Guerra Santa: Jovens europeus partem para a jihad
Apenas na noite de 11 de setembro, no mesmo horário, três canais de televisão franceses organizaram debates sobre um único tema: a revoada de milhares de jovens europeus – não necessariamente muçulmanos - em direção ao Médio Oriente para se alistarem nas fileiras do EI-Estado Islâmico, uma das mais violentas organizações terroristas jamais surgidas. Qual a razão de tal fascínio pelos movimentos extremistas violentos?
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Por: Luis Pellegrini, de Paris
No momento em que finalizo este artigo, terça-feira, 16 de setembro, acontece aqui em Paris a reunião de delegações de nada menos que 26 países dispostos a cooperar no combate ao EI – Estado Islâmico. Ativa no Iraque e na Síria, essa organização terrorista acaba também de divulgar pela Internet o assassinato por decapitação de um terceiro refém, o britânico David Haines. Somado aos anteriores, de dois jornalistas norte-americanos, o vídeo desse bárbaro e cruel assassinato causa comoção geral, e provoca o apoio popular às medidas de combate que serão tomadas. As forças de 26 países, capitaneadas pelos Estados Unidos, a Inglaterra e a França se baterão contra algumas dezenas de milhares de combatentes islâmicos ensandecidos. Poderá acontecer nos próximos dias um banho de sangue como raras vezes antes o mundo testemunhou.
Não é a primeira vez que forças militares ocidentais atacam organizações guerrilheiras rebeldes e/ou terroristas. Já vimos esse filme várias vezes, no Vietnã, na Argélia, no Afeganistão, etc. Mas existe agora um fato novo e surpreendente que faz toda a diferença: das hostes do Estado Islâmico fazem parte algumas dezenas de milhares de jovens europeus que nos últimos anos, e sobretudo nos últimos meses, decidiram abandonar seus países e ingressar na jihad como combatentes. Só da França são mais de mil.
Esses neoterrroristas são jovens, mas não particularmente devotos do Islã ou de qualquer outra religião. Deixam seus países para fazer a “guerra santa” no Médio Oriente. São principalmente europeus, criados nas nações mais desenvolvidas do continente. De Londres, mas também de Nova Delhi, passando por Paris, Berlim, Viena, Roma, Madri e várias outras cidades, o fenômeno assume proporções mundiais. Tudo veio à luz com o assassinato por decapitação, em agosto, diante das câmeras de televisão, do jornalista americano James Foley, e as revelações sobre o seu carrasco (sem dúvida um britânico).
Qual a razão de tal fascínio pelos movimentos extremistas violentos? Na Europa – que já teme o retorno desses jovens de cabeça feita pelo terrorismo -, uma das causas principais é a falência das políticas de integração racial. Mas esta não é certamente a única causa. Cita-se também a deterioração estrutural acelerada de países árabes, mas isso, para os analistas, não explica tudo. Trata-se, muito mais, de uma “patologia” que corre o risco de se alastrar perigosamente no próprio seio do mundo democrático. Por isso a atual corrida em busca do tempo perdido, e o chamado à ação de importantes especialistas em todas as áreas do conhecimento na tentativa de encontrar uma explicação para o fenômeno, e descobrir os caminhos e ações que poderão representar uma solução.
Violentos, mas pouco ou nada devotos
Acreditar que são sempre os ultrarreligiosos que partem para se juntar às fileiras jihadistas é um erro fatal na luta contra a radicalização dos jovens. Esta é a opinião do jornalista inglês Mehdi Hasan, especialista em assuntos árabes do jornal New Statesman, de Londres. Em recente artigo, ele pede ao leitor para adivinhar quais livros os candidatos à jihad Yusuf Sarwar e Mohammed Ahmed encomendaram na Amazon antes de deixar Birmingham, em maio último, para ir combater na Síria. Milestones, do islamista egípcio Sayyd Qutb? Não. Uma coletânea dos escritos de Ossama Bin Laden? Também não.
