Criatividade para todos. Ser criativo não é questão de genética, sorte ou mente privilegiada
A neurociência propõe que a criatividade não é um dom restrito a afortunados, mas um conjunto de processos de pensamento que qualquer um pode desenvolver.
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Por Eduardo Araia
Ser criativo não é questão de genética, sorte ou mente privilegiada, diz o neurocientista americano Jonah Lehrer. Em seu livro Imagine: How Creativity Works (Houghton Mifflin Harcourt), lançado em março de 2012 nos Estados Unidos, ele mostra que a criatividade está ao alcance de qualquer pessoa. É só combinar bem os ingredientes certos.
“Sabemos hoje que a criatividade não é um dom especial privativo de alguns poucos felizardos”, diz o autor. “Trata-se de uma variedade de processos de pensamento distintos que todos podemos aprender a usar de modo mais efetivo.” A seguir, cinco dicas essenciais de Lehrer para os leitores darem vazão a todo o seu potencial criativo.
1. Fique desconcertado
Estar desconcertado é um momento fundamental no processo criativo, pois implica um reconhecimento de que a situação não tem saída. É a frustração decorrente desse reconhecimento que pode conduzir ao vislumbre de solução. Segundo o autor, em diversos estudos de mapeamento do cérebro, os cientistas notaram que, quando a pessoa se defrontava com um problema, seu hemisfério esquerdo (a região habitualmente associada à resolução de problemas pelo método analítico) punha-se a trabalhar de imediato. Mas os problemas mais complicados desgastavam rapidamente o processo, deixando a pessoa frustrada e reclamando da dificuldade de solucionar o problema. Com a frustração, indicativa da necessidade de recorrer a um caminho alternativo para superar o desafio, os cientistas perceberam que a atividade mental transitava do hemisfério esquerdo para o direito, associado à criatividade. Com essa mudança, em diversos casos as pessoas demonstraram experimentar momentos de insight, nos quais a resposta lhes vinha à mente de súbito. Para os cientistas, a importância da frustração no processo é crucial.
2. Insista e não desista
Frustração e desconcerto são ingredientes indispensáveis, mas outras duas características também são importantes para deflagrar a criatividade: perseverança e paixão por metas de longo prazo. “Essas qualidades”, explica Lehrer, “englobam a determinação, e nenhum artista, nenhum escritor, nenhum inventor seria bem-sucedido sem ela. A determinação é a qualidade que força você a fazer sacrifícios por paixão, a trabalhar por longas horas ou ficar treinando mesmo quando o treino não é divertido”. Segundo Lehrer, pesquisas revelaram que a determinação é um dos mais importantes indicadores de sucesso, “pois ninguém é suficientemente talentoso para não ter de trabalhar duro”.
3. Dê um tempo
Não é raro ver pessoas munidas de perseverança, frustrarem-se com a falta de solução e continuarem nesse estado por tempo considerável. O que fazer? “Algumas vezes, fazer uma pausa, afastar-se e reconcentrar-se pode ajudar a atingir um estado mental mais criativo”, explica Lehrer. Segundo ele, pesquisas mostram que uma mente relaxada, na qual as ondas alfa aparecem aumentadas, tem mais possibilidade de vislumbrar respostas bloqueadas pela frustração. Para quem imagina que é complicado chegar a esse estado, Lehrer fornece algumas sugestões simples apoiadas em estudos: tomar um bom banho ou assumir uma perspectiva mais positiva ajudam a aumentar a criatividade. “É por isso que tantas corporações bem-sucedidas – da 3M ao Google – têm adotado as pausas para a busca de projetos externos e novas ideias como uma parte crucial do trabalho diário”, afirma o autor.
4. Torne-se um ‘expatriado’
Para explicar esse item, Lehrer remete o leitor à atração que Paris exerce sobre os escritores. Esses artistas, observa o neurocientista, em geral não elaboram ensaios e romances usando a cidade e seus moradores; em vez disso, usufruem da atmosfera do lugar como inspiração para obras que se passam em seus próprios países de origem. De acordo com Lehrer, vários estudos mostram que a viagem é uma forma de expandir a criatividade porque encoraja o viajante a pensar superando as fronteiras do próprio ego. “Até as pequenas coisas, como não saber se deve dar gorjeta a um garçom ou a forma de dizer ‘obrigado’ na língua local, estimulam a mente e tornam a pessoa mais observadora daquilo que é externo a si própria e daquilo que ela já sabe”, diz o autor. Mas ninguém precisa ir a Paris para despertar a criatividade: “Acordar com um olhar novo e tornar-se um expatriado para seu problema específico pode ser tremendamente benéfico para resolvê-lo.”
5. Incorpore sua criança de 7 anos
Numa pesquisa realizada em 2010, Darya Zabelina e Michael Robinson, da Universidade Estadual de Dakota do Norte (EUA), reuniram centenas de estudantes universitários e os dividiram em dois grupos. O primeiro recebeu as seguintes instruções: “Você tem 7 anos, as aulas foram canceladas e você tem o dia inteiro para desfrutar. O que faria? Aonde você iria? Quem você veria?” A segunda turma recebeu as mesmas instruções, com a diferença de que a primeira frase foi eliminada. Depois de escreverem por dez minutos, os participantes receberam vários testes envolvendo criatividade, como sugerir utilidades para pneus velhos ou tijolos. Os integrantes do primeiro grupo se saíram bem melhor do que o do segundo, propondo praticamente o dobro de ideias criativas. Conclusão: “Temos apenas de fingir que somos criancinhas”, propõe Lehrer.
Insights geniais
Ideias de sucesso reveladas por vias inesperadas
Benzeno – O químico alemão Friedrich August Kekulé descobriu em 1865 a fórmula estrutural do hidrocarboneto usado como insumo na indústria química. Viu-a, em sonho, como a serpente alquímica Ouroboros, que morde a própria cauda.
Post-It – O engenheiro químico americano Arthur Fry, da 3M, teve a ideia milionária do papel suavemente aderente em 1977, quando cantava no coral de sua igreja. Percebeu que os marcadores de página das partituras caíam constantemente.
Micro-ondas – Experimentando um detector de aviões durante a Segunda Guerra Mundial, o engenheiro americano Percy Spencer descobriu que as micro-ondas emitidas pelo aparelho derretiam uma barra de chocolate em seu bolso. A primeira patente do forno de micro-ondas surgiu no pós-guerra.
Barbie – Em viagem na Suíça, Ruth Handler, fundadora da indústria de brinquedos Mattel, viu uma boneca diferente, com cabelos platinados, em uma tabacaria. Por não falar alemão, não notou que a boneca era um sex symbol vendido para homens. Em vez disso, viu-a como alternativa para as bonecas-bebês então dominantes.
Velcro – Depois de caminhar por um campo, em 1941, o engenheiro suíço George de Mestral suou para remover as sementes de bardana grudadas na calça e nos pelos de seu cão. Examinando-as em microscópio, viu centenas de pequenos ganchos, que explicavam sua aderência. Dez anos depois, De Mestral patenteou o Velcro.
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