Vídeo: TEDX Ideas Worth Spreading
Tradução: Guilherme Ulysses. Revisão: Custódio Marcelino
Futurista da geopolítica, Parag Khanna prevê um mundo no qual megacidades, cadeias de abastecimento e tecnologias conectivas redesenham o mapa-múndi para muito além dos países e fronteiras. Teórico global, ele viaja pelo mundo “com os olhos bem abertos”, observando e tentando entender os novos padrões que emergem do caos e da complexidade do mundo moderno. Em seu novo livro, Connectography: Mapping the Future of Global Civilization (Conectografia: Mapeando o futuro da civilização global), Khanna redesenha o modo como a humanidade está organizada de acordo com os parâmetros da infraestrutura e da conectividade, mais do que a partir das nossas antiquadas fronteiras políticas.
Vídeo: Como as megacidades estão mudando o mapa do mundo
Tradução integral da palestra de Parag Khanna no TEDX:
Quero que vocês repensem como a vida é organizada na Terra. Pensem no planeta como um corpo humano no qual todos nós vivemos. O esqueleto é o sistema de transportes das estradas e ferrovias, pontes e túneis, aeroportos e portos, que possibilitam nossa locomoção através dos continentes. O sistema vascular que alimenta o corpo são os oleodutos, gasodutos e redes de transmissão elétrica que distribuem a energia. E o sistema nervoso de comunicações são os fios de internet, satélites, redes de celulares e centro de dados que nos permitem compartilhar informações.
Essa rede de infraestrutura que está sempre se expandido já conta com 64 milhões de quilômetros de estradas, 4 milhões de quilômetros de ferrovias, 2 milhões de quilômetros de tubulação e um milhão de quilômetros de fios de internet. E quanto às fronteiras internacionais? Temos menos de 500 mil quilômetros de fronteiras.
Vamos construir um mapa melhor do mundo. Podemos começar superando um antigo mito. Há um ditado que todos os estudantes de história conhecem: “Geografia é destino”. Parece tão forte, não é mesmo? É um ditado tão fatalista. Ele nos diz que países sem litoral estão fadados à pobreza, que países pequenos não podem superar seus vizinhos maiores, que vastas distâncias são intransponíveis. Mas a cada viagem que faço ao redor do mundo, vejo uma força ainda maior ao redor de todo o planeta: a conectividade.
A revolução da conectividade mundial, em todas as suas formas, transportes, energia e comunicações, tem possibilitado um salto gigantesco à mobilidade das pessoas, dos bens, dos recursos e do conhecimento, tanto é que não conseguimos mais pensar na geografia como algo separado dela. De fato, vejo duas forças se juntando em uma única força, que gosto chamar de “conectografia”.
Conectografia representa o grande salto na mobilidade das pessoas, recursos e ideias, mas é uma evolução, uma evolução do mundo, de geografia política, que é como dividimos o mundo legalmente, para geografia funcional; que é como dividimos o mundo na prática, das nações e fronteiras, à infraestrutura e cadeias de fornecimento.
Nosso sistema global está evoluindo de impérios integrados verticalmente, como no século 19, para nações interdependentes, como no século 20, e para uma civilização de rede global do século 21. Conectividade, não soberania, tem se tornado o princípio de organização da espécie humana.
Estamos nos tornando essa civilização de rede global, pois estamos literalmente construindo isso. Todo orçamento militar e defensivo mundial combinados totaliza menos de US$ 2 trilhões por ano. Enquanto nosso gasto mundial com infraestrutura tem uma expectativa de gerar US$ 9 trilhões ao ano durante a próxima década. E essa projeção deve se realizar. Temos vivido com uma rede de infraestrutura destinada a uma população mundial de 3 bilhões, porém a população ultrapassou 7 bilhões e se aproxima dos 8 bilhões e afinal chegará aos 9 bilhões ou mais. Como regra prática, devemos gastar US$ 1 trilhão nas necessidades básicas de infraestrutura para cada bilhão de pessoas no mundo.
Não surpreendentemente a Ásia é a líder. Em 2015, a China anunciou a criação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, que juntamente com uma rede de outras organizações busca construir uma rede de rotas para seda e ferro, se estendendo de Xangai à Lisboa.
E com toda essa engenharia topográfica se desdobrando, provavelmente gastaremos mais em infraestrutura nos próximos 40 anos, construiremos mais infraestrutura nos próximos 40 anos, do que nos últimos 4 mil anos.
Vamos parar e pensar nisso por um minuto. Gastar tanto em construções para fazer as bases de nossa sociedade global e não em ferramentas para destruí-la pode ter consequências profundas. Conectividade é como podemos otimizar a distribuição de pessoas e recursos ao redor do mundo. É como a raça humana vem a ser mais do que apenas a soma de suas partes. É o que acredito que está acontecendo.
