Busca do prazer explica prolongamento do carnaval, diz antropólogo

O que leva o brasileiro a estender o carnaval além do término oficial, na quarta-feira de Cinzas, com grande número de blocos e de foliões tomando as ruas até o domingo seguinte ao feriadão? Para o antropólogo Roberto Da Matta, professor da PPUC-RJ, a resposta é o princípio do prazer, “da sombra e da água fresca, que funciona em todo lugar do planeta e também no Brasil”; segundo Da Matta, todo ser humano tem necessidade de dormir bem, de comer um alimento que seja saboroso. “A nossa busca, na existência, é por coisas prazerosas”; de vez em quando, destacou, o que é prazer entra em conflito com coisas que são deveres ou obrigações

Rio de Janeiro – Desfile do maior e mais tradicional bloco do Carnaval do Rio, o Cordão do Bola Preta (Divulgação/ Hudson Pontes/Riotur)
Rio de Janeiro – Desfile do maior e mais tradicional bloco do Carnaval do Rio, o Cordão do Bola Preta (Divulgação/ Hudson Pontes/Riotur) (Foto: Leonardo Lucena)


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Alana Gandra - Repórter da Agência Brasil

O que leva o brasileiro a estender o carnaval além do término oficial, na quarta-feira de Cinzas, com grande número de blocos e de foliões tomando as ruas até o domingo seguinte ao feriadão? Para o antropólogo Roberto Da Matta, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), a resposta é o princípio do prazer, “da sombra e da água fresca, que funciona em todo lugar do planeta e também no Brasil”.

Segundo Da Matta, todo ser humano tem necessidade de dormir bem, de comer um alimento que seja saboroso. “A nossa busca, na existência, é por coisas prazerosas”. De vez em quando, destacou, o que é prazer entra em conflito com coisas que são deveres ou obrigações. “Esses são os conflitos humanos, na maneira mais geral possível”.

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Por prazer, as pessoas, no carnaval, prolongam um período que já é um feriado grande “e raro”, disse o antropólogo. Comparativamente a outros países, destacou que o número de feriados no Brasil é recorde. “O carnaval é uma coisa compacta, praticamente é uma semana de feriados”. Observou que o feriado carnavalesco é, no fundo, um feriado religioso. Como o Brasil foi colonizado sob o domínio da Igreja Católica Romana, o carnaval é uma festa que sempre existiu no país desde sua descoberta. “É o calendário católico que justifica e faz o calendário do carnaval”.

A tendência atual de estender o carnaval até o máximo possível de dias reflete uma mudança de comportamento em relação às gerações anteriores, que iam às igrejas na quarta-feira, após a folia, que é o primeiro dia da Quaresma no calendário católico. Naquela ocasião, os fiéis recebiam as cinzas, símbolo da mudança de vida e da fragilidade da vida humana, sujeita à morte.

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“Isso, hoje, virou uma coisa insignificante. O carnaval deixou de ser uma festa em que você obrigatoriamente tomava parte, e virou um feriado, que acabou sendo estendido”. O interessante, avaliou, é a ideia de “enforcar” os dias imprensados entre o carnaval e o final de semana seguinte, “para ganhar mais feriado, prolongar o período em que você fica sem trabalho”.

Roberto Da Matta disse que há uma necessidade de as pessoas se reunirem em atividades de alegria e prazer. “É como assistir a um show", comparou. Se ao final do espetáculo, o público gosta do que foi apresentado ou tocado, ele se levanta e pede “bis”. Esse é o prolongamento de uma situação de prazer, de bem-estar e de gozo espiritual ou material, “que é exatamente o que o carnaval faz”, acentuou.

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Carnaval x Quaresma

Já a antropóloga Maria Laura Viveiros de Castro, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou que a prorrogação do carnaval não é uma coisa tão nova assim. ”A briga do carnaval com a Quaresma é antiga. "Há muitos anos, o carnaval de Salvador e o carnaval de Recife invadiram a Quaresma”.

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Com o renascimento dos blocos de rua, a tendência de estender o carnaval no Rio de Janeiro vem se desenhando mais forte. Outro exemplo do prolongamento do feriado de carnaval é dado pelas escolas de samba que desfilam há mais de 30 anos na Marquês de Sapucaí e vêm expandindo o carnaval, já dentro da semana de cinzas, até o sábado das campeãs.

Maria Laura disse que com o aumento dos blocos, essa tendência fica ainda mais forte porque os blocos hoje são mais fragmentados, mais soltos e descentralizados. Observou que essa tendência faz parte do espírito livre do carnaval, “de não querer morrer”. Entretanto, como as pessoas necessitam viver, a vida rotineira e normal acaba voltando. O ciclo do carnaval, porém, renasce no próximo ano, “com muita força, sempre”.

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A ampliação do número de blocos e de foliões, registrada no carnaval deste ano em vários municípios do país, ultrapassando a Quarta-feira de Cinzas, deve se manter, estimou Maria Laura. Blocos de embalo, como o Bafo da Onça e o Cacique de Ramos, e os blocos de enredo dos subúrbios sempre foram fortes no Rio de Janeiro. O fenômeno mais recente de expansão dos blocos ocorreu na zona sul da cidade. São blocos das camadas médias da sociedade, analisou. Segundo Maria Laura, a adesão da juventude das camadas médias ao carnaval de rua é uma novidade no cenário carnavalesco, mas que foi percebida a partir dos anos de 1990 para cá e está vinculada ao processo de redemocratização da sociedade brasileira. “E a tendência é se expandir mesmo para outras cidades”.

O carnaval do Brasil é um dos maiores do mundo, atualmente não só pela pujança da festa, mas pela diversidade das expressões carnavalescas no país, disse a professora da UFRJ. “É um lugar onde o carnaval encontrou um ninho, e a tendência é expansiva, sim. É um lugar onde a própria sociedade brasileira se renova e ganha forças para encarar os problemas do dia a dia. O carnaval é uma festa renovadora."

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