Ilha Navarino
O encanto do ponto mais austral do continente
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Texto e fotos: Jaime Borquez
Há apenas duas décadas, a Ilha Navarino, no Extremo Sul do Chile, era um lugar praticamente desconhecido como destino turístico, inclusive para os próprios chilenos. Sua capital, Puerto Williams – a cidadezinha mais austral do continente americano –, era reduto exclusivo da Marinha e quem ousasse aparecer com máquina fotográfica na mão podia até mesmo ser preso e levar umas lambadas. Foram turbulentos os tempos vividos ali nas décadas de 70 e 80. Na época quase houve uma guerra entre Chile e Argentina, pela disputa das ilhas Picton, Nueva e Lenox, no canal de Beagle, que banha o litoral de Puerto Williams. Tudo isso, no entanto, ficou no passado, e a Ilha Navarino começa a despontar como mais um surpreendente endereço turístico.
A Ilha Navarino fica no território do Cabo Horn, pertinho da Antártica. É uma das 37 eco-regiões mais intocadas do planeta. Um destino que demanda amor pela natureza e não se ter perdido a capacidade de ficar de boca aberta diante das maravilhas que a mãe-terra é capaz de proporcionar. Declarada Reserva da Biosfera pela Unesco em 2006, toda a região do arquipélago do Cabo de Horn é um dos últimos territórios virgens do planeta. São 4,9 milhões de hectares, entre áreas marinhas e superfícies terrestres cheias de campos de gelo, glaciares, canais, cordilheiras, bosques, mangues, rios e lagos, junto a uma fauna e flora riquíssimas, história e arqueologia.
Para desembarcar na ilha, é preciso subir num aviãozinho Twin Otter em Punta Arenas, a capital da Patagônia chilena do sul. Cruza-se o lendário Estreito de Magalhães e sobrevoa-se a Terra do Fogo. As surpresas, no entanto, começam bem antes de pousar. O avião continua o trajeto até o verdadeiro fim do mundo americano, o Cabo Horn, onde faz dois voos rasantes de arrepiar. Sobrevoa o início do temido Mar de Drake, para depois voltar e descer em Puerto Williams.
O museu Martin Gusinde é visita obrigatória em Puerto Williams. É bom começar a visitação lá, para se ter uma visão geral do que se verá a seguir. No museu, e depois ao longo dos passeios, guias bem treinados falarão sobre a vida dos nativos, os índios yaganes, que durante milênios sobreviveram seminus naquele território de invernos glaciais. Eles chamavam sua terra de Hualalanuj. Considerado o povo mais austral do mundo, os yaganes eram canoeiros, caçadores e pescadores.
Podemos visitar hoje centenas de sambaquis, prova da quase total ocupação do litoral de Navarino pelos nativos. Muitos deles têm mais de 30 metros de comprimento e cinco metros de altura. O mais antigo tem 7.500 anos e se encontra em Punta Guerrico, no costão norte da ilha. Como todos os demais sambaquis da região, são monumentos nacionais e estão sob a proteção do Estado. Quem tem paixão por arqueologia fica ansioso e tem vontade de cavar o sambaqui com as próprias mãos ao ouvir os guias dizer que neles não existem apenas amontoados das conchas dos moluscos que os yaganes comiam, mas são também repletos de utensílios da vida diária deles, como cerâmicas, facas, anzóis, lanças, objetos decorativos, pontas de flecha finamente elaboradas, tanto de pedra como de osso. Outros sinais claros da vida yagane são os abrigos de canoas e os currais de pesca, como os encontrados na baía Mejillones.
A história marítima da região tem nomes de peso. Fernão de Magalhães é o mais conhecido deles, mas não o único a percorrer aqueles meandros marítimos. Thomas Cavendish, Sir Francis Drake, Pedro Sarmiento de Gamboa, John Byron, James Cook, Louis Antoine de Bouganville e Jean François La Pérouse navegaram pelas águas da Terra do Fogo e da Patagônia. Um nome ainda marca fortemente a região: o do naturalista Charles Darwin. Ele visitou e estudou os nativos e a fauna e flora da região durante a sua histórica viagem a bordo do Beagle, embarcação comandada pelo célebre almirante FitzRoy. Darwin ficou muito impressionado com os nativos yaganes. Achou, por um lado, que se tratava do povo menos desenvolvido em termos de civilização dentre todos os que conhecera antes. Apesar disso, o cientista percebeu e registrou a facilidade com que os yaganes imitavam gestos e sons.
