Chimpanzés sentem e pensam. Eles deveriam ter direitos também
Chimpanzés são pessoas, sabia? Bom, não exatamente. Mas o advogado Steven Wise passou os últimos 30 anos trabalhando para mudar o status desses animais de "coisas" para "pessoas". Não é apenas uma questão de semântica. Conforme ele descreve nessa palestra fascinante, reconhecer que animais como os chimpanzés possuem capacidades cognitivas extraordinárias e refletir sobre a maneira como os tratamos — legalmente — não é mais do que um dever moral
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Vídeo: TED Ideas Worth Spreading
Tradução: Francisco Paulino Dubiela. Revisão: Andrea Mussap
Ao contestar as antigas porém até hoje vigentes noções de “pessoa”, o advogado Steven Wise quer garantir para os animais cognitivamente avançados, como é o caso dos grandes primatas, o acesso à totalidade do espectro dos direitos fundamentais garantidos à espécie humana.
Steven Wise e o Nonhuman Rights Project (Projeto dos Direitos dos Não-humanos) redefinem o campo da batalha em prol dos direitos legais dos animais. Wise já conseguiu nos Estados Unidos diversas vitórias em verdadeiras guerras legais a favor de chimpanzés mantidos em cativeiro. Após criar jurisprudência básica, ele parte agora para uma estratégia que irá mudar tudo o que se acredita em termos dos direitos dos animais.
Wise trabalha com o Nonhuman Rights Project no projeto Unlocking the Cage (Destrancando a jaula), um filme ainda não lançado produzidos por Chris Hegedus e D.A. Pennebaker.
Vídeo:
Tradução integral da palestra de Steven Wise no TED, em maio 2015:
Eu gostaria que vocês olhassem este lápis. É uma coisa. É uma coisa legal. Assim como os livros ou os carros que vocês possam ter. São todas coisas legais. Os primatas que vocês veem atrás de mim, eles também são coisas legais. Eu posso fazer isso com uma coisa legal. Eu posso fazer o que quiser com meu livro ou meu carro. Estes primatas, vocês vão ver. As fotografias foram tiradas por James Mollison, autor do livro "James & Other Apes". E ele diz em seu livro que todos eles, quase todos eles, são órfãos que viram seus pais morrerem diante de seus olhos. Eles são coisas legais.
Por séculos, existe uma grande muralha legal que separa as coisas legais das pessoas jurídicas. Por um lado, as coisas legais são invisíveis para os juízes. Elas não contam na lei, não têm quaisquer direitos legais. Elas não são elegíveis aos direitos legais. Elas são os escravos. Do outro lado desse muro jurídico estão as pessoas jurídicas. Pessoas jurídicas são muito visíveis aos juízes. Elas contam na lei. Elas podem ter muitos direitos. Elas são elegíveis a um número infinito de direitos. E elas são os mestres.
Agora mesmo, todos os animais não humanos são coisas legais. Todos os seres humanos são pessoas jurídicas. Mas ser humano e ser uma pessoa jurídica nunca foram, e ainda não são, sinônimos entre si. Seres humanos e pessoas jurídicas não são sinônimos. Por um lado, houve muitos seres humanos ao longo dos séculos que foram considerados coisas legais. Os escravos eram coisas legais. Mulheres, crianças, às vezes foram coisas legais. De fato, grande parte da luta por direitos civis dos últimos séculos foi travada para fazer um buraco nessa muralha e trazer essas coisas humanas para o outro lado, para se tornarem pessoas jurídicas. Mas infelizmente, esse buraco foi fechado. De outro lado estão as pessoas jurídicas, mas elas nunca foram limitadas a seres humanos. Por exemplo, muitas pessoas jurídicas sequer estão vivas.
Nos Estados Unidos, estamos cientes de que as corporações são pessoas jurídicas. Na Índia pré-independente, um tribunal julgou um ídolo hindu como pessoa jurídica, uma mesquita era uma pessoa jurídica. Em 2000, a Suprema Corte da Índia declarou que os livros sagrados da religião sikh eram uma pessoa jurídica, e em 2012, bem recentemente, houve um tratado entre os índios da Nova Zelândia e a cora, onde foi acordado que um rio que era uma pessoa jurídica que possuía seu próprio leito de rio.
Eu li o livro de Peter Singer em 1980, quando eu tinha a cabeça cheia de cabelos castanhos exuberantes, e fiquei comovido com ele, porque eu me tornei um advogado para falar por aqueles que não têm voz, defender os indefesos, e nunca tinha percebido quão sem voz e indefesos são os bilhões de animais não humanos. E comecei a trabalhar como advogado de proteção animal.
Em 1985, percebi que estava tentando realizar algo que era literalmente impossível, e a razão é que todos os meus clientes, todos os animais cujos interesses estava tentando defender, eram coisas legais. Eles eram invisíveis. Não estava funcionando, então eu decidi que a única coisa que podia funcionar era trazer alguns deles através de um buraco que teríamos de fazer novamente nessa muralha e começar a mover animais não humanos adequados pelo buraco, para o lado das pessoas jurídicas.
