Fake mídia. Como procurar a verdade numa era de notícias falsas
"Tome cuidado onde lê sua informação", diz Christiane Amanpour, uma das mais importantes jornalistas da atualidade em todo o mundo. "Se não formos engajados como cidadãos globais que apreciam a verdade, que entendem a ciência, as evidências empíricas e os fatos, iremos, sem perceber, caminhar até uma potencial catástrofe."
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Conhecida no mundo todo por sua coragem e clareza, Christiane Amanpour passou as últimas três décadas entrevistando líderes dos negócios, da cultura e da política que mudaram a história. Numa conversa com o curador do TED Chris Anderson, Amanpour fala sobre as notícias falsas, a objetividade no jornalismo e o vácuo de liderança na política global, compartilhando sua sabedoria pelo caminho. "Tome cuidado onde lê sua informação", ela diz. "Se não formos engajados como cidadãos globais que apreciam a verdade, que entendem a ciência, as evidências empíricas e os fatos, iremos, sem perceber, caminhar até uma potencial catástrofe."
Vídeo: Palestra de Christiane Amanpour no TED
Tradução integral da palestra de Christiane Amanpour:
Chris Anderson: Christiane, ótimo ter você aqui. Você tem um ponto de vista incrível, e, talvez, seja justo afirmar que, nos últimos anos, você está vendo alguns acontecimento preocupantes. O que te preocupa mais?
Christiane Amanpour: Só de escutar os palestrantes anteriores, posso usar o que eles vêm afirmando: aquecimento global, por exemplo, cidades, ameaças ao meio ambiente e à nossa vida. Simplesmente, temos que entender a verdade, e ser capaz de identificar a verdade em nossa fala, para que possamos, de fato, encontrar soluções. Se 99,9% da ciência envolvendo o clima é empírica, de evidências científicas, mas está competindo quase que igualmente com poucos negadores, essa não é a verdade; essa é a personificação das notícias falsas. Assim, para mim, nos últimos, e, certamente, neste último ano, a noção de notícias falsas cristalizou-se de uma forma muito preocupante, não é mais só um slogan que usamos para qualquer coisa. Pois, ao não sermos capazes de distinguir entre a verdade e uma notícia falsa, temos bem mais dificuldade de resolver os grandes problemas que enfrentamos.
CH: Há muito tempo você está envolvida com o questionamento de o que é o equilíbrio, o que é verdade, o que é imparcialidade. Há 25 anos, você esteve na linha de frente para noticiar a Guerra dos Bálcãs. E, numa frase célebre na época, ao denunciar violações dos direitos humanos, você disse: "Há algumas situações em que é impossível ser imparcial, pois, ao ser neutro, você se torna um cúmplice."Você acha que os jornalistas de hoje não escutam esse conselho sobre o equilíbrio?
CA: Veja, acho que, para nós jornalistas, a objetividade é a regra básica. Mas, às vezes, não entendemos o que "objetividade" realmente é. Aprendi isso muito cedo na minha carreira, durante a Guerra dos Bálcãs. Eu era mais jovem. Foi mais ou menos há 25 anos. O que enfrentamos foi uma violação sistemática, não só de direitos humanos, mas, também, limpeza étnica e genocídio, e isso foi julgado na maior corte de crimes do mundo. Sabíamos o que estávamos vendo. Ao tentar contar ao mundo o que testemunhávamos, fomos considerados parciais, de apoiar apenas um lado, de não entender ambos os lados, de tentar contar só uma história. Eu, particularmente, fui acusada por exemplo de ficar do lado do povo de Sarajevo, de ter "apoiado os muçulmanos", pois eram a minoria que estava sendo atacada pelos cristãos no lado sérvio da área. Isso me preocupou. Me preocupou estar sendo acusada disso. Pensei que, talvez, estivesse errada, que esquecera o que era a objetividade.
