Espécies invasoras. Nem sempre os invasores são os bandidos do filme
Serão forçosamente nocivas as espécies exóticas transportadas para novos territórios? Não, nem sempre, sustenta um grupo de cientistas. Alguns invasores até podem ter efeito benéfico no seu novo habitat.
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Por: Eric Goode
Fonte: Jornal The New York Times, Nova York
As espécies invasoras são nefastas. Pelo menos é o que acreditamos, influenciados pelos avisos dos biólogos contra o perigo que representa a chegada de animais e plantas estrangeiros a novos territórios. Os organismos de proteção ambiental consideram as espécies exógenas como a pior ameaça aos ecossistemas nativos. Os países gastam milhões para tentar minimizar ou erradicar os invasores biológicos.
“Acho que nesta área o principio que prevalece é algo como, na dúvida, o melhor é matá-los", afirma Dov Sax, estudioso de Ecologia e Biologia da Evolução na Universidade Brown. Esta, no entanto, é uma atitude que cada vez mais os cientistas rejeitam, afirmando que as espécies invasivas não são necessariamente destruidoras. A ideia do que o que vem de fora é necessariamente mau tem mais de xenofobia do que de científico, afirmam os cientistas.
“É quase uma espécie de convicção religiosa: as coisas foram colocadas no seu lugar por Deus e está fora de questão mudá-las de sítio”, refere Ken Thompson, especialista em ecologia, antigo conferencista da Universidade de Sheffield, na Inglaterra, e autor do livro Where Do Camels Belong? Why Invasive Species Aren't All Bad (Onde moram os camelos? Porque é que as espécies invasoras não são todas nefastas, não traduzido em português), lançado em 2014. “Na verdade passamos a vida a deslocar vegetais e animais pelo mundo. E o fazemos há séculos."
Thompson e outros cientistas aconselham uma aproximação mais sutil quando se trata de avaliar se a presença de uma nova espécie é nociva ou benéfica. Mais ainda, referem que, numa era de globalização, é quase impossível erradicar a maior parte das espécies invasoras.
Defender a noção de que uma espécie não pode ser julgada em função das suas origens é o suficiente para suscitar a controvérsia, como Mark Davis, que ensina Biologia no Macalester College, no Minnesota (EUA), se apercebeu quando, juntamente com 18 colegas. submeteu em 2011 à revista Nature um artigo que convidava a uma abordagem mais cautelosa.
A resposta foi imediata, assinada por 141 cientistas, muitos dos quais especialistas na disciplina conhecida como a biologia da invasão. “A maioria dos biólogos da conservação da natureza e dos ecologistas não se opõe às espécies exógenas em si mesmas" , comentou Daniel Simberloff, professor de Ciências Ambientais na Universidade do Tennessee e líder dos autores da resposta.
Nos cinco anos que se seguiram a esta animada troca de pontos de vista, a ideia de que as espécies invasoras são presumivelmente culpadas enquanto isso não for desmentido começou a esmorecer. Uma mudança relacionada, entre outras. supõe Davis, com as preocupações causadas pelo recurso a pesticidas químicos e às alterações nas paisagens causadas por campanhas de erradicação de supostas plantas daninhas. Algumas espécies exógenas são incontestavelmente nocivas, o que nem Davis nem os que partilham o seu ponto de vista contestam. O cogumelo, que é o agente do cancro do castanheiro, por exemplo, matou milhares de árvores e transformou a paisagem americana por volta de 1900.
O vírus da zika chegou a novas regiões, transportado por mosquitos infetados que, segundo alguns, migraram da África para o norte em consequência do aumento da temperatura.
Um estudo publicado a 17 de fevereiro na revista Biology Letters constata que as espécies exógenas “são a segunda ameaça mais correntemente associada ao desaparecimento de algumas espécies", desde 1500. Mas este estudo, calculam Davis e outros especialistas, assenta em julgamentos subjetivos sobre a extinção e não faz distinção entre as espécies insulares - muito mais vulneráveis e as espécies terrestres ou oceânicas.
Eucaliptos, pássaros e borboletas
Nos céus de várias cidades norte-americanas e europeias, sobretudo as de clima mais ameno, podemos ver hoje revoadas enormes de várias espécies de periquitos que se adaptaram perfeitamente para viver en ecossistemas muito diversos daqueles nativos. São, quase sempre, descendentes de animais de estimação que escaparam de suas gaiolas ou foram deliberadamente libertados. Muito resistentes, gulosos e prolíficos, os periquitos podem afetar a biodiversidade nativa e a economia humana nos lugares onde se instalam.
