Espiritualidade e política. Por que temos de ser mais espirituais

Não parecemos estar equipados para explorar toda a profundidade e amplitude da experiência humana.

Não parecemos estar equipados para explorar toda a profundidade e amplitude da experiência humana.
Não parecemos estar equipados para explorar toda a profundidade e amplitude da experiência humana. (Foto: Luis Pellegrini)


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Por Jonathan Rowson. Fonte: Revista Prospect

 

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Hoje, o sentimento popular predominante é de irrefletida confusão espiritual. Os noticiários modernos estão inundados de referências religiosas, mas o comentário sobre perspectivas, experiências e práticas espirituais mais amplas, é no geral relativamente subdesenvolvido.

O Papa, por exemplo, quando faz seus apelos para uma ação mais efetiva com relação às alterações climáticas, consegue atingir bem mais além dos fiéis católicos. Mas onde está a linguagem do medo, culpa, esperança e ameaça existencial que está subjacente à preocupação climática? Nossos bispos apelam para uma maior imaginação política para conectar nossa vida interior com aquela exterior. Mas além das esperanças oblíquas de pensadores como Russell Brand com vistas a uma revolução no âmbito da alma, onde estão as formas e modelos de vida sugeridos que vão além da doutrina religiosa? E nós, com razão, perguntamos em que sentido o Estado Islâmico é islâmico, já que ele não parece Estado e nem islâmico. Mas podemos dar uma resposta adequada a seus atos bárbaros de violência sem uma discussão mais aberta e honesta sobre os aspectos mais sombrios da nossa própria natureza?

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Fora das grandes instituições religiosas, que já não falam mais em nome da maioria das pessoas, nós não parecemos estar equipados para explorar toda a profundidade e amplitude da experiência humana. Estamos espiritualmente confusos, no sentido de que temos de lutar muito para pensar e conseguir falar coerentemente de coisas que são profundamente mais importantes para nós como, por exemplo, quem e o que amamos, o que nos dá orgulho ou sofrimento, e o fato de que fatalmente iremos morrer. Achar que tais questões fundamentais relativas à vida são privadas, pessoais e localizadas, é precisamente o problema. Insistir nas motivações e nos valores expressos através de tais experiências e reflexões pode ser central em qualquer tentativa séria de re-orientar a sociedade. O ator Michael Sheen não está sozinho ao considerar que o alarido político que agora nos é oferecido como sendo política grande e verdadeira, é, na verdade “um pântano gelatinoso e monótono de neutralidade”.

 

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Formas para a revitalizacão da espiritualidade

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A RSA 21st Century Enlightment (www.thersa.org), uma organização que geralmente se concentra em tópicos mais convencionais de política pública, como empreendimento, educação e crescimento das cidades, reconheceu este desafio em um novo relatório chamado Spiritualise. O relatório foca nas formas de revitalizar nossa compreensão e apreciação da espiritualidade para enriquecer o debate político do século 21, mas resiste a apelos para a espiritualidade ser vista como um novo martelo em uma velha caixa de ferramentas, para acertar pregos estabelecidos na cabeça. Aqueles que são demasiadamente apressados para perguntar o que é exatamente a espiritualidade , e como exatamente ela vai ajudar a criar um novo conceito político e novas agendas políticas estão, de fato, perpetuando o problema e perdendo o foco.

A contínua negligência do espiritual na sociedade moderna não é benigna, pois ela serve para reprimir e estigmatizar recursos intelectuais que não são redutíveis a objetivos claros, definições precisas e medidas repetíveis. Reavaliar o espiritual significa precisamente desafiar a hegemonia do pensamento tecnocrático, e fazer o debate público menos instrumental em sua natureza. Uma vez que você percebe que questões de significado, o sagrado e a transcendência não são domínio exclusivo da religião, torna-se óbvio que eles devem representar uma parte maior da vida política.

 

 

Em seu texto clássico, Auto-Despertado (Self Awakened), o conceituado filósofo político Roberto Unger coloca as coisas dessa forma: "Se o espírito é um nome para as faculdades resistentes e transcendentes do agente, podemos espiritualizar a sociedade. Podemos diminuir a distância entre o que somos e o que nós encontramos fora de nós mesmos”.

A necessidade de diminuir a distância entre o que somos e o que nós encontramos fora de nós mesmos é um dos grandes desafios do momento atual que mostra porque vale a pena lutar pelo espiritual.  Tanto o termo “espiritual” como sendo algo que possui profunda relevância política,  quanto a metáfora de lutar, de reconhecer o espiritual, não são questões fáceis ou escapistas, mas sim pontos críticos importantes sobre os quais o trabalho humano deve ser aplicado.

 

 

De acordo com uma sondagem de 2013 pela organização Theos, 59 por cento dos adultos britânicos acreditam em "algum tipo de ser espiritual ou essência" e quase um quarto dos ateus "acredita em uma alma humana", mas tais valores apenas aumentam a sensação de confusão espiritual. É como se as linguagens disponíveis tivessem se tornado muito saturadas para transmitir um significado. Em parte, isso acontece porque as ferramentas de pesquisa construídas para medir e interessar a mídia são demasiado toscas para capturar as complexidades da experiência humana.

Um problema mais profundo é que a nossa noção de senso comum sobre crença como conhecimento diluído ou incompleto não capta o sentido mais rico da crença como identificação de grupo, práticas compartilhadas e afinidade por convivência. Crenças sobre valores e significados e a realidade verdadeira não são formadas ou mantidas da mesma forma como as nossas crenças sobre fatos básicos; em vez disso elas surgem de forma sutil e inconsciente a partir da osmose social e cultural.