Sarwar e Ahmed, que se declararam culpados de graves atos de terrorismo no mês de agosto, tinham comprado Islã para principiantes e Alcorão para principiantes, obras tipo “primeiros passos”, para quem não sabe nada do assunto. “Difícil encontrar melhor prova para confirmar que a religião muçulmana, com seus 1400 anos de história, não tem muito a que ver com o movimento jihadista moderno”, comenta Mehdi Hasan. Esses jovens criados na Europa, que têm um prazer sádico ao colocar bombas e ao decapitar pessoas, se apoiam, no entanto, numa retórica religiosa para justificar sua violência. Mas certamente não é o fervor religioso aquilo que os motiva.
Já em 2008, o jornal The Guardian tomara conhecimento de uma nota confidencial emitida pela Unidade de Ciências do Comportamento do MI5 (Serviço de Inteligência britânico), a respeito da radicalização: “Longe de serem devotas, a maior parte das pessoas implicadas no terrorismo não praticam suas religiões regularmente. Muitas não possuem conhecimentos religiosos e poderiam ser consideradas como noviças em matéria de religião”, declara o documento, antes de concluir que “uma identidade religiosa bem estabelecida na verdade impede a radicalização violenta”.
Para uma confirmação mais aprofundada desse fato, convém ler os livros de Marc Sageman, um antigo agente da CIA especializado em psiquiatria médico-legal, os do cientista social Robert Pape, os de Rik Coolsaet, pesquisador de relações internacionais, os do islamista Olivier Roy e os do antropólogo Scott Atran. Todos estudaram as vidas e os percursos de centenas de jihadistas maníacos, autores de vários atentados, e todos afirmam que o Islã não é responsável pelos seus comportamentos.
Noviços que ignoram tudo em matéria de religião
Esses autores fazem eco a vários outros, segundo os quais a radicalização se deve a outros fatores: indignação moral, descontentamento, pressão dos companheiros, busca de uma nova identidade, necessidade de pertencer a alguma coisa e de encontrar um objetivo na vida. Como explicou Scott Atran em março de 2010, diante do Senado norte-americano: “O que inspira a maior parte dos terroristas que matam no mundo de hoje, é muito menos o Corão ou a doutrina religiosa, e muito mais a identificação com uma causa fascinante e uma ação que promete glória, admiração e estima dos amigos, e através deles o respeito eterno e a certeza de permanecer na memória deles”.
Os candidatos à jihad são, segundo esse estudioso, pessoas jovens “que sentem tédio, que trabalham em subempregos, subqualificados e decepcionados” e para quem “a jihad é um empregador que oferece igualdade de oportunidades... é apaixonante, gloriosa e está na moda”. Em resumo, nas palavras de outro autor, Chris Morris: “O terrorismo é uma questão de ideologia, mas é também uma opção de idiotas”. De idiotas, não de mártires.
Jihad também atrai muitos norte-americanos
Barack Obama anunciou há poucos dias a decisão americana de voltar a combater no Iraque e na Síria, inicialmente com bombardeios e artilharia aérea, para tentar destruir as bases do Estado Islâmico. Sua decisão foi certamente influenciada por esse outro fator preocupante: os êxitos militares do Estado Islâmico atraem um número cada vez maior de norte-americanos à Síria. Com efeito, o número dos que ingressaram nas fileiras terroristas quase dobrou desde janeiro último, como foi indicado pelos serviços de informação dos EUA ao jornal New York Times. Mais de duzentos norte-americanos teriam ingressado nos grupos rebeldes sírios desde o começo da guerra civil. Entre eles, algumas mulheres, como é o caso das moças sômalas recrutadas pelas organizações islâmicas nas imediações de Minneapolis, onde vive uma importante comunidade originária da Somália.
Os norte-americanos que escolhem a guerrilha terrorista são cada vez mais jovens, em geral adolescentes. Mas entre eles existem também homens maduros. O Estado Islâmico não recruta apenas combatentes, mas também médicos, enfermeiros, engenheiros e trabalhadores para os campos de petróleo.
