Criança e pobreza. Uma infância difícil reduz o volume do cérebro
As crianças que vivem uma infância marcada pelo abandono, privações e falta de cuidados, sofrerão consequências duradouras para o desenvolvimento dos seus cérebros.
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Por: Luis Pellegrini
As crianças que viveram formas extremas de abandono e privações experimentam uma duradoura redução do volume cerebral, observável inclusive na idade adulta e aparentemente não sanada pela neuroplasticidade – a capacidade que o cérebro tem de modificar suas estruturas em função das experiências vividas.
Transcorrer os primeiros anos da infância em condições de grave privação de cuidados está associado a uma visível redução do volume cerebral.
É o que revelam vários estudos, dentre os quais um dos mais recentes e contundentes é baseado nas leituras cerebrais de centenas de “órfãos de Ceausescu”, jovens adultos que transcorreram a primeira parte da infância nos orfanatos superpovoados e decadentes da Romênia durante o regime ditatorial de Nicolae Ceausescu (1966-1989). A pesquisa foi publicada no Proceedings of the National Academy of Sciences.
Mais filhos para a pátria
Fiel ao dogma que via no crescimento da população uma alavanca para o desenvolvimento econômico, em 1966 Ceausescu colocou fora da lei o aborto para as mulheres menores de 42 anos que tivessem menos de 4 filhos. Evitar a gravidez passou a ser comparado a um ato de deserção militar; métodos de contracepção foram combatidos e a obtenção dos divórcios passou a ser cada vez mais difícil de ser obtida.
Qualquer pessoa que não tivesse filhos era condenada a pagar uma taxa. Instigado pelo governo romeno, esse frenesi em prol da procriação foi depois considerado um dos principais fatores para a violenta difusão da AIDs que cresceu de modo exponencial no país, bem como o número de crianças não reconhecidas pelos pais e abandonadas nos orfanatos. As péssimas condições dessas estruturas, geralmente destituídas de aquecimento e com iluminação intermitente, as doenças não curadas ou mal curadas, a escassez de alimento e o descaso em relação às mais simples necessidades emocionais e afetivas, só vieram à luz depois da queda do regime.
Efeitos persistentes
Segundo estimativas, foram pelo menos cem mil as crianças romenas constrangidas a passar meses ou anos nessas condições. Estudos precedentes tinham se concentrado nas suas dificuldades cognitivas (em parte superadas na idade adulta) tais como a síndrome de déficit de atenção, bem como a hiperatividade, a ansiedade e a depressão. Um grupo de cientistas do King’s College, de Londres, analisou as tomografias computadorizadas e ressonâncias magnéticas de algumas centenas de órfãos romenos daquela época adotados por famílias britânicas que tinham transcorrido entre 3 a 41 meses em situação de grave abandono e de privação dos seus direitos fundamentais quando estavam internados nas estruturas descritas.
Os exames de imaging cerebral dos jovens com idade entre 23 e 28 anos foram confrontados com os de 21 coetâneos adotados no Reino Unido quando tinham cerca de 6 meses de idade. Os jovens do primeiro grupo mostravam um volume cerebral 8,6% inferior em relação aos do segundo grupo. Cada mês transcorrido em condições de privação extrema estava ligado a uma ulterior redução de 3 centímetros cúbicos do volume cerebral. Esse fenômeno poderia explicar parte dos distúrbios cognitivos encontrados nos estudos passados.
Diferenças ulteriores
O dado talvez mais surpreendente foi a duração desse fenômeno no tempo, apesar dos cuidados e da dedicação recebidas das famílias que adotaram essas crianças. Esse fato demonstra os limites da neuroplasticidade, que, no entanto, é muito forte e intensa durante a idade juvenil. Além da redução geral do volume do cérebro, o primeiro e o segundo grupo mostraram diferenças estruturais em três regiões do cérebro, relacionadas à organização, à motivação e a integração entre informação e memória. A equipe de cientistas se surpreendeu também por não ter encontrado diferenças substanciais na amigdala, uma estrutura cerebral relacionada à elaboração das emoções.
Embora o estudo não possa provar com certeza que a privação das necessidades fundamentais durante a infância leva a uma redução do volume cerebral, isso é de qualquer forma uma consequência muito provável. Mecanismos como a ausência de experiências fundamentais para o desenvolvimento cerebral ou o estresse crônico poderiam em parte explicar essa correlação. Outros fatores como a genética ou a má nutrição não bastam, isoladamente, para serem considerados a causa do fenômeno.
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