Conectividade tem uma tendência gêmea no século 21: a urbanização planetária. Cidades são as infraestruturas que mais nos definem. Até 2030, mais de dois terços da população mundial viverá nas cidades. E estes não são só meros pontinhos em um mapa, mas vastos arquipélagos que se estendem por centenas de quilômetros.
Aqui estamos nós, em Vancouver, no centro do Corredor da Cascádia (1) que se estende ao sul, pela fronteira com os EUA até Seattle. O centro de tecnologia do Vale do Silício começa no norte de San Francisco, e vai até San José, passando pela baía de Oakland. A expansão urbana de Los Angeles agora passa por San Diego indo até a fronteira mexicana com Tijuana. San Diego e Tijuana atualmente dividem um terminal de aeroporto, de onde você pode sair para qualquer um dos países. Um dia, uma ferrovia rápida poderá conectar toda a costa do Pacífico. A megalópole do nordeste dos EUA começa em Boston, passa por Nova York e Filadélfia, até Washington. Nela moram mais de 50 milhões de pessoas e também há planos para a construção de ferrovias rápidas.
Mas na Ásia é onde vemos as megacidades realmente se unindo. Essa contínua faixa de luz vem de Tóquio, passa por Nagoya e vai até Osaka; nela, há mais de 80 milhões de pessoas e grande parte da economia japonesa. Esta é a maior megacidade do mundo. Por enquanto.
Porém, na China, megacidades estão se juntando com populações que chegam até 100 milhões de pessoas. A Orla de Bohai perto de Pequim, o Delta do Rio Yangtzé perto de Xangai, e o Delta do Rio das Pérolas, se estende de Hong Kong ao norte até Guangzhou. E no centro, o aglomerado de megacidades de Chongqing-Chengdu, cujo tamanho geográfico é praticamente o mesmo da Áustria.
E qualquer um desses aglomerados de megacidades tem um PIB próximo de US$ 2 trilhões. Isso é quase o mesmo que toda Índia hoje. Então, imaginem se nossas instituições diplomáticas globais, como o G20, baseassem a composição de seus membros através do tamanho da economia e não nas representações nacionais. Algumas megacidades chinesas poderiam ser membros e ter poder nas decisões, enquanto países inteiros, como Argentina e Indonésia ficariam de fora.
Já a Índia, cuja população em breve irá superar a da China, também tem vários aglomerados de megacidades, como a da região da capital Nova Deli e Mumbai. No Oriente Médio, a Grande Teerã possui um terço da população do Irã. A maior parte dos 80 milhões de egípcios vive entre o Cairo e Alexandria E no Golfo Pérsico, uma variedade de cidades-estados começa a se formar, desde o Bahrein, no Qatar, passando pelos Emirados Árabes até Mascate, no Omã. E também há Lagos, a maior cidade da África e centro do comércio da Nigéria. Há planos para construção de uma ferrovia que a transformará no centro de um vasto corredor pela costa do Atlântico, estendendo-se pelo Benim, Togo e Gana, até chegar em Abidjan, a capital da Costa do Marfim.
Porém esses países são subúrbios de Lagos. Em um mundo de megacidades, países podem ser subúrbios de cidades. Até 2030, teremos 50 aglomerados de megacidades ao redor do mundo. Qual mapa representa a realidade? Nosso mapa tradicional com discretos 200 países, pendurado na maioria de nossas paredes, ou este com 50 aglomerados de megacidades?
No entanto, até mesmo esse é incompleto, porque não há como entender nenhuma megacidade individualmente sem entender suas conexões com outras cidades ao seu redor. Pessoas vão para as cidades para ficarem conectadas e conectividade é a razão de cidades prosperarem. Qualquer uma delas, seja São Paulo, Istambul ou Moscou, têm PIB que se aproxima ou excede um terço ou metade de todo o PIB nacional de seus países.
Igualmente importante, é que não se pode calcular o valor individual sem entender o papel do fluxo de pessoas, de capital e de tecnologia que fazem cidades prosperar. Como a província de Gauteng, na África do Sul, que engloba Joanesburgo e a capital Pretória. Ela também representa pouco mais de um terço do PIB da África do Sul. Porém, igualmente importante, é que é sede de todos os escritórios de quase todas as empresas multinacionais que investem diretamente na África do Sul e, de fato, em todo o continente africano.
Cidades querem participar de cadeias globais do mercado. Elas querem fazer parte dessa divisão internacional do trabalho. É assim que as cidades funcionam. Nunca conheci um prefeito que disse: ”Quero minha cidade de fora”. Eles sabem que grandes cidades pertencem tanto à civilização da rede global, quanto a seus países natais.
