Gay se nasce. E se confirma ao longo da vida
O amor gay tem suas particularidades. Não deve ser discriminado e nem examinado a partir dos velhos lugares comuns. Até porque não existem apenas os homossexuais e os heterossexuais, mas toda uma imensa gama de “nuances” intermediárias.
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Por: Marta Erba. Fonte: Revista Focus Sexualidade, Itália
As discussões em matéria de orientação sexual – a tendência que cada um de nós tem de sentir-se atraído por pessoas do sexo oposto, do mesmo sexo, ou de ambos os sexos – estão na ordem do dia. Até porque sabe-se bem que em quase todas as famílias existe pelo menos um membro cujas tendências em matéria de sexo não se enquadram inteiramente dentro das regras da heterossexualidade estrita. Se a questão tornou-se centro de debates para as religiões, a economia, a moda e a moral, ela não é menos importante para as ciências, sobretudo as que se dedicam à compreensão dos comportamentos humanos. Há cerca de um século cientistas de várias áreas tentam responder a uma pergunta difícil: a pessoa já nasce gay, ou se torna gay? E a verdade é que, ainda hoje, depois de milhares de estudos sérios, encontrar uma resposta não é nada simples.
No caso da homossexualidade, ela continua não tendo vida fácil. Embora exista desde sempre, sofreu muitos altos e baixos no decurso da história. Aceita e até mesmo encorajada na Grécia Antiga, tornou-se um “vício moral” a partir da Idade Média. No final do século 19 passou a ser considerada uma patologia, quando o alemão Richard von Krafft-Ebing, na sua volumosa Psychopathia sexualis, a incluiu no rol dos desvios sexuais ao lado da pedofilia e do sadomasoquismo.
Permaneceu durante muito tempo no DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), ponto de referência para a diagnose em psiquiatria. Só em 1973 a homossexualidade foi cancelada desse manual, e apenas em 1990 a Organização Mundial da Saúde decidiu eliminá-la da ICD-10, a classificação internacional das doenças. Curiosamente, os últimos a chegar foram os psicanalistas, em 1991. Hoje, os especialistas abandonaram definitivamente a ideia de que exista algo de patológico na homossexualidade, e prova disso é que o atual presidente da Associação Mundial dos Psiquiatras, o indiano Dinesh Bhugra, é declaradamente gay.
Preconceitos e erros metológicos
Quem pagou as consequências de tanta confusão foram os homossexuais, e também a própria ciência. Estudos sobre a orientação sexual não faltam, mas os defeitos e falhas que apresentam são muitos. Por exemplo, na maior parte dos casos dizem respeito a homossexuais masculinos – quando se sabe que a tendência atinge igualmente as mulheres. Além disso, esses estudos foram com frequência marcados por preconceitos e erros metodológicos que impedem a obtenção de respostas claras.
Importante e muito discutida foi, por exemplo, a pesquisa do neurocientista norte-americano Simon LeVay, que no início dos anos 1990 demonstrou que o hipotálamo (uma região do cérebro) era um pouco menor nos gays do que nos homens heterossexuais, ou seja, mais semelhantes ao das mulheres. Mas tal observação caiu por terra quando se descobriu que os homens gays autopsiados para o estudo tinham todos morrido de Aids, doença que provoca alterações no cérebro. Por outro lado, sabe-se agora que o cérebro humano é plástico: nada nos impede de pensar que essa diferença se desenvolva muito depois do nascimento.
Hoje, não existem mais dúvidas quanto ao fato de que a sexualidade humana é fluida: não existem apenas os homossexuais e os heterossexuais, mas toda uma imensa gama de “nuances” intermediárias. A tal ponto que, como para as impressões digitais, pode-se dizer que não existam dois modelos idênticos de comportamento sexual em toda a humanidade, pois cada um de nós apresenta a sua “fórmula” única e não repetível.
Também não são nada conclusivos os estudos sobre os “genes da homossexualidade”. No momento foram identificadas duas variantes genéticas, uma no cromossoma X e uma no cromossoma 8, que parecem mais frequentes nos gays, Mas o seu significado é discutível. E os evolucionistas se perguntam, sem obter nenhuma resposta: por que a seleção natural teria favorecido um comportamento que reduz o sucesso reprodutivo? Por fim, existem os estudos com gêmeos: também aqui se observa uma certa concordância (os gêmeos monozigóticos tendem a manifestar uma mesma orientação sexual), embora não de maneira absoluta.
Pergunta impossível
“A ciência hoje considera que exista uma influência recíproca e contínua entre a expressividade genética e o contexto ambiental”, esclarece Vittorio Lingiardi, professor da Faculdade de Medicina e Psicologia da Universidade della Sapienza de Roma, na introdução ao livro de LeVay “Já se nasce gay?”. “Cada orientação sexual, seja ela homo ou hétero, é um fenômeno a tal ponto complexo que nenhum fator exclusivo pode ser apontado como o único responsável”.
