Europa à deriva. Golpe de misericórdia num continente em crise

O coração da Europa foi atacado no pior momento. Que devem fazer os europeus? Fecharem-se na sua concha ou reagir às ameaças com energia, mas sem pôr em causa os valores que fizeram a grandeza do Velho Continente?

O coração da Europa foi atacado no pior momento. Que devem fazer os europeus? Fecharem-se na sua concha ou reagir às ameaças com energia, mas sem pôr em causa os valores que fizeram a grandeza do Velho Continente?
O coração da Europa foi atacado no pior momento. Que devem fazer os europeus? Fecharem-se na sua concha ou reagir às ameaças com energia, mas sem pôr em causa os valores que fizeram a grandeza do Velho Continente? (Foto: Luis Pellegrini)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

 

continua após o anúncio

  

continua após o anúncio

Por: Matthew Kernitschnig, de Bruxelas

 

continua após o anúncio

A poeira ainda não tinha assentado ao redor do aeroporto de Bruxelas e do quarteirão das instituições europeias e já havia uma certeza: este ataque - o segundo contra uma capital europeia em quatro meses - vai mudar as agendas políticas em todos os níveis, desde a crise dos refugiados às políticas de segurança, passando pelo referendo britânico.

Os ataques de Paris (13 de novembro 2015) e os de Bruxelas (22 de março 2016) tinham o mesmo objetivo: mostrar aos europeus as suas vulnerabilidades. Desse ponto de vista, a iniciativa terrorista foi coroada de sucesso.

continua após o anúncio

Enquanto os socorristas retiravam corpos ensanguentados dos túneis do metrô de Bruxelas, os funcionários da União Europeia (UE) escondiam-se nos seus gabinetes com fachadas de vidro e observavam o que se passava lá em baixo. “Passei tantas vezes ali. Porque nos odeiam tanto?", perguntava no Twitter a deputada ecologista alemã e ex-eurodeputada, Franziska Brantner.

 

continua após o anúncio

continua após o anúncio

 

Estes atentados “atacaram o coração de Bruxelas”. E o da Europa. Como vão reagir os 28 membros da UE passadas a indignação e a solidariedade das primeiras horas: como aliados unidos por um objetivo comum ou cada um escondido por detrás das suas fronteiras nacionais? A resposta determinará, em boa parte, o futuro da União. Partindo do princípio de que ainda o tenha.

continua após o anúncio

Um atentado nunca é bom, mas estes dificilmente poderiam ter vindo em pior momento. Assoberbada por um enorme fluxo de refugiados, a UE tenta evitar o encerramento sucessivo das fronteiras e gostaria de continuar a ter o seu segundo membro mais importante, o Reino Unido, no seu seio.

 

Em azul, as nações que fazem parte do Tratado de Schengen, que assegura o livre trânsito entre os países.

 

Europeus podem ceder ao medo

Vários países lutam contra o desemprego e a estagnação econômica, que, aos olhos dos cidadãos, desacreditam as instituições europeias. Os recentes acontecimentos sugerem que os europeus podem ceder ao medo que tem empolgado os debates. A França reagiu aos atentados de novembro com o encerramento das fronteiras, afirmando que os refugiados sírios não eram bem vindos. Esta atitude pode ser compreensível, mas não contribui para uma resposta conjunta.

Os ataques de Bruxelas - bem como os de Paris - foram um maná para as correntes sectárias e os movimentos anti-imigração. Que obviamente não perderam tempo. “Este horrível ato terrorista é a prova de que a liberdade de circulação (no espaço Schengen) e a falta de controle nas fronteiras são uma ameaça à nossa segurança”, afirmou Mike Hookem, eurodeputado e

membro do partido nacionalista britânico (UKIP). Cita números da Interpol segundo os quais cinco mil jihadistas terão entrado na Europa vindos da Síria, dos quais uma centena viveria na tristemente famosa comuna de Molenbeek, em Bruxelas.

Para lutar contra este discurso, que irá continuar a contaminar os debates em toda a Europa, precisamos de líderes determinados. Como perante outros problemas europeus, apenas Angela Merkel parece ter estrutura política para estar à altura do desafio.

 

 

Acordo com a Turquia

A principal missão de Merkel será convencer os parceiros europeus a respeitar o controvertido acordo que permite duas coisas: que os nacionais turcos venham à Europa sem necessidade de visto e que entrem (legalmente) mais refugiados sírios. Segundo este acordo (assinado a 18 de março) , a Europa aceitará acolher alguns dos 2,7 milhões de sírios exilados na Turquia desde que as autoridades de Ancara demonstrem que controlam as suas quotas de refugiados de forma eficaz e impeçam a passagem de mais gente através do mar Egeu.

