Fugir de Bagdá: Extremistas se preparam para o combate

Tanto os sunitas como os xiitas procuram abandonar a capital iraquiana, numa tentativa de escapar à violência entre as duas comunidades, enquanto os extremistas dos dois lados se preparam para o combate. Ao mesmo tempo, uma terceira força, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) espalha o terror no norte do país. E ameaça invadir também o sul

(Foto: Gisele Federicce)


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Fonte: Jornal The Times, Londres

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Por: Catherine Philp

 

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A noite caíra havia uma hora quando o caminhão de carroçaria aberta, equipada com uma metralhadora e cheia de milicianos brandindo Kalachnikovs, começou a percorrer a tranquila rua residencial no leste de Bagdá. Com toda a calma, Sinan Nadhim fechou à chave a porta do seu escritório, pegou no telefone e marcou o número do seu agente de viagens. “Eles voltaram", disse. “Tenho de ir embora.”

Nadhim é um entre milhares de residentes de Bagdá que tentam fugir da cidade, com medo de uma nova guerra civil religiosa: os homens das milícias sunitas marcham sobre a capital, que os membros das milícias xiitas juram defender até à morte. Mais de meio milhão de pessoas, maioritariamente xiitas, saíram já das cidades que caíram sob o domínio dos extremistas sunitas do EIIL, como Mossul, ao mesmo tempo que surgem histórias de atrocidades mais recentes, designadamente o assassinato de soldados xiitas e de imãs sunitas que recusaram submeter-se à autoridade dos extremistas.

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Entretanto, muitos sunitas também estão fugindo de Bagdá, por medo de serem tomados como alvos das milícias xiitas, que querem vingar-se da comunidade sunita, como aconteceu no auge do conflito religioso no Iraque, entre 2006 e 2008. A 17 de junho, foram encontrados os corpos, crivados de balas, de quatro sunitas, numa rua de Bagdá controlada por uma milícia poderosa, leal ao primeiro-ministro, Nouri Al-Maliki.

Essa descoberta trouxe de volta recordações dos momentos sombrios vividos em Bagdá, durante a guerra religiosa, quando, todos os dias. eram encontrados nas ruas corpos ensanguentados de pessoas abatidas a tiro, amarradas e mutiladas.

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Brandindo suas armas, shiitas da capital se preparam para enfrentar os extremistas do EIIL.

 

O irmão de Nadhim foi morto por extremistas xiitas em 2007, quando o pararam num posto de controle e o seu bilhete de identidade revelou que era sunita. Entre aqueles que aderiram à insurreição sunita liderada pelo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) incluem-se antigos oficiais de Saddam, que ajudam o EllL a tirar partido do sentimento generalizado de desinteresse que reina entre a comunidade sunita, para assumir o controle de uma grande parte do Iraque do Norte e central e aproximar-se das portas de Bagdá.

Contudo, sair da capital não é fácil. Como Nadhim descobriu, muitos voos com partida de Bagdá estão lotados, em especial os que têm por destino o Curdistão, no Norte. Aqueles que conseguiram arranjar bilhetes foram obrigados a passar por um terceiro país, para chegar lá.

De madrugada, famílias com bagagens acampam diante do escritório da Iraqui Airways, no centro de Bagdá, na esperança de aproveitar um cancelamento. Os voos com destino a Istambul e a Beirute, capitais de dois países para os quais os iraquianos não precisam de visto, também estão completos e a embaixada da Jordânia é assediada por milhares de pessoas, que procuram desesperadamente conseguir um visto.

 

Centenas de milhares de membros de minorias religiosas iraquianas foram forçados a abandonar suas casas para se refugiar no alto das montanhas.

 

Bagdá está isolada por três frentes de combate. Só a estrada para Basra, ao sul, permite a fuga por via terrestre. Nos bairros xiitas da cidade, homens de toda as idades, que querem lutar contra os extremistas sunitas continuam a afluir aos centros de recrutamento. Muitos dos que entregaram as fichas de inscrição no edifício da administração de Sadr City, o insalubre e tentacular bairro xiita de Bagdá que serve de base às milícias mais fortes e mais temidas, explicavam que tinham sido os relatos das atrocidades cometidas pelos extremistas sunitas que os tinham levado a se alistar e, em especial, as fotografias que mostravam a alegada execução coletiva de soldados xiitas, acompanhadas por legendas destinadas a atiçar o fervor religioso. “Temos que alcançar a vitória. Pela nossa religião e pelo nosso povo”, exclama Adbul  Sabbagh, voluntário, de 59 anos.