Mas, então, compreendi o que as pessoas queriam: queriam não fazer nada, não se intrometer, não mudar a situação, e não achar uma solução. Logo, as notícias falsas da época, as mentiras da época, incluindo do nosso governo, um governo eleito democraticamente, com valores e princípios dos direitos humanos, a mentira deles foi afirmar que ambos lados eram igualmente culpados, que essa era a consequência de séculos de ódio étnico, e já sabemos que isso não é verdade, só um lado decidira matar, massacrar e limpar etnicamente o outro lado. Ali entendi que "objetividade" é, de fato, escutar a todos os lados igualmente, e falar com todos os lados, mas não tratar todos os lados da mesma forma ou criar um equivalente moral ou factual. E, ao chegar nesse momento de crise, em situações de violações graves de leis humanitárias internacionais, se você não consegue entender o que vê, se você não compreende a verdade, se você cai na armadilha dos paradigmas das notícias falsas, então, você se torna um cúmplice. E eu me recuso a ser cúmplice de genocídio.
CH: Sempre acontecem essas batalhas propagandísticas, e você foi corajosa em tomar a posição que tomou na época. Mas, hoje, parece que há uma nova forma de se falsificar notícias. Como você definiria tudo isso?
CA: Estou muito preocupada. Para todo lugar que olho, sou bombardeada por elas. É claro que o atual líder do mundo livre, a pessoa mais poderosa do mundo, o presidente dos Estados Unidos – pois os EUA são o país mais importante e poderoso do mundo economicamente, militarmente, politicamente e de todas as demais formas - procure promover os seus valores e estender o seu poder por todo o mundo. Mas nós, jornalistas, que apenas procuramos a verdade, pois essa é a nossa missão, nós a procuramos ao redor do mundo, para que sejamos os olhos e ouvidos de todos, de pessoas que não podem ir ao redor do mundo para entender o que está acontecendo com coisas essenciais, como a saúde e a segurança de todos. Quando um grande líder mundial acusa você de criar notícias falsas, isso gera uma cadeia de efeitos exponencial. Isso começa a corroer não só a nossa credibilidade, mas, também, a cabeça das pessoas do povo. As pessoas nos olham e pensam: "Se o presidente dos Estados Unidos afirma isso, então, talvez, seja um pouco verdade".
CH: Mas os presidentes sempre criticaram a mídia...
CA: Não dessa maneira.
CH: Então, de que forma... Alguém, há alguns anos, ao olhar a avalanche de informação que o Twitter, o Facebook e outros geram, poderia dizer: "Nossa democracia está mais saudável do que nunca. Nunca tivemos tantas notícias. Claro que os presidentes dirão sempre a mesma coisa, mas os outros podem falar o que quiserem. Como não amar isso? Como isso pode ser perigoso?"
CA: Eu gostaria que isso fosse verdade. Queria muito que essa proliferação de plataformas em que recebemos informação fosse uma proliferação da verdade, da transparência, profundidade e exatidão. Mas temo que o oposto esteja acontecendo. Sou um pouco cabeça dura com tecnologias, admito. Até mesmo quando começamos a falar sobre a digitalização da informação, que foi há muito tempo, antes das redes sociais, Twitter e tudo o mais, eu tinha medo de que isso colocaria as pessoas em vias e túneis que as fizessem focar apenas em áreas de seu próprio interesse, em vez de ver o todo. Temo ser obrigada a afirmar que, com os algoritmos, logaritmos, e seja lá qual "ritmo" for, que nos direcionam para todos esses específicos canais de informação, isso já esteja acontecendo. As pessoas já escreveram sobre esse fenômeno. Elas afirmaram que a internet veio, e sua promessa era de aumentar o acesso a mais democracia, a mais informação, menos parcialidade, mais informações verificadas. Mas, na realidade, aconteceu o oposto. Para mim, isso é muito perigoso. Novamente, quando se é o presidente deste país e se diz certas coisas, isso dá aos líderes de outros países não democráticos a cobertura para nos confrontarem ainda mais, para nos derrubar com seus próprios jornalistas devido à ameaça de notícias falsas.
CH: Até que ponto o que aconteceu foi só uma consequência não intencional da mídia tradicional, em que você trabalhava, que tinha esse papel de curador-mediador, onde certas regras eram seguidas, certas histórias eram rejeitadas por não serem críveis, e que, hoje, o padrão para publicação e amplificação é só interesse, atenção, animação, clique. "Rolou um clique?" "Pode enviar!" Isso seria parte do problema?