Não importa se os terroristas são, ou não, refugiados. O que grassa no continente é o medo do islamismo. Mesmo que a chanceler alemã consiga aplicar a sua estratégia, os acordos de Schengen estão cada vez mais em perigo. Os atentados de Bruxelas podem tê-los enterrado porque a liberdade de circulação de pessoas mercadorias, assegurada pelos acordos de Schengen, também permite que os terroristas mudem de país e de jurisdição sem grandes entraves.

Por isso, mesmo o mais liberal dos responsáveis políticos europeus terá dificuldade em se opor a uma intensificação dos controles fronteiriços.

 

 

 

EUROPA. A LUTA CONTRA O TERRORISMO AINDA NÃO COMEÇOU

 

De tanto se preocuparem com o que se passava lá longe, na Síria e no Iraque, os europeus não prestaram atenção ao que se preparava portas adentro. Nem sempre há jihadistas, como Salah Abdeslam, no nosso bairro, mas, quando há, é preciso reconhecê-los a tempo.

 

Por: Alberto Negri. Fonte: Giornale Il Sole, Milão

 

A vaga de atentados que ensanguentou Bruxelas é uma prova da falha dos serviços secretos belgas, mas também dos europeus, atingidos na sua capital, onde se encontra, também, a sede da NATO. Era de prever que os jihadistas europeus tentassem algum tipo de vingança (após a prisão de Salah Abdeslam a 18 de março) e não é de excluir que outras células terroristas possam estar preparadas para atuar. Depois de tantas reuniões onde

se falou de cooperação entre serviços europeus. os fatos demonstram tragicamente que nem sequer os belgas e os franceses conseguem cooperar.

 

 

Isto é evidenciado pela exemplar história de Salah Abdeslam, e do seu esquadrão da morte. Acabou por ser preso a dois passos da rua onde, há meses, havia brigas e detenções, ou seja, em Molenbeek, uma comuna de Bruxelas que o protegeu eficazmente, qual cidadela jihadista impenetrável.

Salah viveu ao nosso lado vários meses, passando fronteiras com total impunidade. A 9 de setembro de 2015, entrou com Mohamed Belkaid (um dos presumíveis coordenadores do atentado de Paris, abatido a 15 de março) vindo da Hungria, passando por barreiras anti-imigrantes e por polícias austríacas, incapazes de verificar corretamente uma simples identidade:

deixaram-no passar, acompanhado de outro candidato a mártir.

 

Na fronteira da Hungria com a Sérvia, família de refugiados sírios tenta atravessar a barreira de arame farpado erigida para impedir o acesso aos que pedem asilo no continente europeu.

 

Raízes no Oriente Médio

A Europa tem de estar consciente de que o terrorismo está entre nós, que vítimas e criminosos vivem lado a lado, que não se trata de episódios isolados, que tudo isso tem suas raízes nas guerras do Médio Oriente. Na Europa, fazemos a guerra ao Ísis (Estado Islâmico) de forma vaga e desorganizada e contentamo-nos que, de tempos a tempos, um ou outro raide aéreo mate um líder terrorista na Síria ou na Libia. Isso transmite a reconfortante sensação de que as tecnologias ocidentais são implacavelmente precisas.

Ora, nada é mais falso. O que na realidade acontece entre Raka (feudo do Ísis na Síria) e Mosul (segunda maior cidade do Iraque nas mãos do grupo desde 2014), o que chega à Europa vindo do Médio Oriente encontra-se envolto em mistério e consegue quase sempre surpreender os serviços secretos.

Agora vamos começar a perceber que a Europa está em guerra. Apesar de as potências europeias já o estarem há vários anos, temos de pensar no Afeganistão, no Iraque e na Líbia: é preciso refletir lucidamente sobre estes conflitos e perguntar se a famosa "guerra ao terrorismo" liderada pelos norte-americanos desde os atentados do 11 de setembro de 2011 reforçou, ou não, a nossa segurança. A resposta é um evidente não.

Primeiro foi a Al-Qaeda, depois o Ísis e provavelmente vamos assistir em breve ao nascimento de outras organizações.

 

 

Prevenção por fazer

O contraterrorismo, como bem sabemos na Itália, começa antes da tragédia, antes da explosão dos kamikazes. Começa pela prevenção, por investigações discretas e exaustivas que, às vezes, duram anos, por uma vigilância constante, pelo conhecimento dos locais de reunião dos suspeitos e pela junção de indícios. Trata-se de explorar as fronteiras entre o mundo visível e o submundo. Isso foi feito? Não!

Se o terrorismo alcança uma eficácia tão diabólica em solo europeu é porque, muitas vezes, estamos preocupados com o que se passa além-fronteiras e pensamos que conseguimos resolver tudo com drones ou ataques aéreos. Trata-se de uma escolha de risco que nos leva a negligenciar o que se passa no seio da Europa, no complexo tecido social dos arredores das cidades, sobretudo no Norte. Pode parecer um paradoxo, mas a luta contra o terrorismo, a mesma que travámos utilizando os serviços secretos, na realidade ainda mal começou.

 

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247