Pelo menos quatro norte-americanos já morreram em combate ao lado dos rebeldes sírios. O último de que se tem notícia é Douglas McCain, um afro-americano criado perto de Minneapolis, e que foi morto no dia 24 de agosto último. O site The Daily Beast traça um perfil significativo desse jovem e de um de seus amigos, Troy Kastigar, um branco morto em 2013 na Somália, quando combatia nas fileiras da Al-Qaeda. O site apresenta Douglas como um aspirante a cantor rapp, sem talento e sem diploma, um “falido” que teria encontrado na jihad um caminho de vida. “Por que ser um perdedor quando se pode ser um mártir?”, resume a publicação.
A qualquer momento, os bombardeiros começarão a lançar toneladas de bombas sobre as posições do Estado Islâmico no Iraque e na Síria. São bombardeiros americanos, franceses e de várias outras nacionalidades – inclusive árabes. Até a Arábia Saudita e o Qatar, que sabidamente financiaram alguns desses grupos terroristas, agora tremem nas bases: a criatura pode se voltar contra o criador. Como os terroristas do EI mantêm prisioneiros vários reféns tanto ocidentais quanto árabes, e se misturam à população civil dos locais que dominaram, pode-se presumir que o banho de sangue será enorme. Reféns e a população civil no Iraque e na Síria, nas regiões dominadas pelo Estado Islâmico, correm portanto altíssimo risco.
Dará certo? Ou o Estado Islâmico, que nada mais é que um desdobramento da Al Qaeda, após ser aniquilado nesses países, renascerá em outros lugares que, no momento, também vivem em convulsão? A Líbia e o Iêmen, para citar apenas dois, são excelentes candidatos...
No dia 12 último, Alain Frachon, cronista do jornal Le Monde, explicou em editorial que a verdadeira vitória sobre o jihadismo tem de ser necessariamente cultural e ideológica. Para esse jornalista, a opção bélica é apenas paliativa e temporária. “Essa vitória tem de partir do próprio mundo árabe-islâmico, e não de uma revoada de foguetes americanos e europeus. Não conseguiremos enfraquecer o jihadismo pela força das armas, ele reaparecerá de uma forma ou de outra, como o demonstram as reencarnações sucessivas da Al-Qaeda”, completa Frachon.
A verdadeira frente de batalha, portanto, estaria na cabeça das pessoas: “O mundo árabe é um mundo em crise, infeliz, em guerra consigo mesmo. Como vendedores de quimeras, os jihadistas propõem a volta a um passado conquistador, brilhante, porém mítico”, explica de seu lado o historiador Elie Barnavi.
De certa forma, estas são também as posições de vários outros intelectuais e analistas europeus, como é o caso do italiano Renzo Guolo, cujo recente artigo propomos logo abaixo.
OS MENINOS DO OCIDENTE
Por: Renzo Guolo, editorialista do jornal La Repubblica, Roma
O sotaque britânico do carrasco de Jim Foley (jornalista americano assassinado diante das câmeras de TV no dia 19 de agosto) materializa o atual pesadelo dos governantes ocidentais: o da guerra a domicílio. Um tema, por sinal, explorado em um vídeo produzido pelo Estado Islâmico que circula há algumas semanas na rede. Nesse vídeo, que usa como pano de fundo algumas cidades norte-americanas, uma voz em off lança um inquietante: “Nós já estamos entre vocês”, antes de desferir o golpe: “Nós sempre estivemos”.
Mas esse pesadelo não concerne apenas os Estados Unidos. O Estado Islâmico atrai milhares de jovens europeus , quase todos muçulmanos de segunda ou terceira geração, cidadãos ou residentes da União Europeia. Eles são britânicos, franceses, alemães, escandinavos, belgas ou italianos.