Além disso, uma dúvida aflora de modo cada vez mais premente: o fato de que ainda hoje a ciência não conseguiu responder a uma pergunta aparentemente simples como “Já se nasce gay ou a pessoa se torna gay?” “É uma pergunta que não sabemos responder pelo simples fato de que as homossexualidades são muitíssimas. E porque não existe uma dicotomia clara entre as duas orientações, a homo e a hétero, e sim um continuum”, confirma Lingiardi.
A ideia está longe de ser nova
“Já em 1924 o escritor francês André Gide notava que ‘entre a homossexualidade exclusiva e a heterossexualidade exclusiva existem todas as possibilidades intermediárias”. Essa posição foi confirmada depois, em 1953, pelo relatório Kinsey”, recorda Lingiardi. O sexólogo norte-americano Alfred Kinsey, com efeito, pediu a centenas de mulheres e homens que classificassem a própria orientação sexual com base em uma escala de 0 a 6, na qual 0 estava para totalmente heterossexual e 6 para totalmente homossexual. Os resultados foram surpreendentes, não apenas porque revelaram que 10% da população americana era homossexual, mas também porque colocaram em evidência todas as nuances intermediárias entre as duas orientações.
“A tendência científica, hoje, é pensar que em todos nós exista desde o nascimento um componente bissexual fluido que, depois, durante o crescimento do indivíduo, tende a se canalizar em uma direção, e que muitas vezes se modifica no transcorrer da vida”, afirma Fabrizio Quattrini, presidente do Instituto Italiano de Sexologia Científica de Roma.
Isto não significa que seja possível comandar ou controlar a própria orientação, muito pelo contrário. “Está demonstrado que as assim chamadas “terapias de reparação”, que buscam converter um homem gay ou uma mulher lésbica em heterossexuais, não apenas não conseguem obter o resultado procurado, mas causam graves danos psicológicos”, adverte Lingiardi. Não por acaso tais métodos são proibidos por todas as associações científicas e profissionais ligadas à saúde mental pela sua periculosidade. Um dos casos que ficaram na história foi o de Alan Turing, gênio matemático e pai da informática, que morreu suicida depois de uma “cura química” anti-homossexualidade.
Mas quando a orientação se estabiliza? Segundo LeVay antes do nascimento, e isso é influenciado por fatores hormonais durante a gravidez. Segundo outros especialistas, a estabilização ocorre nos primeiros anos de vida. “Na maioria dos casos antes da puberdade”, esclarece Quattrini. “É no entanto durante a puberdade que as influências socioculturais podem produzir consequências pesadas, por exemplo encaminhando para a heterossexualidade um rapaz que já se percebe como homossexual, mas que foi convencido de que a homossexualidade é uma coisa errada”.
Adeus aos estereótipos
O certo é que hoje, com o redimensionamento dos preconceitos e a relativa liberdade com a qual se pode, em muitos países, seguir a própria orientação, estão caindo por terra todos os estereótipos ligados à homossexualidade. “No passado, tendia-se a pensar que os gays tinham gestualidade e tom de voz femininos, e que a lésbica fosse masculina no aspecto e nos comportamentos. As coisas não são assim em absoluto: entre os homossexuais encontramos a mesma variedade de tipos humanos que existe entre os héteros”, diz Quattrini.
Melhor evitar, portanto, perguntar ou se perguntar quem, num casal gay, tenha o papel “ativo” e quem é o “passivo”. Este é um outro estereótipo, particularmente difícil de desaparecer, que surge da vontade de assimilar o casal gay ao casal hétero. É preciso deixar de lado também os lugares comuns a respeito da duração dos casais: não é verdade que aqueles formados por homens gays durem menos que os das lésbicas. É o contrário. “Segundo uma recente pesquisa, um casal de lésbicas dura em média ao redor de 3 a 4 anos, e o dos homens gays cerca de dez anos”, revela Quattrini. “Talvez porque as mulheres, por condicionamentos culturais e hormonais, tendem rapidamente a formar um casal, enquanto os homens, quando decidem fazê-lo, desejam estabilidade”.
Parece existir, no entanto, uma diferença entre os casais hétero e os homo: os segundos enfrentam melhor os problemas sexuais. “Tomemos o exemplo da disfunção erétil: um casal heterossexual tipicamente entra em crise”, diz o sexólogo. “O casal gay resolve o problema mais facilmente, encontrando alternativas à penetração”. Segundo Quattrini, o casal hétero tende a ter uma ideia fixa da relação sexual: preliminares seguidos do coito. O casal homossexual, tanto o masculino quanto o feminino, é muito mais flexível: existe sexo satisfatório até mesmo quando os parceiros se limitam à masturbação recíproca, ou ao sexo oral, ou introduzindo outras variações que consigam imaginar. O resultado é que a ansiedade do desempenho é reduzida e os distúrbios sexuais são resolvidos com a invenção de novas modalidades. Uma harmonia de casal que é, neste caso, também uma harmonia de gênero: entre mulheres, ou entre homens, as pessoas se entendem melhor.
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