Em alguns casos, as vantagens relacionadas com as espécies endógenas são evidentes. Na Califórnia, por exemplo, as borboletas monarcas, que são migratórias, preferem passar o inverno nos ramos dos eucaliptos, uma árvore exótica transplantada para aquele estado e que há século e meio é muitas vezes considerada fator de risco nos incêndios florestais. Ainda nos Estados Unidos, os estados da costa oeste gastaram fortunas na esperança de erradicar os tamarizes – arbustos trazidos da África - culpados, segundo vários especialistas, de danificar o habitat das espécies locais.
Mas segundo Julian D. Olden, conferencista na Escola de Ciências Aquáticas e Haliêuticas da Universidade de Washington (EUA), foi demonstrado que os tamarizes importados da África (Tamarix africana, árvore também conhecida como tamarga) davam abrigo a aves como os maria-fibiu (Empidonax traillií). A antipatia que a fauna e a flora exóticas suscitam é relativamente recente.
Se a distinção entre espécies indígenas e exógenas remonta ao século 18, a palavra “ invasão" aparece referida pela primeira vez num livro publicado em 1958, The Ecology of lnvasions by Animals and Plants (A ecologia da invasão por animais e plantas), de Charles Elton, obra marcada pelo vocabulário militarista do pós-guerra.
Ora, o caráter exógeno de uma espécie depende muitas vezes da altura em que chega a um ecossistema. A maioria do que os americanos consomem é importado. O cavalo, expoente maior do oeste americano, foi reintroduzido no Novo Mundo pelos espanhóis, milhares de anos após a extinção do cavalo norte-americano original. Muitos estados utilizam a abelha como emblema, mas, tal como os peixes, os insetos ou as flores que decoram os alpendres americanos, as abelhas também são imigrantes.
Uma vasta área da Pensilvânia central foi “invadida” pela Lonicera spp, um arbusto nativo da Ásia que produz grandes quantidades de frutinhas vermelhas ricas de um suco doce e nutritivo. À medida que os bosques de Lonicera prosperaram na região, prosperaram também bandos de pássaros sugadores de néctar (como o da foto) que normalmente se alimentam em flores. O sucesso dessa parceria é tão grande que cientistas agora apontam a área como um exemplo bem sucedido de mutualismo – um termo que descreve como duas ou mais espécies interagem conseguindo benefícios mútuos na relação.
E pelo menos num caso, uma espécie que há muito tinha desaparecido do seu ecossistema original passou a ser tratada como intruso quando foi reinserida. Os castores eram comuns na Grã-Bretanha até que a caça em excesso os extinguiu.
Mas quando um grupo destes pequenos construtores de barragens se instalou, há uns anos, nas margens do rio Tay no Oeste da Escócia, tornou-se no alvo da hostilidade dos agricultores e pescadores locais que acusavam os roedores de ameaçar as terras cultivadas e a desova dos salmões e de serem potenciais vetores de doenças como a raiva.
Invasão ou adaptação?
A associação Scottish Land and Estates, que representa os proprietários rurais, defendia que os castores, há séculos desaparecidos da Grã-Bretanha, não podiam ser encarados como uma espécie nativa, relatou o jornal The Independent em 2010.
“É completamente idiota,” critica Ken Thompson. Sustenta que confundimos muitas vezes invasão com alteração.
A única coisa que parece certa é que vamos assistir a muitas outras alterações. Agora mesmo, um pouco por todo o mundo, a flora e a fauna são mais homogêneas do que nunca, a globalização, intencional ou acidental, desloca espécies exóticas de um lado para o outro.
A população humana aumenta e ao fazê-lo condena animais e plantas a desaparecerem. O novo domicílio escolhido por uma espécie pode ser o último que lhe resta. Num artigo publicado em janeiro na revista Conservation Biology, dois cientistas californianos, Michael P. Marchetti e Tag Engstrom, descrevem o “paradoxo” destas espécies que são ameaçadas no seu ecossistema original e simultaneamente passam a ser consideradas invasoras ao tentarem sobreviver noutros locais. O pinheiro de Monterey é uma destas. Tendo o estatuto de espécie ameaçada na Califórnia e no México, é tratado como uma praga na Austrália e na Nova Zelândia.
“É realmente complicado”, afirma Julien D. Olden. “Se identificamos uma planta ou um animal que parece não conseguir se adaptar à alteração climática, deveremos, deliberadamente, deslocar esta espécie mais para norte ou para um local mais alto?” E alerta: “É jogar uma espécie de roleta russa ecológica”.
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