 

Civis iraquianos se alistam como voluntários para combater a ofensiva dos jihadistas no norte do país.

 

Milicianos substituem soldados

 

Enquanto os novos recrutas recebem formação, a maior parte das posições da linha da frente, a norte de Bagdá, são ocupadas por homens das milícias xiitas que o Governo considera mais confiáveis do que as forças de segurança formadas pelos norte-americanos, que se encontram desmoralizadas e cuja capitulação coletiva, ao norte, abriu uma brecha que permitiu o avanço dos extremistas sunitas. As milícias iraquianas xiitas que tinham ido combater na Síria, ao lado do regime de Bashar al-Assad, estão regressando, para ajudar a repelir os extremistas sunitas. Esse fato poderá ter influência na capacidade de o regime sírio conseguir vencer os rebeldes sírios, complicando ainda mais a situação nesse país vizinho.

Uma dessas milícias, Asa'ib Ahl al-Haq (Liga dos Justos) confirmou que abandonava totalmente o conflito sírio, por "dever religioso", para responder ao apelo do grande aiatolá xiita do Iraque, Ali al-Sistani, convidando os seus fiéis a pegarem em armas contra os extremistas sunitas. Chamando a atenção para o caráter simultaneamente religioso e regional do conflito, o Presidente iraniano, Hassan Rohani, prometeu, num discurso inflamado, pronunciado perto da fronteira iraquiana, que o seu país faria tudo o que fosse possível para proteger os locais santos xiitas do Iraque contra os "terroristas". Mais de cinco mil iranianos comprometeram- se, através da internet, a partir para o Iraque, para defender os santuários que, todos os anos, são visitados por centenas de milhares  de peregrinos iranianos.

 

Nouri al Maliki, Primeiro Ministro iraquiano.


Maliki muito isolado

 

Todos os intervenientes no conflito iraquiano estão de acordo numa questão: o primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-Maliki, deve abandonar o cargo. No Iraque, até o líder religioso xiita, o aiatolá Ali al-Sistani, que apela à guerra santa contra os extremistas sunitas do EIIL, é a favor do afastamento do primeiro-ministro. Maliki, que não parou de botar lenha na fogueira, está totalmente isolado na cena internacional. O diário britânico The Times considera que Maliki tem a mesma mania de grandeza de que sofria o Presidente norte-americano Richard Nixon, e exige a destituição desse “Nixon do Médio Oriente”.

Por seu lado, o jornal O jornal Al-Hayai cita os nomes dos dirigentes iraquianos que poderiam substituir Maliki, entre os quais figura o do antigo primeiro-ministro, Iyad Allaui, e o incontornável Ahmed Chalabi, o homem que forneceu aos norte-americanos as informações falsas sobre as armas de destruição em massa iraquianas, que foram o pretexto para os Estados Unidos invadirem o Iraque.

 

Iraque, um país dilacerado. Queda e ascensão: primeiro caiu Saddam e agora sobe o Estado Islâmico

Dividido entre xiitas, sunitas e curdos, contaminado pela guerra civil na vizinha Síria, acossado pelos ultrarradicais do EIIL (Estado Islâmico do Iraque e do Levante, também conhecido pela sigla ISIS) que se apoderaram do norte do país, destituído de um governo central com credibilidade, o Iraque corre o risco de se desintegrar e, com ele, a divisão territorial imposta pelos Aliados no Médio Oriente após o fim da Primeira Guerra Mundial.

 

Morador de Tabqa ergue a bandeira do Estado Islâmico depois que os militantes tomaram a base aérea de Tabqa, na segunda feira, 24 de agosto.REUTERS/Stringer.

 

 

Viver tendo o Islão como único horizonte

 

Ao instaurarem o califado, os fanáticos do EIIL transformaram o Islão numa fonte

de constrangimento público, diz o intelectual sírio Yassine al-Haj Saleh.

 

Fonte: Jornal Al-Quds Al-Arabi, Londres

Por: Yassine Al-Haj Saleh

 

Abu Bakr al-Baghdadi, o chefe dos combatentes muçulmanos do Estado Islâmico do Iraque e do Levante/EIIL, que se autoproclamou califa, não se inclui entre os militantes do Islão politico que lutam há décadas contra os regimes árabes. Era, pelo contrário, uma figura obscura, que não fez currículo. Simplesmente tira partido das tensões que há muito tempo afetam as sociedades árabes, colocadas entre a espada e a parede entre, por um lado, regimes assassinos e nihilistas e, por outro, islamitas que clamam que “o Islão é válido em todas as épocas e em todos os locais", usam slogans como “o Islão é a solução" e conceitos como a “soberania divina" e defendem projetos políticos que se resumem à aplicação da Sharia.

