Por: Luis Pellegrini
Há poucos anos, em Gotemburgo, na Suécia, tomei um táxi para ir à casa de minha amiga, a jornalista Anne Palmers. Na hora de pagar a corrida, e para surpresa minha, o motorista recusou receber o valor em dinheiro vivo. “Só posso aceitar pagamento com cartão de crédito”, disse ele. E mostrou-me um aparelhinho acoplado ao lado do rádio: era só enfiar o cartão numa fresta e pronto, a corrida já estava paga.
“E se eu não possuísse um cartão de crédito?”, comentei o ocorrido com Anne. “Nos países escandinavos, hoje, se você não tiver pelo menos um cartão você simplesmente não existe como cidadão”, ela respondeu rindo. E concluiu: “Na Suécia, o governo pensa seriamente em eliminar o dinheiro em papel e em moedas e deixar somente o dinheiro plástico. Melhor nos acostumarmos, pois acho que isso será uma tendência mundial”.
Anne está certa. Moedas e notas estão desaparecendo de nossos bolsos, substituídas pelos cartões de crédito e sistemas automáticos de pagamento. Apesar disso, o dinheiro, de forma abstrata, continuará existindo, com todos os seus méritos e falhas. Afinal, nada podemos fazer sem ele. De fato, se ele desaparecesse do mapa, tudo seria muito pior.
Para começar, todo o comércio também desapareceria. Sem moedas nem notas, só nos restaria o escambo. As lojas não teriam mais razão de existir e seria muito mais complicado trocar os bens de primeira necessidade, como bebidas, alimentos, roupas e remédios, assim como os produtos tidos como supérfluos, como as máquinas industriais e as peças de carro. Na realidade, a troca é baseada no escambo de produtos com uma coincidência de interesses. E, mesmo que ela ocorra, fazer as trocas não é tão simples assim.
Supondo-se que um agricultor do Nordeste que produza cachaça desejasse comprar sua garrafa de vinho preferida. Na ausência de lojas, ele terá de ir até o Rio Grande do Sul para localizar o fabricante. Lá chegando, poderá descobrir que não vai conseguir comprar o seu vinho predileto, pois o produtor não está interessado em trocá-lo por cachaça.
Mão-de-obra especializada extinta
A inexistência de dinheiro não causaria apenas o colapso do comércio, mas também não se teria mais como remunerar os trabalhadores. As indústrias fechariam e sairia completamente de circulação a produção de todos os objetos mais complexos, a começar pelo computador, o celular e a tevê. Em razão disso, não haveria mais empregos para os profissionais especializados, porque em tal mundo seria inútil a existência de engenheiros eletrônicos e técnicos de som.
Não haveria mais necessidade de existirem bancos. Com isso, as poupanças e aplicações desapareceriam. A economia mundial entraria em colapso e, de repente, o mundo descobriria ser demasiadamente pobre para sustentar a população mundial, hoje estimada em mais de 7 bilhões de pessoas. Consequentemente, a tensão social aumentaria e seriam inevitáveis as guerras para obter recursos para sobreviver. Finalmente, a população mundial diminuiria.
Assim sendo, embora tenhamos entrado plenamente na era do dinheiro plástico, o dinheiro em si mesmo continuará existindo durante muito tempo. E, pensando bem, eliminar notas de papel e moedas, substituindo-as por cartões eletrônicos de plástico, talvez seja mesmo uma boa ideia. Até mesmo o diabo – alarmado com a corrupção desenfreada no Brasil e no mundo e suas consequências nefastas – deve estar gostando: Isso acabaria com as malas gedellianas de dinheiro corrupto, como aquelas que circulam pelas ruas de Brasília e de quase todas as cidades brasileiras, ou aquelas outras armazenadas em bunkers improvisados como foi o caso dos 50 e tantos milhões encontrados em um apartamento na Bahia.
Partindo para o mundo da barganha
Abaixo, algumas opções possíveis de “moedas” caso o dinheiro, como o conhecemos hoje, fosse abolido:
Sal e cigarros: Se esse mundo realmente existisse, seria natural para os homens adotar qualquer objeto que funcionasse como uma moeda de troca para usá-lo no “comércio”, como sal, ouro e até mesmo cigarros, como sempre ocorreu em tempos de guerra. Em resumo, a moeda – ainda que de outra forma – acabaria sendo reinventada. Até porque é impossível se fazer algo sem ela.
Pequenos grupos: A organização social mudaria: a família teria de se organizar para produzir os insumos essenciais à sobrevivência e, eventualmente, agregar-se em pequenas comunidades.
O método do escambo: Quantas galinhas por um vestido? Inexistindo as moedas, somente seria possível fazer o escambo, trocando sobretudo os produtos de primeira necessidade, como os alimentos e as roupas. Não haveria necessidade de existir lojas especializadas, que desapareceriam.
Nada de especialização: Muitas profissões e especializações não teriam mais razão de ser. Também desapareceriam as universidades e a grande maioria das escolas.
Força bruta: A força bruta passaria a ser importante não só para cultivar a terra, mas também para lutar e se defender. Presumivelmente, as mulheres teriam um papel de menor importância e de menos autonomia, pois dependeriam muito mais dos homens.
Todos ao trabalho: As pessoas teriam de trabalhar muito mais para sobreviver. O trabalho infantil seria uma regra, não uma exceção. Teríamos uma qualidade de vida bem pior, assim como a nossa média de vida diminuiria.
Guerra e carestia: Sem o comércio, a economia entraria em colapso e, consequentemente, a produtividade. A população mundial diminuiria muito e as guerras explodiriam por todas as partes.
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