Crime emocional
Pais no podem usar filhos em guerra conjugal
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A separação conjugal é um drama. E a situação ganha um ingrediente ainda mais danoso quando os filhos ficam no meio do fogo cruzado da disputa ou são usados pelo casal como moeda de troca. Esse é um problema antigo. A novidade é que o uso dos filhos como arma de ataque contra o ex-cônjuge ganhou nome e previsão legal. É conhecido como alienação parental e está previsto na lei 12.318, editada no ano passado, que prevê punições para os autores da alienação.
“Muita gente não sabe, mas influenciar negativamente contra o genitor é proibido por lei”, lembra a advogada Gladys Chamma, especialista em Direito de Família, que aplaude o surgimento da nova lei. Segundo ela, a norma foi uma conquista da sociedade e deu ao Judiciário um instrumento para nortear suas decisões. “Conforme a gravidade do caso, o juiz poderá aplicar multa, determinar acompanhamento psicológico, suspender a autoridade parental ou inverter a guarda”.
“A lei é nova, mas o fenômeno é antigo aqui nas varas de família”, afirma o juiz Homero Maion, titular da 6ª Vara da Família e das Sucessões do Fórum João Mendes. Ele destaca o caráter pedagógico da nova legislação e a considera um avanço no reconhecimento dos direitos de crianças e adolescentes. “Antes [da lei], o juiz agia guiado unicamente pelo bom senso. Agora ele tem um dispositivo legal”, explica o juiz.
“A criança precisa de pai e mãe. E a lei existe para garantir que esse direito seja respeitado”, afirma a advogada Sandra Vilela, outra especialista da área e defensora das conquistas que pais e filhos podem obter a partir da nova legislação. Segundo ela, com a ruptura da vida conjugal, a criança vira uma marionete na guerra de ex-casais. “Há casos ainda mais graves com vinganças, acusações de abuso sexual e agressões”, conta a advogada.
Outra especialista, a advogada Daniella de Almeida e Silva, conta que os artifícios usados por um dos cônjuges para implantar memórias falsas na cabeça do filho vão de comentários críticos sobre o outro genitor, criação de dificuldades para o contato do filho ou a convivência familiar, até formas mais graves como acusação de abuso sexual.
“A mãe ou o pai tem todo o direito de ficar com raiva ou magoada com os motivos da separação, mas não pode usar os filhos nesse jogo de mesquinharia”, acrescenta Daniella. O caso pode se agravar ainda mais quando a criança ou o adolescente responde a essa alienação e recusa o afeto de um dos genitores.
A alienação parental ocorre quando o pai ou a mãe tenta excluir da vida do filho o outro genitor, muitas vezes como instrumento de vingança. Para tanto, usa dos mais variados meios e artifícios. A advogada Sandra Vilela conta que muitos desses casais, quando lançados à categoria de separados, parecem encarnar outras almas e chegam a ser cruéis.
Pesquisas na área de psicologia apontam que 90% dos filhos de pais separados sofrem algum tipo de alienação parental. Ainda não há números fechados sobre o volume de ações e recursos que correm no Judiciário. Juízes que atuam na área estimam que só no Fórum Central da capital paulista cerca de seis mil ações discutem o problema em graus diferentes de manifestação.
Drama real
Em 2003 o médico Valter Kuba decidiu desfazer o casamento de 13 anos. Do relacionamento com a ex-mulher nasceram três crianças que, com a separação, ficaram sob a guarda da mãe. Passados sete anos, o médico não conseguiu reatar a confiança e a amizade dos filhos. “Foi uma ruptura muito grave e hoje me sinto como se tivesse morrido, ainda em vida”, diz emocionado o pai de dois rapazes e de uma adolescente.
Valter Kuba e seus filhos são vítimas de um fenômeno conhecido como alienação parental, que ocorre entre casais separados, ou em processo de separação. Na briga pela guarda do filho um deles manipula a criança para romper laços afetivos com o outro genitor.
O tema foi bastante debatido no caso do menino americano Sean Goldman. Alguns especialistas chegaram afirmar que a criança, que hoje vive com o pai nos Estados Unidos, sofreu alienação parental. As conclusões foram tiradas de conversa gravada no Setor de Psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro.
Na época, Sean chegou a dizer que não queria fazer mais contato com o pai David Goldman e que não confiava mais nele. Nesse caso, a figura do padrasto assumiu o lado paternal. Sean é órfão de mãe. Ela morreu há um ano durante o parto de sua filha.
O garoto Sean Goldman nasceu nos EUA e veio com a mãe, Bruna Bianchi, passar férias no Brasil, mas os dois não retornaram. O pai biológico, o americano David Goldman, iniciou uma batalha judicial para levar o menino de volta. Bianchi se casou novamente e morreu no parto da segunda filha. Em dezembro de 2009, David recebeu uma liminar da Justiça brasileira determinando a devolução do garoto e os dois voltaram juntos para os Estados Unidos.
“Os casos mais frequentes estão associados a situações onde a ruptura da vida em comum cria, em um dos genitores, na maioria das vezes a mãe, uma cruzada difamatória para desmoralizar e desacreditar o ex-cônjuge”, explica a advogada Sandra Vilela, especialista em Direito de Família.
Kuba conta que durante o primeiro mês todos os finais de semana visitava os filhos. Segundo ele, a situação se inverteu e os encontros foram proibidos pela ex-companheira. Depois disso, a convivência não passou de oito rápidos encontros nos corredores do Shopping Ibirapuera.
“Não duraram mais de dez minutos e foram de agressões verbais dos dois meninos mais velhos contra mim”, relembra o médico. O direito às visitas, segundo ele, foi conquistado, mas diante das reações dos filhos ele decidiu por fim aos encontros.
Na opinião de Kuba é como se com o tempo, a mínima relação com o pai passasse a ter um custo emocional tão alto que os adolescentes não quisessem mais vê-lo. Hoje ele ainda guarda a esperança de reconquistar os filhos de 19, 18 e 14 anos.
O médico, que já havia abandonado a profissão para tocar uma pequena indústria que herdara dos pais viu seu patrimônio definhar. A empresa que tinha 60 empregados hoje é tocada por quatro, as dívidas se acumularam e por dois anos foi obrigado a viver foragido por falta de pagamento da pensão alimentícia.
“Vivia me escondendo de casa em casa, deixei de votar e de ir à empresa com medo de ser preso”, conta. Após essa fase, um acordo judicial pois fim à vida de clandestinidade de Kuba. “Mas o acordo não trouxe de volta a convivência, mesmo que precária. Os meninos continuam se negando a qualquer convivência”, diz o pai. Nem mesmo contato telefônico ou pela internet.
O agora ex-médico vive de lembrança, principalmente da filha mais nova, da qual guarda um ursinho e uma tiara presentes recebidos no último encontro que tiveram. “O que sinto é que meus filhos foram seqüestrados e o cativeiro deles são as falsas memórias que os três guardam do pai”.
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