CA: Acho que tudo isso constitui um grande problema, e já vimos isso na eleição de 2016, onde a ideia da "isca de clique" se tornou bem atraente. Logo, todos esses sites de notícias falsas não foram criados ao acaso; existe uma indústria por trás da criação de notícias falsas em certos lugares do Leste Europeu, seja lá onde for, e, realmente, criou-se um ambiente para isso no ciberespaço. Também, nós nunca havíamos enfrentado essa habilidade da tecnologia de deixar proliferar essas notícias na velocidade da luz e do som. Está sendo algo inédito de se enfrentar. E nunca nos defrontamos com uma quantidade tão massiva de informação que não está bem mediada por aqueles cuja profissão os leva a respeitar a verdade, a checar os fatos e manter um código de conduta e de éticas profissionais.
CH: Muitos aqui devem conhecer pessoas que trabalham para o Facebook, ou para o Twitter, Google e outros. Parecem ser ótimas pessoas, com boas intenções... vamos supor que esse seja o caso. Se você pudesse falar com os donos dessas empresas, o que você diria para eles?
CA: Bem, quer saber... Realmente acho que eles têm boas intenções, e, certamente, criaram um sistema inacreditável que mudou tudo, onde todos estão conectados por essa coisa chamada Facebook. Criaram uma grande economia para si e uma renda com valores incríveis. Eu apenas diria: "Pessoal, acho que está na hora de acordar e se dar conta, prestar atenção no que está acontecendo conosco". O Mark Zuckerberg quer criar uma comunidade global. Quero saber: como será essa comunidade global? Quero saber quais serão, de fato, os códigos de conduta. O Mark Zuckerberg disse, e não o culpo, provavelmente ele acredita nisso, que é louco pensar que os russos ou quem que que fosse poderiam estar manipulando e interferindo nesse ambiente. E o que ficamos sabendo nas últimas semanas? Que, de fato, aconteceu algo grave em relação a isso, e, agora, estão investigando e entendendo o ocorrido. Sim, estão tentando fazer o que podem para prevenir a ascensão de notícias falsas, mas, elas ficaram muito tempo sem restrições. Logo, eu diria a eles: "Vocês são brilhantes na tecnologia; vamos tentar gerar um outro algoritmo, pode ser?"
CH: Um algoritmo que inclua investigação jornalística...
CA: Não sei ao certo como fariam, mas, de alguma maneira, filtrar o que for ruim!
E não só o não intencional, mas, também, as mentiras que são plantadas por pessoas que vêm fazendo isso como se fosse uma guerra há décadas. Os soviéticos, os russos... eles são os mestres da guerra através de outros meios. E foi isso que eles decidiram fazer. Funcionou nos Estados Unidos, não funcionou na França, e ainda não funcionou na Alemanha. Durante as eleições de lá, onde eles tentaram interferir, o presidente da França, hoje, Emmanuel Macron, tomou uma decisão e confrontou o problema de cabeça, assim como a Angela Merkel fez.
CH: Há de se ter esperança com essas coisas, não é? Que o mundo aprenderá. Fomos enganados uma vez, talvez nos enganem de novo, mas não uma terceira vez. Isso é verdade?
CA: Tomara que sim. Mas acho que isso tem muito a ver com a tecnologia. A tecnologia tem que criar um tipo de bússola moral. Sei que parece ser loucura, mas vocês me entenderam.
CH: Precisamos de um algoritmo que filtre o lixo com uma bússola moral...
CA: Exatamente.
CH: Acho isso bom.
CA: Queremos "tecnologia moral". Todos já temos uma bússola moral, logo, uma tecnologia moral.
CH: Penso que é um grande desafio.
CA: Você me entende.
CH: Vamos falar um pouco sobre liderança. Você teve a chance de conversar com várias pessoas no mundo. Acho que, para alguns, e falo de mim, não sei se outros se sentem assim, houve um desapontamento: onde estão os líderes? Muitos de nós fomos desapontados, como o que ocorreu com Aung San Suu Kyi, é, tipo: "Não! Mais um fracassou". É doloroso. Quem você conheceu que te impressionou e te inspirou?