O corolário desta atitude arrogante é o desprezo pelo mundo moderno e a restrição do conceito de liberdade, apresentada não como um princípio universal mas como uma especificidade da cultura ocidental. Tudo isto só serve para agravar as tensões nas nossas sociedades, já às voltas com múltiplas desordens e com percepções distorcidas da realidade.

Há duas gerações que as portas da mudança política e social estavam fechadas no mundo árabe. A única via a seguir consistia em louvar o caráter exemplar do Islão, que pretensamente resolveria todos os problemas e garantiria a justiça total.

 

Guerrilheiros do EIIL fazem parada militar para celebrar a decretação do Calilfado Islâmico.

 

Confundir religião e Estado

 

Colocar as nossas sociedades sob pressão em nome do Islão, não quer dizer apenas que Deus nos teria favorecido em detrimento dos outros, presenteando-nos com esta religião. Equivale igualmente a colocar sob pressão o próprio Islão, sujeitando-o às necessidades da luta politica. Assim, este deixa de ter contornos precisos, tornando-se, ao mesmo tempo, religião e Estado, lei positiva e lei divina, ciência e moral, identidade e pátria, política e exército.

Tantas foram as manipulações feitas a um Islão amorfo que este se tornou objeto de licitação e motivo de constrangimento público. Foi isto que facilitou o trabalho a Abu Bakr al-Baghdadi. Porque ele ultrapassa todos os outros na arte do excesso. Vai até ao fim naquilo que os outros apenas dão a entender, ou seja, a instauração de um Estado islâmico e a declaração do califado. E isso hic et nunc, sem contemporizar com as hesitações dos eternos indecisos.

Neste sentido, é efetivamente um acontecimento histórico que Abu Bakr al-Baghdadi se tenha declarado califa e que todos os muçulmanos tenham sido instados a jurar-lhe fidelidade. Porque isso equivale a levar às últimas consequências os apelos para impor o Islão em todos os aspetos da vida. Talvez seja por isso que os islamitas se sentem incomodados com o EIIL.

 

O terrorista Abou Bakr al-Baghdadi, chefe do Estado Islâmico.

 

A liberdade é apresentada, não como um princípio

universal mas como uma especificidade da cultura ocidental

 

E sentem-se ainda mais incomodados porque foram eles próprios a preparar o terreno a este homem, que hoje afirma ser o “comandante dos crentes". Limitou-se a aplicar a lógica que os próprios islâmicos defenderam. Não podem, portanto, recusar o seu califado, sem procederem a uma revisão substancial do seu próprio projeto político. Essa revisão os obrigaria a tomar uma posição clara sobre a questão da liberdade religiosa, incluindo a liberdade de mudar de religião ou de não ter nenhuma.

E teriam também de se pronunciar sobre a igualdade entre os cidadãos, independentemente da sua religião ou do seu sexo, e sobre a rejeição do uso da violência em nome da religião. Trata-se de pontos que não são compatíveis com a doutrina da “soberania divina", nem com os apelos à aplicação da Sharia.

 

Aviões da Forças Armadas norte-americanas decolam de porta-avião para bombrtdear áreas do Iraque controladas por extremistas do EIIL.

 

Radicais para todos os gostos

 

Por outro lado, já não basta rejeitar o EIIL em termos gerais, como era prática antes da declaração do califado, denunciando a violência que pratica contra os habitantes das zonas conquistadas. É verdade que este movimento é particularmente violento, mas haverá alguma coisa que o distinga, de forma decisiva, de outros grupos islâmicos, como a Frente Al-Nusra ou a Frente Islâmica?

A gênese de todos esses grupos, da Al-Qaeda ao EIIL, não se explica unicamente pelas manipulações do Islão levadas a cabo pelos islâmicos. É preciso acrescentar- lhes a repressão aplicada pelos regimes instalados, que não ficam atrás do “califado” do EIIL em termos de brutalidade e arbitrariedade. A única diferença é que estes últimos se vergam inteiramente às exigências das grandes potências, incluindo a aliança entre Israel e os Estados Unidos, produzindo assim sociedades com tendência para a paranoia.

 

As facções do EIIL controlam já vastas áreas do norte do Iraque e da Síria .

 

Dignidade ou conquista?

