descreveu o New York Times, “é um americano orgulhosamente grosseiro que passa férias no seu próprio país, janta e almoça fast food e assiste a muita TV.”
E ninguém pode esquecer que, no verão de 2015, o próprio Rupert Murdoch escreveu isto num twitter: "Quando é que Donald Trump vai parar de embaraçar os seus amigos, quanto mais o país inteiro?"
É por isso que ter reduzido a “Fox News apenas a um braço da Casa Branca de Trump corre o risco de nos fazer perder a noção da verdadeira realidade”, prossegue o mesmo artigo do New York Times. “O mais correto é dizer que a Casa Branca - assim como os gabinetes dos primeiros-ministros do Reino Unido e da Austrália - é apenas uma ferramenta entre muitas que a família Murdoch utiliza para exercer a sua influência no mundo”.
Por isso, quando começam a surgir rumores de que Donald se prepara para lançar uma espécie de Trump TV, aproveitando até, porventura, a estrutura da Newsmax, de Chris Ruddy, seu vizinho em Mar-a-Lago, na Florida, na Fox News a tranquilidade parece ser total, e alicerçada nos bons resultados da empresa.
“A Fox tem uma posição de quase monopólio na TV de direita”, escreveu a CNN. “O seu público é extraordinariamente leal, como foi demonstrado no final de 2016 e início de 2017, quando três das maiores estrelas da Fox - Megyn Kelly, Bill O'Reilly e Greta van Susteren – abandonaram a estação num período de nove meses, e as audiências permaneceram inalteradas”.
Essa é, na verdade, uma das regras das grandes estações de televisão: todos são substituíveis. Trump também?
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