Naquela época, sabia-se e falava-se muito pouco sobre direitos verdadeiros dos animais, sobre a ideia de um animal não humano ser pessoa jurídica e ter direitos civis, e eu sabia que ia levar um bom tempo. Assim, em 1985, eu estimei que demoraria cerca de 30 anos até que pudéssemos começar um processo estratégico, uma campanha de longo prazo para fazer um novo buraco na muralha. Acontece que eu fui pessimista, e levou apenas 28 anos. O que fizemos para começar o processo não foi apenas escrever resenhas jurídicas, dar aulas e escrever livros, mas tivemos de começar a nos aprofundar em como montar esse tipo de caso.
Uma das primeiras coisas que fizemos foi descobrir qual seria a causa da ação, a causa legal de ação. E a causa legal de ação é um veículo que advogados usam para mostrar seus argumentos diante dos tribunais. Acontece que há um caso muito interessante que ocorreu quase 250 anos atrás, em Londres, chamado Somerset vs Stewart, segundo o qual um escravo negro usou o sistema legal e foi convertido de uma coisa legal para uma pessoa jurídica. Eu estava tão interessado nesse caso que escrevi um livro sobre isso. James Somerset tinha oito anos, quando foi sequestrado na África Ocidental. Ele sobreviveu à Passagem do Meio, e foi vendido a um comerciante escocês, chamado Charles Stewart, na Virgínia. Vinte anos depois, Stewart levou James Somerset para Londres, e ao chegar lá, James decidiu que iria escapar. Uma das primeiras coisas que ele fez foi se batizar, porque ele queria conseguir padrinhos, pois para os escravos do século 18, eles sabiam que uma das principais responsabilidades dos padrinhos era ajudá-los a escapar.
Assim, no outono de 1771, James Somerset teve um confronto com Charles Stewart. Não sabemos exatamente o que aconteceu, mas, em seguida, James desapareceu. Enfurecido, Charles Stewart contratou caçadores de escravos para rastreá-lo na cidade de Londres, encontrar e trazê-lo de volta não para Charles Stewart, mas para um navio, o Ann & Mary, que estava ancorado no porto de Londres, e ele foi acorrentado no convés, e o navio já ia zarpar para a Jamaica, onde James seria vendido nos mercados de escravos e seria condenado de 3 a 5 anos de vida que um escravo tinha na colheita de cana de açúcar, na Jamaica.
Nesse momento os padrinhos de James entraram em ação. Eles abordaram o juiz mais poderoso, Lorde Mansfield, que era chefe dos juízes do tribunal do Banco do Rei, e exigiram que ele emitisse um mandado de habeas corpus em nome de James Somerset. A lei comum é o tipo de lei que os juízes de língua inglesa podem usar quando não estão restritos pelos estatutos ou constituições, e um mandado de habeas corpus é chamado Grande Mandado, com as letras maiúsculas, e serve para proteger qualquer um de nós da detenção contra a nossa vontade. Um mandado de habeas corpus é emitido. O detentor é obrigado a trazer de volta o detido e dar uma razão legal suficiente para privá-lo de sua liberdade física.
Bem, Lorde Mansfield precisou tomar uma decisão imediatamente, pois se James Somerset fosse uma coisa legal, ele não seria elegível a um habeas corpus, somente se ele fosse uma pessoa jurídica. Então Lorde Mansfield decidiu que iria assumir, sem decidir, que James Somerset era de fato uma pessoa jurídica, e emitiu o mandado de habeas corpus, e James foi trazido pelo capitão do navio. Houve várias audiências nos seis meses seguintes. Em 22 de junho de 1772, Lorde Mansfield disse que a escravidão era tão odiosa, e ele usou a palavra "odiosa" que a lei comum não iria apoiá-la, e ordenou que James fosse liberto.
Naquele momento, James Somerset passou por uma transmutação legal. O homem livre que saiu do tribunal, parecia exatamente o escravo que entrou, mas, no que dependia da lei, eles não tinham nada em comum. Então, fizemos o Projeto de Direitos Não Humanos, que eu fundei, e começamos a analisar que tipo de valores e princípios queremos apresentar aos juízes? Quais são os valores e princípios que eles bebem com o leite da mãe, que aprenderam na faculdade de direito, que usam todos os dias, e que eles acreditam com todo coração -- e escolhemos liberdade e igualdade. A liberdade é o tipo de direito que você possui por causa de como você é formado, e um direito fundamental de liberdade protege um interesse fundamental. E o interesse supremo da lei comum são os direitos à autonomia e autodeterminação. E são tão poderosos que num país de direito comum, se você for para um hospital e recusar um tratamento que salve sua vida, um juiz não vai forçá-lo a aceitá-lo, porque vai respeitar sua autodeterminação e autonomia. Um direito de igualdade é o tipo de direito que você possui porque você aparenta ser alguém, de maneira relevante, e aí está o problema, maneira relevante. Se você é assim, então por eles terem o direito e por você ser como eles, você possui o mesmo direito. Judiciário e o Legislativo traçam limites o tempo todo. Alguns são incluídos, outros são excluídos. Mas você precisa, no mínimo você precisa -- que o limite seja um meio razoável para um fim legítimo. O Projeto de Direitos Não Humanos alega que traçar um limite para escravizar um ser autônomo e autodeterminado como vocês veem atrás de mim, que isso é uma violação da igualdade. Nós procuramos em 80 jurisdições, foram sete anos, para encontrar a jurisdição onde queríamos montar nosso primeiro caso.