Para muitas pessoas, a urbanização causa grande espanto. Elas acham que as cidades estão destruindo a Terra. Porém, agora, há mais de 200 redes de aprendizado intercidades prosperando. Esse é o mesmo número de organizações intergovernamentais que nós temos. E toda essa rede de conexões entre cidades é destinada a um propósito, a prioridade número um da humanidade no século 21: a urbanização sustentável.
E está funcionando? Por exemplo: a mudança climática. Sabemos que a cada reunião, seja em Nova York ou Paris, as emissões dos gases do efeito estufa não diminuirão. Mas o que podemos ver é o intercâmbio de tecnologias, conhecimentos e políticas entre cidades, que é como realmente podemos reduzir a intensidade do carbono nessas economias.
Cidades estão aprendendo umas com as outras. Como fazer prédios com emissão zero, como implantar um sistema de compartilhamento de carros elétricos. Grandes cidades da China estão impondo limites do número de carros nas ruas. Em cidades do ocidente, muitas pessoas mais jovens sequer querem dirigir. Cidades têm sido parte do problema, mas agora são parte da solução.
Desigualdade é outro grande desafio a ser superado pela urbanização sustentável. Quando viajo pelas megacidades de ponta a ponta, às vezes isso leva horas, ou dias, experimento a tragédia da extrema desigualdade dentro de um mesmo espaço geográfico. E, ainda assim, nossas reservas globais e ativos financeiros nunca foram maiores, chegando perto de US$ 300 trilhões. Isso é quase quatro vezes o atual PIB do mundo inteiro.
Nós temos feito cada vez mais empréstimos desde a crise financeira, mas temos investido isso em crescimento inclusivo? Não, ainda não. Apenas quando construirmos moradias suficientes e acessíveis, quando investirmos em redes mais robustas de transporte para permitir que pessoas se conectem tanto fisica quanto digitalmente, é aí que nossas cidades e sociedades divididas se sentirão inteiras novamente.
E é por isso que a infraestrutura acabou de ser incluída nas Metas de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, pois ela possibilita todas as outras. Nossos líderes políticos e econômicos estão aprendendo que conectividade não é caridade, é oportunidade. É por isso que a comunidade financeira precisa entender que a conectividade é o recurso mais importante do século 21.
Cidades podem tornar o mundo mais sustentável, podem tornar o mundo mais igualitário, e acredito também que a conectividade entre cidades pode tornar o mundo um lugar mais pacífico. Se olharmos para regiões do mundo que têm grandes relações através das fronteiras, veremos mais comércio, mais investimentos e mais estabilidade. Sabemos da história europeia após a Segunda Guerra Mundial, na qual a integração industrial causou o surgimento da atual e pacífica União Europeia. E podemos ver também que a Rússia é a potência mundial menos conectada ao sistema global. E isso explica muito das tensões atuais. Países com menos conexões com o sistema também têm menos a perder quando o perturbam. Na América do Norte, as linhas mais importantes do mapa não são a fronteira EUA-Canadá, nem a fronteira México-EUA, mas sim, a densa rede de conexões entre rodovias, ferrovias, gasodutos, redes de eletricidade e até canais de água que estão formando a integração da União Norte Americana. A América do Norte não precisa de mais muros, precisa de mais conexões.
Mas a verdadeira promessa da conectividade está no mundo pós-colonial. Todas essas regiões em que as fronteiras historicamente têm sido desnecessárias, e nas quais várias gerações de líderes têm tido relações hostis entre si. Porém, uma nova geração de líderes está surgindo, e eles estão fazendo as pazes.
Vejamos o Sudeste da Ásia, onde redes de ferrovias rápidas são planejadas para conectar Bangcoc a Singapura e áreas de comércio do Vietnã a Myanmar. Essa região de 600 milhões de pessoas, coordena seus recursos agrícolas e sua produção industrial. Ela está evoluindo para o que chamo de “Pax Asiana”, a paz entre as nações do Sudeste da Ásia. Um fenômeno parecido está acontecendo no Leste da África, onde meia dúzia de países estão investindo em ferrovias e corredores multimodais, para que países isolados possam colocar seus bens no mercado. Agora esses países podem controlar seu serviço público e suas políticas de investimentos. Eles, também, estão evoluindo para uma “Pax Africana”.