CA: Bem, ao falar de um mundo em crise, o que é absolutamente verdade, e de muitos que passam a vida toda imersos nessa crise, estamos todos à beira de um colapso nervoso. Está bastante estressante. E você está certo, existe esse vácuo de liderança, percebido e real, e não sou apenas eu que falo, a todos com quem converso, pergunto sobre liderança. Falei com a presidente da Libéria no fim de seu mandato, Ellen Johnson Sirleaf, que daqui há três semanas, será uma das raras líderes de um país africano que, de fato, respeitou a constituição e irá ceder o poder no fim de seu mandato. Ela diz querer que isso sirva de lição. Mas, ao perguntar a ela sobre liderança, citei alguns nomes rapidamente, e acabei citando o nome do novo presidente francês, Emmanuel Macron, e perguntei a ela: "O que passa na sua cabeça quando digo o nome dele?" Ela respondeu: "Ele parece ser, potencialmente, um líder que irá preencher o vácuo de liderança". Achei isso muito interessante. Ontem, fiz uma entrevista com ele. Tenho orgulho de ter feito sua primeira entrevista internacional. Foi ótimo. Fiquei muito impressionada. Não sei se deveria falar disso num fórum aberto, mas fiquei bem impressionada.
Pode até ser porque foi a primeira entrevista internacional que ele concedeu, mas, fiz as perguntas e, quem diria, ele as respondeu!
Não teve enrolação, nenhuma embromação, não ficou me enrolando por cinco minutos até voltar ao ponto. Não tive que ficar o interrompendo, até fiquei famosa por fazer isso, pois queria que as pessoas respondessem as perguntas. E ele as respondeu, foi bem interessante. Ele me disse...
CH: Diga-me o que ele falou.
CA: Não, continue.
CH: Você é que interrompe. Eu escuto.
CA: Siga em frente.
CH: O que ele disse?
CA: Tudo bem. Eu perguntei a Macron: Você falou hoje de nacionalismo e tribalismo. Como teve coragem de confrontar os ventos fortes da antiglobalização, do nacionalismo e do populismo ao ver o que aconteceu com o Brexit, ou nos Estados Unidos e o que poderia ter acontecido em várias eleições europeias no começo de 2017?" Ele respondeu: "Para mim, nacionalismo significa guerra. Já vimos isso antes, já vivemos isso antes no meu continente, e sou bem claro sobre isso". Logo, ele não iria, apenas por conveniência política assumir o menor denominador comum que foi assumido em outras eleições políticas. Ele confrontou Marine Le Pen, que é uma mulher muito perigosa.
CH: Uma última pergunta, Christiane. Falando de ideias que merecem ser espalhadas, se pudesse plantar uma ideia na cabeça de todos aqui, qual seria?
CA: Pediria para que tomassem cuidado onde leem suas informações; realmente se responsabilizem por aquilo que leem, escutam e assistem; tenham certeza de que estão lendo informações nas marcas confiáveis, não importa se vocês têm uma ampla e eclética seleção, fiquem com as marcas que vocês conhecem, pois no mundo de hoje, neste momento, nossa crise, nossos desafios e problemas estão tão sérios que, se não estivermos todos engajados como cidadãos globais que apreciam a verdade, que entendem a ciência, evidências empíricas e fatos, vamos, simplesmente e distraidamente, caminhar até uma potencial catástrofe.
Então, falaria sobre a verdade e, voltando ao Emmanuel Macron, falaria sobre o amor. Diria que não há amor o bastante por aí. Pedi para que ele me falasse do amor. Eu disse: "Você sabe que seu casamento é o tema de uma obsessão global.
"Pode me falar sobre amor? O que ele é para você?" Eu nunca tinha perguntado a um presidente ou líder eleito sobre o amor, eu tentei. E ele realmente me respondeu. Ele disse: "Amo minha esposa, ela é parte de mim, estamos juntos há décadas". Mas, o que realmente importou, o que realmente me marcou, foi esta parte: "É muito importante ter alguém em casa que me diga a verdade".
Então, voltei ao começo, é tudo sobre a verdade.
CH: Então pronto. Verdade e amor. Ideias que merecem ser espalhadas. Christiane Amanpour, muito obrigado. Foi ótimo.
CA: Obrigada. CH: Foi muito legal.
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