 

A paranoia é uma mistura de sentimento de vitimização, de arrogância e de impotência. Os islamitas completam o quadro, contando com a repressão dos muçulmanos para afirmar a sua grandeza e agindo como se o mundo contemporâneo não passasse de uma ampla conspiração contra o Islão. Consideram que, para os muçulmanos, a dignidade - ou "glória do Islão”, para falar como eles - reside somente na conquista e domínio do mundo. A “glória" era a palavra central do comunicado em que o EIIL anunciava a instauração do califado. A dignidade também. Acontece que essa procura de dignidade inclui uma dimensão imperialista. Para os islâmicos, a dignidade consiste em dominar e aviltar os outros, e não em tomar-se senhor de si próprio, subjugar o mundo e não gerir o universo pessoal de cada um.

Esta concepção, indigna da dignidade, foi recuperada pelo EIIL, mas não inventada por este. Assenta, pelo contrário, no nosso imaginário religioso, nacional e histórico.  Vem-nos da memória de um império árabe, no começo do Islão, cujo inventário nunca fizemos. Muito pelo contrário: transformamos essa memória numa referência e num ideal que continua a perseguir-nos e que gostaríamos de ressuscitar, para restabelecer o domínio que outrora tivemos sobre o mundo. O califado contém em si as sementes venenosas da própria perda. Usa métodos do colonialismo como a agressão e o desprezo racista pelas populações conquistadas, cujos recursos são açambarcados e sobre as quais é estabelecido um poder absoluto - com vista a alargar mais e mais a novas regiões o domínio exercido.

 

Crianças da minoria yazidi protegem-se do sol sob uma tenda, refugiados na província do Curdistão.

 

Um califado embaraçoso

 

O aparecimento da entidade agressiva que é o califado coincide com as consequências do fracasso da revolução Síria e do novo Estado iraquiano, o que poderia levar as potências regionais e mundiais a permitir que os sunitas radicais se reúnam numa entidade politica separada, como o califado. Estes poderiam assim entregar-se livremente e pelo tempo que quisessem, à sua tendência para a vitimização, com a única condição de não alargarem as suas fronteiras geográficas.

Talvez eles até não tardassem a desenvolver, por seu turno, a sensibilidade para uma conciliação com as potências internacionais (continuando contudo a esmagar os fracos) e a dar mostras de sentido das responsabilidades em relação à sacrossanta estabilidade regional. Por seu turno, os islâmicos, que viram concretizado por Abu Bakr al-Baghdadi aquilo que tinham preparado, mas não tinham sido capazes de pôr em marcha, continuarão provavelmente a querer ter tudo e mais alguma coisa. O que se explica pela sua esquizofrenia e não pelas suas dúvidas intelectuais.


Video: Por dentro do EIIL e do Califado Árabe

 

 

 

Bem-vindos ao inferno

 

A guerra civil, alimentada pelos apelos ao ódio dos religiosos sunitas e xiitas, pode tornar-se incontrolável no Iraque.

 

Jornal Asharq Al-Awsat, Londres

Por: Abderrahman al-Rached

 

A realidade que se vive no Iraque é ainda mais perigosa do que a que se vive na Síria, na Líbia e no Iémen. Neste pais, estão concentradas todas as formas de loucura e as pessoas renunciaram à racionalidade. A cada dia que passa, a situação torna-se mais difícil e o preço a pagar será cada vez mais elevado.

No Iraque, começou uma nova guerra. Ouvem-se incitamentos à matança, ao mais alto nível. As autoridades religiosas xiitas exortam os seus fiéis a defender os locais sagrados e o mufti sunita aconselha os seus a apoiar os rebeldes. O primeiro-ministro Nouri al-Maliki entrevê a possibilidade de se manter no poder, graças à crise atual. E o Irã não demorou a se meter no assunto, em nome do apoio aos xiitas.

 

Fuga de Tal Afar, cidade no norte do Iraque, invadida pelos terroristas sunitas.

 

Não ceder à cólera

 

A guerra civil está mais próxima do que nunca, desde a queda de Saddam Hussein (2003). A situação requer que não cedamos à cólera. Devemos considerar todas as hipóteses, fazendo a distinção entre fatos e mitos. As raízes da crise são anteriores à tomada de Mossul (10 de junho). São mesmo anteriores aos confrontos na província de Al-Anbar, que duram há mais de seis meses. Podemos fazê-las recuar dez anos, até à invasão norte-americana de 2003. Ou vinte, até à invasão do Kuwait pelo Iraque em 1990. Ou trinta, até à guerra Irã-Iraque (1980/88). Ou, inclusive, a 1979, ano em que se pretendeu que a revolução iraniana alastrasse aos países vizinhos e em que Saddam Hussein se tornou dono e senhor de Bagdá.