Escolhemos o estado de Nova York. Depois decidimos quem seriam nossos autores. Nós decidimos pelos chimpanzés, não só porque Jane Goodall estava em nosso conselho, mas porque Jane e outros pesquisadores estudaram intensamente os chimpanzés durante décadas. Sabemos das capacidades cognitivas extraordinárias que eles têm, e eles também se assemelham ao tipo dos seres humanos. E por isso escolhemos os chimpanzés, e começamos a buscar pelo mundo por especialistas na cognição do chimpanzé. Encontramos no Japão, Suécia, Alemanha, Escócia, Inglaterra e Estados Unidos, e eles escreveram 100 páginas de depoimentos em que mostraram mais de 40 maneiras pelas quais sua capacidade cognitiva complexa, individualmente ou em conjunto, suportava a autonomia e a autodeterminação. Inclusive, por exemplo, que eles eram conscientes. E eles são conscientes de suas consciências. Eles sabem que têm uma mente e que outros têm mentes. Eles sabem que são indivíduos, e que podem viver. Eles entendem que eles viveram ontem e que viverão amanhã. Eles viajam no tempo mental. Se lembram do que aconteceu ontem. Eles podem antecipar o amanhã, e por isso é tão terrível aprisionar um chimpanzé, especialmente sozinho. Isso é o que fazemos aos nossos piores criminosos, e fazemos isso com os chimpanzés sem sequer pensar nisso. Eles têm algum tipo de capacidade moral. Quando eles jogam jogos econômicos com os seres humanos, eles fazem ofertas justas espontaneamente, mesmo quando não são obrigados.
Eles são numerados. Eles entendem números. Podem fazer contas simples. Eles podem ter linguagem -- ou para não entrar nas guerras de linguagem, eles se envolvem em comunicação intencional e referencial em que prestam atenção às atitudes daqueles com quem estão falando. Eles têm cultura. Eles têm uma cultura material, uma cultura social. Eles têm uma cultura simbólica. Cientistas no Parque Tai da Costa do Marfim, descobriram chimpanzés usando pedras para abrir as cascas duras de castanhas. Leva muito tempo para aprender a fazer isso, e eles escavaram a área e encontraram que este material de cultura, esta maneira de fazê-lo, estas pedras, foram transmitidas por ao menos 4.300 anos através de 225 gerações de chimpanzés.
Agora, nós precisamos encontrar nosso chimpanzé. Nosso chimpanzé, primeiro encontramos dois deles no estado de Nova Iorque. Ambos morreriam antes que pudéssemos abrir nosso processo. Depois encontramos Tommy. Tommy é um chimpanzé. Vocês o veem atrás de mim. Tommy era um chimpanzé e o encontramos naquela jaula, numa pequena sala, cheia de gaiolas, em um grande armazém num loteamento no centro de Nova Iorque. Encontramos o Kiko, que é parcialmente surdo. Kiko estava nos fundos de uma loja de cimento em Massachusetts. E encontramos Hércules e Leo. São dois jovens chimpanzés machos, sendo usados para pesquisa biomédica e anatômica em Stony Brook. Nós os encontramos.
Então, na última semana de dezembro de 2013, o Projeto de Direitos Não Humanos abriu três processos no estado de Nova York usando o mesmo argumento do mandado de habeas corpus da lei comum que foi usado com James Somerset, e exigimos que os juízes emitam estes mandados de habeas corpus. Queríamos os chimpanzés livres, e que fossem levados para o "Save the Chimps", um enorme santuário de chimpanzés no sul da Flórida, que tem um lago artificial com 12 ou 13 ilhas -- existem dois ou três acres onde 20 chimpanzés vivem em cada um deles. E esses chimpanzés viveriam a vida de um chimpanzé, com outros chimpanzés num ambiente o mais parecido possível com a África. Todos estes casos ainda estão em andamento. Nós ainda não topamos com o nosso Lorde Mansfield. Mas nós vamos, nós vamos. Esta é uma campanha litigiosa estratégica de longo prazo. Nós vamos. E para citar Winston Churchill, a forma como vemos os nossos casos é que eles não são o fim, eles não são sequer o começo do fim, mas são talvez o fim do começo. Obrigado.
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