Uma região que poderia usar esta forma de pensamento é o Oriente Médio. Enquanto os países árabes tragicamente desmoronam, o que é deixado, senão cidades antigas, como Cairo, Beirute e Bagdá? Na verdade, os aproximadamente 400 milhões de habitantes do mundo árabe estão quase completamente urbanizados. Como sociedades, como cidades, elas são ou pobres ou ricas em água, ou pobres ou ricas em energia. E a maneira de resolver essas incompatibilidades não é através de mais guerras e mais fronteiras, mas sim através de mais conectividade de oleodutos e canais de água. Infelizmente, esse ainda não é o mapa do Oriente Médio. Mas deveria ser, deveria ser criada uma “Pax Arabia” conectada, internamente integrada e produtivamente conectada aos vizinhos: Europa, Ásia e África.
Conectividade pode não parecer o que queremos agora com a região mais turbulenta do mundo, mas sabemos que, historicamente, mais conectividade é a única maneira de trazer mais estabilidade a longo prazo, pois sabemos que região após região, conectividade é a nova realidade. Cidades e países estão aprendendo a formar uniões mais pacíficas e prósperas.
Mas o verdadeiro teste será a Ásia. Será que a conectividade pode superar as históricas rivalidades entre as grandes potências asiáticas? Afinal de contas, é aqui que se espera acontecer a Terceira Guerra Mundial. Desde o fim da Guerra Fria, há 25 anos, pelo menos seis grandes guerras foram previstas para esta região. No entanto, nenhuma aconteceu.
Vejamos China e Taiwan. Nos anos 1990, todos esperavam ali uma Terceira Guerra Mundial. Mas, desde então, o comércio e os investimentos do estreito de Taiwan têm se tornado tão intenso, que em novembro, líderes dos dois lados participaram de uma reunião histórica para discutir uma eventual reunificação pacífica. E até mesmo a eleição do partido nacionalista de Taiwan, que é a favor da independência, e ocorreu no início do ano, não põe em risco essa dinâmica tão importante.
China e Japão têm um histórico ainda maior de conflitos e têm colocado suas marinha e aeronáutica para demonstrar suas forças em disputas por ilhas. Porém, recentemente, os maiores investimentos internacionais japoneses têm sido na China. Carros japoneses têm alcançado recordes de vendas lá. E adivinhem de onde vem o maior número de estrangeiros vivendo no Japão? Isso mesmo: China.
China e Índia travaram uma grande guerra e têm três grandes disputas territoriais, mas atualmente a Índia é a segunda maior acionista do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura. Está sendo construído um corredor comercial que vai do nordeste da Índia, passa por Myanmar e Bangladesh, e vai até o Sul da China. O volume de comércio entre eles passou de US$ 20 bilhões na década passada para US$ 80 bilhões, atualmente.
Paquistão e Índia, ambos dotados de armas nucleares, travaram três guerras e continuam a disputar a Caxemira, mas também negociam um acordo comercial mais vantajoso, e querem construir um gasoduto, que vai do Irã, passando pelo Paquistão até a Índia.
Falemos do Irã. Não faz só dois anos que uma guerra com o Irã parecia inevitável? Então, por que todas as potências mundiais querem fazer negócios com ele agora?
Senhoras e senhores, não posso garantir que a Terceira Guerra Mundial não vá acontecer, mas podemos ver, com certeza, porque ela ainda não aconteceu. Apesar de a Ásia ser o lar das forças militares que mais crescem, esses mesmos países estão investindo bilhões de dólares nas infraestruturas e cadeias de fornecimento uns dos outros. Eles estão mais interessados na geografia funcional uns dos outros do que na geografia política. E é por isso que seus líderes pensam duas vezes, se afastam de conflitos, e decidem focar mais laços econômicos do que tensões territoriais.
Muitas vezes parece que o mundo está desmoronando, no entanto, ampliando a conectividade, é como solucionaremos todos esses problemas, ainda melhor do que antes. E envolvendo o mundo em uma conectividade física e digital quase invisível, evoluímos para um mundo no qual as pessoas podem superar restrições geográficas. Somos as células e as veias que pulsam através da rede global de conectividade.
Todo dia, centenas de milhões de pessoas ficam on-line e trabalham com pessoas que nunca sequer viram. Mais de 1 bilhão de pessoas atravessam fronteiras todo ano, e a expectativa é que esse número suba para 3 bilhões na próxima década.
Nós não apenas construímos conectividade, nós a incorporamos. Somos a civilização da rede globalizada, e este é o nosso mapa. Um mapa no qual geografia não é mais o destino. Em vez disso, o futuro tem um novo e esperançoso lema: “Conectividade é destino”.
Obrigado.
(1) Cascádia é o nome proposto para um estado independente e soberano que seria formado pela união da província canadense da Colúmbia Britânica e dos estados americanos de Washington e Oregon depois de separar-se dos seus governos federais respectivos.
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