Hoje, um dos passeios mais solicitados pelos estrangeiros que visitam Navarino é navegar pelo canal que margeia a Cordilheira Darwin, seguinte à risca o itinerário do Beagle. O must é fazer essa viagem a bordo do schooner Victory, réplica fiel das embarcações de carga da segunda metade do século 19. Construído com ciprestes das Ilhas Guaitecas, o Victory desde 1986 desafia os mares austrais.
A partir da Ilha Navarino, há uma viagem sob medida para cada tipo de turista. Adora navegar e é apaixonado pelo mar? O programa “Geleiras do Fim do Mundo” lhe fará percorrer a mesma rota que Darwin fez nessas latitudes. São seis dias de viagem através de paisagens de força extrema, nos quais se descortina a Cordilheira Darwin e suas inúmeras geleiras. O serviço de bordo é um espetáculo a parte. Comida excelente, regada por ótimos vinhos. Chilenos, é claro. Mas há também passeios de um único dia, para quem só quer provar um gostinho da navegação no fim do mundo.
Há pouco mais de dois anos, empresários de Punta Arenas, com visão afiada e certeira recheada, compraram as antigas instalações da hosteria Wala e fizeram uma reforma arquitetônica radical. Quando os trabalhos terminaram, o Lakutaia, o primeiro hotel-butique de Puerto Wlliams, estava pronto para receber seus hóspedes. Lakutaia significa Baía dos Cormorões na língua yagane dos nativos que habitavam a região.
Pensado para dar a sensação de refúgio seguro numa região onde o tempo adora fazer travessuras, o Lakutaia de cara oferece aos hóspedes uma lareira realmente encantadora. A decoração do hotel é pouco ostensiva, usando elementos nativos. Especialistas dão palestras diárias sobre a cultura, a biologia e a arqueologia da região. A cozinha, muito generosa, está a cargo da chef Márcia Villarroel, que já cozinhou para a própria ex-presidente do país, Michele Bachelet.
Márcia tem sua própria horta, protegida do gelo e dos ventos, no quintal do hotel, e é de lá que saem as saladas e legumes consumidos no hotel. Como o Lakutaia faz parte do crescente clube de hotéis que praticam o turismo sustentável, nele os restos de comida viram compostagem e adubo natural. Tudo é assim produzido sem agrotóxicos e adubos químicos.
Para se descobrir espécies únicas, basta percorrer os bosques-miniatura do Parque Etnobotânico Omora. O espaço abriga vários órgãos e ONGs de conservação ambiental. Trata-se de um passeio surpreendente, durante o qual o visitante pode observar vários dos musgos, liquens e fungos que existem na região do Cabo Horn. Além de ver, literalmente, com o auxílio de uma lupa, espécies raríssimas da vida vegetal, e aprender a distinguir os diferentes tipos de carvalhos patagônicos. Entre eles o coigüe, o ñirre e a lenga, bem, como o canelo, árvore sagrada dos nativos.
A Ilha Navarino é o paraíso dos pescadores esportivos. Há vários rios, lagos e lagoas próximos do centro de Puerto Williams que até hoje permanecem quase intocados. Pode-se optar por chegar até alguns deles de modo aventureiro, caminhando por trilhas, e pode-se também alugar um helicóptero. As águas são muito piscosas, e até mesmo pescadores de primeira viagem costumam sair de lá carregando belos troféus. Entre os lagos considerados muito bons para a pesca estão o Windhold, o Rilusheajan e a lagoa Rojas.
Apaixonados do trekking terão bons motivos para gastar as solas das suas botas. Há caminhadas pela trilha do Cerro Bandera ou o Circuito Dentes de Navarino, trilha desenvolvida para se conhecer, caminhando, as belezas e os sítios histórico da região. Há ainda cavalgadas ou um simples passeio de bicicleta pela cidade, dando uma parada na Vila Ukika, onde vivem os descendentes da comunidade Yagán. Perto do porto pode-se ver a proa do navio Yelcho, no qual realizou-se o histórico resgate da Expedição Antártica, liderada pelo explorador inglês Sir Ernest Shackleton.
Informações:
www.lakutaia.cl / contacto@lakutaia.cl
www.viajandocomjaimeborquez.blogspot.com
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