Por: Equipe Oásis
O que é a Crispr?
O nome correto e completo é Crispr/Cas9: trata-se de uma técnica, precisa e potente, de correção de um ou mais genes em qualquer célula viva. A técnica usa a colaboração da proteína Cas 9 e de uma pequena molécula-guia constituída por material genético A máquina molecular assim construída se inspira em um sistema bacteriológico chamado Crispr, presente em cerca da metade das bactérias e em cerca de 90% das arqueas. Crispr é o acrônimo de “clustered regularly interspaced short palindromic repeats), uma expressão em inglês traduzível como “repetições palindrômicas curtas agrupadas e regularmente interespaçadas.
Cas9 é, por seu lado, o nome da proteína associada a Criuspr: junto a outras proteínas similares faz parte de um sistema chamado Sistema Associado Crispr.
Na natureza, Crispr e Cas9 formam um complexo que serve como sistema imunológico para as bactérias: entre uma sequência repetida e a outra existem trechos de Dna que “arquivam” os trechos de vírus que atacaram as bactérias. Usando esses dados como pró-memória, as proteínas Cas identificam e atacam os vírus que possuem aquele trecho de Dna e o degradam.
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Como funciona a técnica Crispr?
“Ela permite a exploração de qualquer DNA quando se busca sequências particulares, e de eliminá-las como se as “cortássemos com uma tesoura”. As sequências que usamos na técnica in vitro são constituídas de filamentos de Rna, “complementares” ao DNA original, que guiam as proteínas em direção às sequências-alvo que queremos modificar.
Desse modo podemos atingir e modificar todos os genes que desejarmos, não apenas aqueles bacteriológicos: “Nas mãos dos pesquisadores a técnica Crispr/Cas9 tornou-se um instrumentos de múltiplos usos, o equivalente molecular de um canivete suíço dotado de bússola para se orientar ao longo do DNA, de uma “mordida” para se conectar a ele, “tesouras” e mais vários outros acessórios”, explica Meldolesi.
A técnica pode ser usada de várias maneiras. Junto com o cancelamento de inteiros genes, pode servir para introduzir no genoma, em um ponto preciso, um segmento completamente estranho a ele. Além de corrigir os genes modificados de modo que voltem a funcionar bem.
Uma sequência de RNA guia a proteína Cas9 (a “tesoura”) ao lugar do DNA no qual o pesquisador pretende cortar e/ou modificar um gene. Ilustração: Chemistry World / The Royal Society of Chemistry
Que diferença existe entre a técnica Crispr e a técnica do DNA recombinante?
Ao longo do tempo foram testadas várias técnicas capazes de modificar o DNA de vários organismos, mas a maior parte delas era bastante grosseira e as modificações obtidas nem sempre eram aquelas buscadas ou desejadas. Para remediar a presença de um gene defeituoso, no passado se procurava simplesmente acrescentar um gene “correto”(DNA recombinante).
Crispr é um método bem mais preciso (embora não infalível) para se atingir um gene em particular, cortá-lo e em seguida eliminá-lo, ou então substituí-lo com um gene adequado”. Trata-se de uma operação de extrema precisão, que permite intervir de maneira direcionada até mesmo nas letras individualizadas do DNA. A presença nas bactérias de outras proteínas do sistema Cas faz pensar que a técnica possa ser aperfeiçoada e seja possível atingir outras funções.
Quais são as aplicações atuais da Crispr?
Por enquanto os campos de aplicação são três: medicina, biologia e tecnologia. A Crispr é usada, por exemplo, para se estudar as funções de alguns genes, eliminando-os do genoma de algumas formas de vida e observando em seguida para ver o que acontece. Ou então, para se compreender quais são as parentelas de grupos de animais modificando o patrimônio genético deles. A Crispr serve também, a nível prático, para modificar os fermentos de maneira que produzam biocombustíveis, ou para produzir organismos de interesse agrícola trocando os genes com outros, considerados mais úteis, tomados das diferentes variedades daquela espécie.
As aplicações mais distantes no tempo – e que ainda precisam ser muito discutidas – podem ser aquelas que dizem respeito à modificação dos genes humanos no embrião, para eliminar eventuais defeitos ou favorecer características especificas.
Existem objeções ao uso dessa tecnologia?
Até o momento o uso dessa técnica na modificação de plantas cultivadas não suscitou particulares objeções. Elas com certeza existirão no futuro, quando se falará da possibilidade de experimentá-la em animais domésticos e da pecuária e avicultura. Já hoje existem aqueles que se opõem inclusive a ideias aparentemente positivas, como a tentativa de modificar populações de mosquitos vetores de doenças, até se chegar à extinção deles. Tais objeções, na verdade, têm a sua razão de ser, porque mesmo quando se trata de uma espécie considerada daninha, qualquer modificação de um elemento do exossistema pode ter consequências inesperadas e negativas.
As preocupações maiores, no entanto, dizem respeito à edição dos embriões humanos, e por uma razão bem precisa. Se as modificações genéticas forem efetuadas em uma pessoa adulta, apenas aquela pessoa terá o genoma odificado. Se, por outro lado, transforma-se o patrimônio genético de um embrião, o futuro adulto poderá transmitir as modificações à sua progenitura. “Ainda não dispomos de suficiente conhecimento, nem existe um consenso social amplo o bastante para podermos dar um passo desse tamanho.