 

Diante da loja da Iraque Airways, populares tentam obter passsagem em vôos que os levarão para longe de Bagdá.

 

Podemos recuar ainda mais, até catorze séculos atrás, às lutas pelo poder entre os companheiros do profeta Maomé, com o assassínio do terceiro califa Othman em 656, e depois do quarto califa Ali, em 661, acontecimentos determinantes para o curso da história muçulmana e que levaram à divisão entre sunitas e xiitas. É possível encontrar argumentos recuando até qualquer destas datas, consoante as tendências políticas de cada um. Mas, em última instância, a responsabilidade cabe aos atuais dirigentes: o primeiro-ministro iraquiano, Nouri Al-Maliki e o Presidente norte-americano, Barack Obama.

Este último poderia ter levado Maliki a pôr em prática uma política de reconciliação nacional. Em vez disso, permitiu que Maliki tirasse partido da proteção norte-americana para firmar o seu poder autoritário e marginalizar os árabes sunitas. Era inevitável que estes últimos se revoltassem. Foi isto que se passou e que, hoje, ameaça a própria existência do Estado iraquiano.

 

Obama não obrigou Maliki a trabalhar pela

reconciliação nacional e este marginalizou os

sunitas

 

O EIIL e a Al-Qaeda beneficiam desta situação. Acontece que, curiosamente, estas duas organizações ameaçam sobretudo os sunitas. A Turquia já pediu a intervenção da OTAN. O EIIL iraquiano é uma cópia fiel do seu homólogo sírio, que desfere sobretudo punhaladas nas costas dos revolucionários e só serve os interesses do regime de Assad. São também eles que ameaçam a segurança de todos os países do Médio Oriente.

Por seu lado, o jornal O jornal Al-Hayai cita os nomes dos dirigentes iraquianos que poderiam substituir Maliki, entre os quais figura o do antigo primeiro-ministro, Iyad Allaui, e o incontornável Ahmed Chalabi, o homem que forneceu aos norte-americanos as informações falsas sobre as armas de destruição em massa iraquianas, que foram o pretexto para os Estados Unidos invadirem o Iraque.

 

Shiitas armados patrulham ruas de Bagdá.

 

O Médio Oriente redesenhado: Como cinco Estados podem converter-se em 14 países

 

1. A Síria, país onde tudo pode acontecer

As rivalidades entre comunidades e etnias acarretam o risco de o pais explodir em pelo menos três partes:

1. Uma zona dominada pelos alauitas, minoria que controla a Síria há décadas, e que predominam no litoral.

2. Um Curdistão sírio seria formado e, com o tempo, seria reagrupado com os curdos do Iraque.

3. Os territórios sunitas rebelados se associariam a outras províncias do Iraque para constituir um Sunitastão.


2. Uma Líbia deslocada

Como resultado das profundas rivalidades tribais e regionais, a Líbia poderá cindir-se e organizar-se em duas regiões históricas, a Tripolitânia e a Cirenaica, com um eventual terceiro Estado, Fezzan, a sudoeste.


3. Consequências no Iraque

No cenário mais simples possível, os curdos do norte se associariam aos curdos da Síria. Muitas regiões do centro, dominadas por sunitas, se agrupariam com as suas correligionárias sírias. E o sul se tornaria um Xiitastão. Mas isso será, provavelmente, mais complicado.


4. Uma Arábia Saudita de antes da Monarquia

A médio ou longo prazo, a Arábia Saudita terá de encarar divisões internas, hoje abafadas, que se arriscam vir à superfície quando a configuração dos poderes evoluir com a chegada da próxima geração de príncipes. A unidade do reino será cada vez mais ameaçada divergências tribais, a fratura entre sunitas e xiitas e os problemas econômicos. Poderia reorganizar-se em cinco regiões distintas, as mesmas que existiam antes do Estado moderno.


5. Um Iêmen cortado ao meio

O mais pobre dos países árabes poderia dividir-se em dois (de novo) em caso de referendo sobre a independência do Sul. Num cenário mais avançado, parte ou todo o sul do Iêmen poderia ficar integrado na Arábia Saudita. Quase todo o comércio saudita é feito pelo mar, pelo que um acesso direto ao Mar da Arábia diminuiria a dependência do reino em relação ao Golfo Pérsico – e apaziguaria os seus receios de ver o Irã bloquear o Estreito de Ormuz.

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