As coisas poderiam ser diferentes numa era de globalização, que transforma as sociedades ocidentais em sociedades multiétnicas e multiculturais? Não é por acaso que o grupo encarregado de “aplicar as penitências” aos capturados pelo Estado Islâmico, e notadamente o “John” que pôs fim aos dias de Foley, seja apelidado de “The Beatles” pelos jihadistas. Isso certamente não acontece pelo fato de eles recitarem o Alcorão com fundo musical criado pelo célebre quarteto de Liverpool. Os “insetos” britânicos (como os descendentes de árabes são chamados pelos racistas em seu país), assim como seus companheiros que partiram da França ou da Alemanha, constituem a quinta geração pan-islâmica. São os descentes espirituais daqueles que praticaram a jihad contra os “ateus” soviéticos nos anos 1980, dos que fizeram o seu batismo de fogo na Bósnia no meio dos anos 1990, dos que se federaram ao redor da Al-Qaeda no Afeganistão dos talibãs e, enfim, daqueles que combateram no Iraque durante a epopeia sanguinária de Al-Zarkaoui.
Mas esta atual quinta onda é inédita por causa da forte presença de combatentes que nasceram ou cresceram no mundo ocidental. Alguns deles são muito jovens, e eles não são só rapazes, há também moças. Pelo seu dogmatismo, suas respostas claras às incertezas da vida e seu apelo à dimensão comunitária, o Islã radical oferece respostas que nenhum sistema cultural tem condições de fornecer depois do fim das grandes ideologias. Para os membros dessa geração rejeitada e rancorosa, não se trata apenas de combater uma política que criminaliza o Islã, mas de todo um sistema de valores. Para eles, nenhum passaporte europeu pode questionar o único pertencimento que eles reivindicam: o de uma comunidade transnacional fundada sobre os princípios radicais de uma ideologia.
Para uma parte desses jovens, após ter feito campanha no Iraque ou na Síria, será normal regressar aos países onde nasceram e cresceram e neles retomar uma vida quotidiana cheia de outros imperativos, como a família e o trabalho.
Muitas portas se abrem aos jovens mudjahidin (combatentes da jihad) que escaparam às mãos ou aos olhos vigilantes dos inimigos, e que não estão fichados para todo o sempre nos arquivos dos serviços de informação. Alguns viveram esse período como uma experiência existencial ligada aos seus 20 anos; eles consideram que suas metralhadoras Kalashnikovs constituíram, sim, um momento fundamental de suas vidas, mas que elas agora pertencem ao passado. Além do mais, o agravamento dos conflitos internacionais e a percepção de uma criminalização coletiva do Islã, muitas vezes alimentadas pelas próprias comunidades locais, não excluem que eles, um dia, retomem as armas. Outros, de modo diverso, permanecem mais ou menos ligados à rede jihadista, o que possibilita a esta última estender seus tentáculos às metrópoles ocidentais. Trata-se, neste caso, de “agentes adormecidos”, de indivíduos potencialmente muito perigosos, que sabem manipular armas e explosivos e que podem desferir golpes a partir de um comando externo ou por decisão autônoma. O risco hoje, é ver as cidades ocidentais se transformarem em postos avançados do conflito sírio-iraquiano. O que confirmaria, se é que ainda existe necessidade disso, que a distinção entre o global e o local está cada dia mais tênue.
DJIHADISTAS ENGAJADOS NA SÍRIA, POR PAÍS DE ORIGEM
No total, cerca de 70 mil djihadistas estariam na Síria e no Iraque, dos quais 30 mil seriam de origem estrangeira, provenientes de mais de 83 países. Os cálculos são de serviços secretos europeus, elaborados em 2013. Teme-se que, agora, esses números estejam redobrados.
Reino Unido: 800
Irlanda: 30
Bélgica: 250
França: 1000
Canadá: 30
Estados Unidos: 70
Espanha: 50
Itália: 40
Suíça: 10
Alemanha: 270
Holanda: 120
Suécia: 30
Rússia: 800
Turquia: 400
Arábia Saudita: 2500
Tunísia: 3000
Argélia: 200
Marrocos: 800
Kosovo: 120
Quirguistão: 30
Singapura e Indonésia: 60
Austrália: 250
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