Alguns pesquisadores e expertos de segurança advertiram quanto a relativa facilidade e baixo custo dessa técnica em relação às outras que a precederam: Se cair em mãos erradas, a Crispr/Cas9 poderá ser usada com finalidades poucos claras.
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É assim tão fácil usar a Crispr?
“Os componentes podem ser encomendados online por algumas centenas de euros. Além disso, a técnica é muito mais fácil de ser manipulada que as outras precedentes. Mas nada de exagerar: Não será tão fácil usar a Crispr/Cas9 nos porões e nas garagens das casas, como faziam aquelas rapazes dos anos Setenta para construir um computador. É preciso ter sólidos conhecimentos de biologia e uma boa habilidade manual.
Quem inventou a Crispr/Cas9?
A descoberta do mecanismo imunológico das bactérias é o resultado de muitas décadas de pesquisas no campo da biologia de base, como aquelas que levaram à descoberta do “sistema imunológico” das bactérias. O ponto crucial é, no entanto, a aplicação prática da técnica, que pode dar origem a licenças e patentes cujos donos poderão obter enormes somas de dinheiro.
Duas equipes brigam hoje pelo reconhecimento da criação da técnica. As primeiras pesquisadoras que perceberam que o maquinário bacteriológico podia ser usado para se fazer a assim chamada “edição genética”, foram a norte-americana Jennifer Doudna e a francesa Emmanuelle Charpentier. A técnica porém foi adaptada às células humanas pelo chinês naturalizado norte-americano Feng Zhang. A primeira patente oficial foi obtida pelo próprio Zhang.
EDIÇÃO GENÉTICA. A TÉCNICA CRISPR E A AMEAÇA DO TERRORISMO
Os revolucionários “bisturis moleculares” abriram possibilidade médicas e de saúde pública antes inimagináveis. Mas como impedir que caiam em mãos erradas?
Pesquisas em um laboratório de segurança máxima.
Na área das ciências de ponta, um dos temas do momento é a CRISPR-Cas9, a técnica de edição genética que revolucionou a pesquisa biomédica. No início de agosto, cientistas norte-americanos anunciaram instrumentos de alta precisão molecular para corrigir uma mutação genética que dá origem a uma doença cardíaca incurável em embriões humanos. Esses mesmos cientistas logo descobriram também que os campos de aplicação dessa nova tecnologia podem ser aplicados em uma enorme variedade de situações, desde o controle das populações de insetos que são vetores de doenças (o mosquito Aedes Aegypt, por exemplo) a novas terapias experimentais para a cura do câncer.
Nos últimos dois anos, a Crispr levou os cientistas a fazer muitas reflexões sobre a sua periculosidade. Em particular, a respeito das implicações éticas de um instrumento que poderá intervir sobre a ordem natural de um ecossistema, ou permitir a criação de “embriões sob medida”.
Perguntas e respostas sobre a CRISPR
Cenários inquietantes – Que aconteceria se criações biológicas produzidas pela CRISPR saíssem involuntariamente dos laboratórios onde foram arquitetadas? Ou se, ainda pior, a técnica fosse usada deliberadamente para a confecção de armas biológicas? Em 2016, Bill Gates (cujas previsões costumam ser acertadas) disse que a próxima epidemia “poderia nascer na tela do computador de um terrorista que queira usar a engenharia genética para criar uma versão sintética do vírus da varíola”.
Ameaças sob medida – Em julho 2017, no decurso de uma conferência internacional sobre o hacking, em Las vegas, John Sotos, diretor médico do Intel afirmou que as mesmas tecnologias médicas que permitem, por exemplo, escolher como algo apenas as células cancerosas, poderiam consentir à engenharia genética, no futuro, criar uma arma biológica que ataque apenas indivíduos com particulares características genéticas, por exemplo os membros de uma certa família ou etnia de proveniência.
Tais técnicas ainda não existem, mas o sucesso obtido pela Crispr lança luz sobre essas possibilidades. Inclusive o Relatório anual dos riscos internacionais difundido em 2016 pelos serviços de inteligência norte-americanos aponta riscos para a segurança global a partir da disponibilidade e difusão da Crispr.
Difícil de controlar – Por que, então, a edição genética ainda não foi usada com finalidades destrutivas? Para começar, por causa da sua complexidade: Como explica a publicação científica The Conversation, existem métodos mais simples e práticos de semear armas biológicas de destruição de massa. Formar novas gerações de bioterroristas e infiltra-los nos laboratórios de segurança máxima imnplicaria em m longo e paciente esforço a longo prazo. Em segundo lugar, porque os riscos associados ao uso de uma arma biológica em larga escala são muito grandes: Destrua a nação vizinha e, se algo não der certo, você corre o risco de destruir também a sua própria nação.
Política – Existem além disso várias iniciativas internacionais cujo objetivo é contrastar o desenvolvimento desse tipo de armamento. Uma delas é a Convenção para as Armas Biológicas (de 1972) que empenha 178 países a excluir completamente toda e qualquer possibilidade de uso, produção e estocagem de armas biológicas. A ausência de um sistema de controle e verificação formais quanto ao respeito ao acordo não limita, no entanto, boa parte da sua eficácia.
A única certeza é que para contrastar um uso criminoso da Crispr – bem como de outras conquistas tecnológicas, como é o caso do desenvolvimento descontrolado da inteligência artificial – serão necessários esforços internacionais condivididos. As fronteiras nacionais constituem hoje entidades demasiado lábeis para que a batalha possa ser combatida por apenas uma nação.
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