A espiritualidade permanece ambígua

 Aqueles que dizem que espiritualidade nada tem a ver com "crença" estão, portanto, apenas meio corretos, mas a espiritualidade permanece ambígua inclusive por uma boa razão. Não é um conceito unitário, mas uma placa de sinalização para uma gama de critérios; nossa busca por sentido, nosso senso do sagrado, o valor da compaixão, a experiência da transcendência, a fome por transformação.

Tais critérios são essencialmente humanos ao invés de meramente religiosos, e são buscados tanto no mundo urbanizado hiper-conectado e em constante movimento como em uma tranquila igreja de aldeia. Por exemplo, quando você considera a onipresença das "armas de distração em massa", incluindo anúncios e smartphones, sendo treinados para se reconectar com a respiração através de profunda meditação não é apenas sobre a paz individual, mas também uma guerra mais ampla para o controle da nossa atenção. Beber álcool é superficialmente sobre relaxar, mas é mais fundamentalmente sobre escapar do eu, e sua incessante vibração interna. Torcer para equipes de futebol é superficialmente sobre entretenimento, mas atende a uma profunda necessidade de solidariedade e de ritual. E quais são esses momentos que nós, em silêncio,  ansiamos viver, se não pedaços da transcendência?

 

 

A necessidade espiritual e de expressão é perene, mas se manifesta de acordo com o contexto histórico e cultural, e esse contexto é curiosamente cobrado no momento presente. Como investigador principal deste projeto de dois anos da RSA, notei que a simples menção da palavra "Espiritualidade" provoca reações curiosas que podem ser lidas nas expressões faciais das pessoas, dividindo as pessoas em três grupos principais:

1. "Espirituais vira casaca (Spiritual Swingers)": São animados, arregalam os olhos, mas às vezes eles olham para você como quem quer e precisa de alguma ajuda. Gostam de meditação e massagens, de misticismo em ashrams e  mosteiros, adoram o luar e as técnicas de meditação de atenção plena. Estão dispostos a experimentar qualquer coisa, contanto que seja "espiritual", e de preferência não muito "religiosa".

2. "Diplomatas religiosos": Olham para você calorosamente mas um tanto intrigados, porque eles não conseguem descobrir qual é a sua verdadeira motivação. Será você, no fundo, um deles? Ou você secretamente deseja substituir os métodos estabelecidos que eles já conhecem por algo sedicioso e não plenamente confiável?

3. "Assassinos intelectuais": Apenas olham para você o mais educadamente possível. Seu olhar de desconforto chega a beira do desdém e são os mais rápidos a pedir uma definição do que é o espiritual, mas geralmente com o expresso propósito de desprezá-lo.

O desafio, no momento presente, é revitalizar o espiritual de uma forma sensata e inclusiva; madura o suficiente para manter diplomatas religiosos a bordo, sofisticada o suficiente para manter assassinos intelectuais apaziguados, e politicamente relevante para os desafios modernos relacionados a problemas "maiores do que eu" como o terrorismo ou as alterações climáticas. No movimento Spiritualize nós nos concentramos no amor; na nossa necessidade de pertencer a algo que vá além de nós mesmos; na morte; na nossa intermitente consciência de simplesmente estarmos vivos; no Self (o eu impessoal ou superior); no nosso caminho de individuação espiritual através da auto-integração e da autotranscendência; na alma; no nosso  senso de integridade e transcendência, experimentado através do belo e do sublime.

 

 

O triste é que, na concepção generalizada que temos hoje de religião, temos terceirizado esses recursos sociais, culturais e psicológicos para uma agenda cripto-consumista elaborada em projetos de identidade casuais destinados exclusivamente aos "spiritual swingers". O que poucos percebem, no entanto, é que não foi esse tipo de espiritualidade comercializada que roubou a religião, mas que, enquanto a religião estava olhando para o outro lado, o consumismo roubou a espiritualidade.

Através de secularização gradual ocorrida nos séculos 18, 19 e início do 20, a sociedade removeu a religião da nossa economia política para tentar limitar o abuso de poder fora de controle democrático. Com razão, mas este processo causou alguns danos colaterais para a linguagem do valor intrínseco. Uma implicação, destacada pelo professor da Harvard Michael Sandel, é que lenta mas seguramente uma sociedade com mercado se tornou uma sociedade de mercado. Reconceber o espiritual tem a ver com tentar lidar com essa perda corrosiva da perspectiva, além de fornecer perspectivas mais profundas sobre como estimular a convicção necessária para lidar com problemas como as alterações climáticas e a desigualdade da riqueza global que estão claramente fora do alcance de qualquer cálculo tecnocrático.

Um exemplo deste tipo de linguagem política ficou evidente no BBC Question Tiime logo após o referendo da independência da Escócia. Uma das principais defensoras do Sim, a jornalista Lesley Riddoch foi questionada se era hora de aceitar o resultado final e estabelecer um limite sob a questão constitucional. Ela reconheceu o resultado, mas o qualificou com uma observação que foi muito mais profunda: "O nível de ativismo, comprometimento, imaginação, amizade, camaradagem... Foi o melhor ano da minha vida; do ponto de vista da humanidade e otimismo que foi gerado. Se você foi parte disso... É tão precioso, é tão incomum, que você realmente sente que você não quer ver isso ir embora”, disse Riddoch.

Em uma sociedade que tem sido chamado de cristã, pós cristã, multi-fé, espiritualmente pluralista, secular, pós-secular e pós-religiosa, precisamos de uma discussão pública muito melhor sobre a espiritualidade que partilhamos. É hora de reorientar essa discussão longe daquilo que nunca poderemos realmente saber sobre o nosso lugar no universo, em direção ao que podemos saber, e vivenciar, sobre nós mesmos.

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